São Paulo, segunda, 16 de fevereiro de 1998

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Vôo doméstico deve ser só de empresas nacionais, diz Lôbo

Alan Marques/Folha Imagem
O ministro Lélio Lôbo, da Aeronáutica, que é contra vender a Infraero


ELIANE CANTANHÊDE
Diretora da Sucursal de Brasília

RUI NOGUEIRA
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília

Se depender do ministro da Aeronáutica, brigadeiro Lélio Lôbo, goiano, 67, as companhias estrangeiras jamais poderão operar vôos entre cidades brasileiras.
"Nunca", disse o ministro numa entrevista de quase duas horas à Folha, sexta-feira. Opinou que as passagens domésticas são caras porque os juros e o preço dos combustíveis são altos e há excesso de encargos trabalhistas.
Se depender de Lôbo, também, nada muda na Aeronáutica apesar da criação da ANT (Agência Nacional dos Transportes) e do rumo privatizante que o presidente Fernando Henrique Cardoso vem imprimindo ao seu governo.
Ao contrário do presidente da Infraero, brigadeiro Adyr Silva, Lôbo é contra a privatização da empresa e o regime de concessão para os aeroportos.
"Muita gente tem vindo aqui no ministério falar sobre a privatização, mas todos só querem o (aeroporto) do Rio, o de São Paulo e o cargueiro de Campinas. Bom, esses até eu quero", disse.

