São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 2005

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Testemunhas dizem ter recebido ameaças de morte

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ANAPU (PA)

Dois trabalhadores rurais listados como testemunhas no inquérito que investiga o assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, 74, disseram ter recebido ameaças de morte do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, apontado como suspeito de ser o mandante do crime, ocorrido no sábado, em Anapu, oeste do Pará.
As testemunhas pediram e passaram a receber, ontem, segurança da Polícia Civil de Anapu. Os dois contam que receberam "recados" enviados pelo fazendeiro, conhecido como Bida, segundo os quais eles seriam mortos se comparecessem à Polícia Federal para depor sobre o caso. Os recados foram dados por outros trabalhadores rurais que moram na região. O fazendeiro teve a prisão decretada e está foragido.
Sindicalistas e trabalhadores rurais da região dizem que o clima é de tensão e medo. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis dos Santos Souza, disse que dois homens foram à casa de seu pai, anteontem, e ameaçaram toda a sua família de morte.
A fazenda de Moura fica na gleba Bacajá, área reivindicada por 220 famílias que seriam assentadas no PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentado) Esperança, local em que a religiosa foi morta, ao sul da sede de Anapu e às margens da rodovia Transamazônica.
A implantação do PDS pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), como Dorothy pedia desde 99, resultaria na retirada de Moura da área.
As testemunhas ameaçadas são trabalhadores rurais que participaram de uma reunião com a religiosa americana na sexta-feira, um dia antes da morte dela, dentro do PDS Esperança.
Na reunião, ela expôs a cerca de 30 pessoas ações do projeto. As testemunhas disseram que estavam no encontro três dos quatro acusados de autoria do crime.
A testemunha J.S.L., 53, afirmou em depoimento à polícia que a ameaça ocorreu anteontem. "Me avisaram ontem [anteontem] na minha casa que os fazendeiros disseram que aqueles que os "dedaram" iam ser mortos. Iam me matar se eu viesse na Polícia Federal. Mas eu confio em meu Deus", disse à polícia ontem.
Às 17h de ontem, equipes da polícia trouxeram a Anapu outro trabalhador do PDS Esperança, cujo nome não foi revelado, também ameaçado. Ele disse que preferia ficar na própria delegacia a ter de voltar ao assentamento.
O delegado Marcelo de Souza Luz, da delegacia de Anapu, informou ontem que ainda não sabia em que local colocaria as testemunhas. Na 3ª Companhia da Polícia Militar, já está desde domingo a testemunha ocular do assassinato, C.B.C., 49. "O que não podemos é deixar essas pessoas morrerem", disse Luz.

Enterro
O corpo de Dorothy Stang foi enterrado ontem em Anapu. O cortejo saiu da Igreja de Santa Luzia às 11h15 e percorreu a rodovia Transamazônica por 2 km, até chegar ao Centro de Formação São Rafael, onde foi rezada a missa de corpo presente.
"A irmã Dorothy foi assassinada por aqueles que querem a Amazônia para si, que querem explorá-la sem trégua", disse o bispo da prelazia do Xingu, Erwin Krautler, que celebrou a missa em companhia do bispo do Maranhão, Xavier Gilles.
"Aqui é terra sem lei, quem manda aqui é o [revólver] 38. Quando não dá para resolver o caso por ameaça, eliminam mesmo", disse Krautler.
Às 14h20, o corpo da religiosa foi enterrado numa área de floresta. "Dorothy não vai ser sepultada, ela vai ser plantada. O sangue dela não foi derramado em vão. A luta continua", disse a missionária Julia Depweg, amiga de Stang.
O governador do Acre, Jorge Viana (PT), compareceu representando o governo federal, e o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o Congresso. Também estavam presentes a senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) e o deputado federal Babá (PSOL-AL). Segundo a PM, 6.000 pessoas acompanharam a cerimônia.


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