Folha - O sr. não acha que a Aeronáutica deveria abdicar de seu poder sobre tráfego aéreo, aviação civil e até administração de aeroportos para concentrar energias e recursos nas atividades estritamente militares?
Lélio Lôbo
- O Ministério da Aeronáutica foi criado em 41 para ser um ministério militar e civil com duas atividades claras: uma estritamente militar, que é a FAB, e uma civil, que abrange a aviação civil e o programa espacial.
Nos anos 60, a pergunta foi: num país razoavelmente pobre e tão grande, nós vamos aguentar desenvolver dois sistemas, um para defesa aérea e outro para controle do tráfego aéreo? Chegamos à conclusão que o mais lógico seria o sistema único. E fizemos. Pois em 95 a organização de aviação civil internacional fez uma recomendação: que todos os países procurassem fazer sistemas integrados como o do Brasil.
Folha - Todos os setores estão aderindo a um esforço para o enxugamento do Estado e o fortalecimento da iniciativa privada. Por que só a Aeronáutica fica de fora?
Lélio Lôbo
- Nós usamos a iniciativa privada em tudo o que podemos. Tudo que a indústria brasileira é capaz de fazer, nós compramos na indústria brasileira. Agora, não é simples entregar a proteção ao tráfego aéreo aos civis, porque os salários não são atrativos e porque existem limitações. O militar vai aonde você manda. O civil, não. E o militar não faz greve. O civil, mesmo quando trabalha num ministério militar, pode fazer e faz. Como privatizar?
Folha - Por que a Aeronáutica, além do tráfego aéreo, tem de controlar também a política de tarifas da aviação civil?
Lélio Lôbo
- O Brasil é um dos poucos países do mundo em que a aviação civil é privada desde a sua origem. As empresas sempre foram privadas, com exceção da Vasp, que foi estatal durante algum tempo. O sistema de controle do tráfego aéreo que nós temos hoje é operado mais por militares, mas a atividade deles é, mais de 80%, para a aviação civil. O que temos é um órgão controlador, o DAC, que é do Ministério da Aeronáutica desde 1941. Em todos os países os órgãos reguladores são governamentais. A diferença é que o nosso órgão regulador está dentro do Ministério da Aeronáutica, que é civil e militar desde a sua criação. Não foi criado militar e um belo dia deram-lhe atribuições civis.
Folha - Com a criação da Agência Nacional de Transportes, a ANT, que é um órgão regulador, isso não muda?
Lélio Lôbo
- Eu não acho. O sentido de mudar é para melhorar. Não se deve mudar pura e simplesmente porque alguém pensa que deve mudar. Então, primeiro, devemos verificar porque é que o órgão regulador que nós temos não atende às necessidades brasileiras. O sistema funciona e está estruturado. Tem imperfeições, mas funciona. A despeito de todos percalços que o país viveu, todas as crises econômicas, é um sistema que não entrou em falência.
Folha - Qual é o sentido de se criar uma agência que só cuide de rodovias e de hidrovias e ferrovias que não existem? É melhor não criar, não acha?
Lélio Lôbo
- Não entro na análise do problema dos outros, entro no meu. Eles devem ter chegado à conclusão de que é mais conveniente o caminho da agência para, talvez, fazer aquilo que no transporte aéreo nós já conseguimos fazer.
Folha - Quando o senhor fala èles', a quem o sr. está se referindo?
Lélio Lôbo
- Transportes é um problema nacional e quando falo èles', falo desde o jornalista que escreve sobre transportes até os níveis mais altos, todo mundo.
Folha - A administração de aeroportos é bem diferente da área de tráfego aéreo e de aviação civil, mas também não entra na ANT. O que o sr. acha da privatização da Infraero, ou pelo menos da entrada do regime de concessões para os aeroportos?
Lélio Lôbo
- O que acontece na prática é que os principais aeroportos nossos são compartilhados (entre Infraero, Estados e empresas), coisa que no exterior raramente existe. A administração está com a Aeronáutica desde 1941 e nós passamos a abrir aeroportos no país inteiro. Lembre-se dessa expressão: 'no país inteiro'.
O problema é que aeroporto só quer quem opera o avião. Todo mundo quer andar de avião, mas não quer o aeroporto. Vejo isso pela pressão que eu sofro dos prefeitos, que querem o aeroporto, mas não querem administrá-lo.
Folha - Se a iniciativa privada se interessa por estradas, por que não se interessaria por aeroportos rentáveis?
Lélio Lôbo
- O sistema tem 702 aeroportos. A Infraero administra 67, Estados e municípios administram cerca de 250 e nós, da Aeronáutica, o restante. Desses aeroportos, 180 são arrecadadores. Isto é, a entidade que os administra tem algum tipo de receita, cobra alguma coisa pelo uso do hangar. Fora da Infraero, nenhum dá lucro ou sequer tem a despesa balanceada com a receita. Dos 67 da Infraero, pouco mais de 20 têm receita maior do que despesa. No duro, no duro, quatro dão lucro.
Folha - De onde vêm os bilhões que a Infraero arrecada para investir nos aeroportos?
Lélio Lôbo
- É a taxa Ataero (uma tarifa adicional para investimentos) e a receita comercial dos grandes aeroportos. Mas nós, hoje, estamos estudando como botar a iniciativa privada nos aeroportos.
Folha - Estudando com boa vontade? Porque a sensação é de que o setor mais estatizante é a Aeronáutica...
Lélio Lôbo
- É que todo mundo quer privatizar e privatiza. Não quer saber exatamente como é que as coisas vão ocorrer. No caso da privatização dos aeroportos estamos acompanhando de perto o que o mundo inteiro está pensando sobre esse assunto.
Folha - Mas vocês estão fazendo a pesquisa sozinhos? Não é o "Lôbo" tomando conta do galinheiro? A Petrobrás não teve essa colher de chá.
Lélio Lôbo
- Não é isso. É mais complicado. Os investimentos em aeroportos são muito pesados e os retornos lentos. Diferente de telefonia celular, onde em quatro anos o investimento pode ser pago. Então, estamos olhando e conversando. Há menos de um mês, tivemos contato com o pessoal dos EUA que está trabalhando na privatização dos aeroportos.
Os EUA têm uns 560 aeroportos públicos, se não me engano. São aeroportos arrecadadores, importantes. Pegaram cinco, nenhum dos grandes, para fazer uma experiência. Estamos acompanhando.
Folha - A Aeronáutica e a Infraero têm posições diferentes? O brigadeiro Adyr Silva (Infraero) não é a favor da privatização?

Lélio - Há um mal-entendido. No quadro atual, com as responsabilidades e atribuições que ela tem, eu não vejo como privatizar a Infraero.
Folha - Mas tem gente dentro da Infraero que defende, não tem?
Lélio Lôbo
- Acho que tem. Tem. Mas eu não vejo como privatizar, não acho lógico. Muita gente tem vindo aqui no ministério falar sobre a privatização, mas todos só querem o (aeroporto) do Rio, o de São Paulo e o cargueiro de Campinas. Bom, esses até eu quero.
Folha - É a história do filé mignon e do osso...
Lélio Lôbo
- Na realidade, temos um sistema integrado em que um compensa o outro. Na própria Infraero é assim: a grande maioria é sustentada pelos superavitários.
Folha - Qual a sua opinião sobre a possibilidade de companhias estrangeiras operarem vôos domésticos? Quando é que, por exemplo, a United Airlines poderá transportar passageiros aqui dentro?
Lélio Lôbo
- No meu entender, de uma cidade brasileira para outra cidade brasileira, nunca. País nenhum do mundo deixa isso acontecer. Por que vamos deixar de fazer o transporte doméstico, gerando empregos para estrangeiros, gerando economia para os outros, quando isso é um elemento fundamental para que o nosso transporte tenha condições de atender o Brasil?
Folha - Mas os preços das passagens continuam altíssimos.
Lélio Lôbo
- Para aumentar a competitividade é preciso criar condições. Os investimentos são altos, as taxas de juros são pesadíssimas, os encargos trabalhistas também. Nós temos um custo Brasil alto.
O combustível brasileiro tem um preço altíssimo. As empresas internacionais saem do último aeroporto com o máximo de combustível, saem do Brasil com o mínimo e vão abastecer em outro lugar. Mais do que isso: por uma série de razões, a gente não tem ainda sistemas de financiamento adequados para suportar empreendimentos dessa natureza.
A gente vai prestar atenção e verifica como o governo está por trás das privatizações com seus mecanismos de financiamento. Então, defendemos que o governo olhe o transporte aéreo como um sistema que também precisa de um suporte, de financiamentos, coisa que não é fácil.
Folha - A criação do Ministério da Defesa, prevista para o segundo semestre, acarreta uma maior profissionalização das três Forças. Como a Aeronáutica se encaixa nisso?
Lélio Lôbo
- Quando melhoramos muito o padrão profissional, geramos um estímulo para que não fiquem nas Forças Armadas. Muitos sabem que terão uma formação boa, garantia de emprego e um salário que pode não ser dos melhores, mas é conjugado com outros fatores, como ambiente, estabilidade. E têm facilidade para disputar o mercado de trabalho fora. A evasão é tanto maior quanto melhor estiver a economia. Por isso nós estamos com essa preocupação crescente.
Folha - A solução é aumentar o salário?
Lélio Lôbo
- A solução, de certa forma, é o salário, mas não só. Nos níveis mais baixos, como todo o funcionalismo público, nós estamos com salários dentro do mercado de trabalho. Nos níveis mais altos, o distanciamento salarial é muito grande.
Folha - O sr. é tenente-brigadeiro, tem 50 anos de profissão e ganha R$ 4.100 de salário líquido. O que o sr. sente ao saber que um contínuo do Legislativo ganha até R$ 1.800 para tirar cópias xerox?
Lélio Lôbo
- Não faço avaliações de áreas específicas nem comparações. Claro que a primeira reação é de que é um tratamento ilógico. Mas onde estaria a ilogicidade? Na grande maioria ou nas minorias? O importante é saber que o governo está preocupado com o problema.
Folha - O que o sr. achou da decisão brasileira de apoiar uma eventual solução armada para o Iraque?
Lélio Lôbo
- Foi uma posição diplomática bem explicada pelo presidente. Eu bato continência, como sempre.
Folha - O sr. diria "sim" a um novo convite para continuar à frente da Aeronáutica, caso, é claro, o presidente Fernando Henrique Cardoso venha a ser reeleito?
Lélio Lôbo
- No segundo mandato? Vamos ter o Ministério da Defesa. O Ministério da Aeronáutica nem vai existir.



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