São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 2000


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SÃO PAULO
Depoimento de ex-primeira-dama aponta suposto esquema de corrupção em benefício de malufistas
O que diz Nicéa

FERNANDO DE BARROS E SILVA
Editor do Painel


No depoimento que prestou ao Ministério Público, Nicéa Pitta acusou a existência de vários esquemas de corrupção supostamente a serviço de Paulo Maluf dentro da Prefeitura de São Paulo.
Não há, no depoimento, referência a qualquer documento que comprove as acusações da ex-primeira-dama.
Segundo a Folha apurou, o Ministério Público teria recebido de Nicéa provas documentais referentes apenas a supostas irregularidades no PAS (Plano de Atendimento à Saúde)
Nicéa, em seu depoimento, envolveu nominalmente em corrupção e tráfico de influência dentro da máquina pública paulistana o filho do ex-prefeito Paulo Maluf, Flávio Maluf, e alguns dos principais caciques do malufismo, como os ex-secretários Edevaldo Alves da Silva (Governo) e Reynaldo de Barros (Serviços e Obras e Vias Públicas), ambos nomes do primeiro secretariado de Pitta.
O atual secretário da Saúde de Pitta, Jorge Pagura, também é acusado de desviar verbas de módulos do PAS para o caixa de campanha de Maluf durante a eleição ao governo do Estado, em 98.
O depoimento que Nicéa prestou na última segunda-feira ao Ministério Público, cujo registro oficial, com 20 páginas, foi obtido pela Folha, detalha denúncias feitas pela ex-primeira-dama em entrevistas anteriores e acrescenta novas acusações de supostos atos criminosos envolvendo a prefeitura e o Legislativo municipal.
Além de afirmar que vereadores da base governista chantagearam Celso Pitta em várias ocasiões e que teriam recebido pagamentos para votar tanto contra a aprovação de CPIs como contra a abertura do processo de impeachment do prefeito, Nicéa narra em pormenores a conversa que diz ter presenciado entre Pitta e o ex-senador Gilberto Miranda.
Este último seria o intermediário do senador Antonio Carlos Magalhães, para supostamente pressionar a Prefeitura de São Paulo a honrar dívidas com a empreiteira baiana OAS, do ex-genro de ACM.

Flávio Maluf
Segundo Nicéa, foi Flávio Maluf, com a "interferência" de Edevaldo, que "impôs" a Pitta o nome de Ricardo Castelo Branco para presidir o Anhembi Turismo.
Flávio, disse Nicéa, foi diversas vezes ao apartamento do casal Pitta, "normalmente à noite", com a finalidade de indicar nomes para ocupar cargos de confiança na administração municipal.
Ainda segundo o depoimento da ex-primeira-dama, tanto Flávio Maluf como Castelo Branco, com o apoio direto de Reynaldo de Barros e Edevaldo, atuaram contra a informatização do sistema de cobrança do estacionamento do Anhembi. Nicéa afirma que defendia a medida porque isso traria "um grau de controle maior" do dinheiro arrecadado. Segundo a Folha apurou, o Ministério Público trabalha com a suspeita de que o estacionamento do Anhembi é usado para engordar o caixa-dois do malufismo. Bilhetes "clonados", com números repetidos, registrariam um volume de carros que entram e saem do estacionamento muito inferior ao trânsito real de veículos.
Além de controlar a Anhembi, Flávio Maluf, sempre segundo Nicéa, teria se interessado por outro esquema de corrupção, envolvendo o Casa (Centro de Apoio Social e Atendimento do Município de São Paulo), do qual Nicéa foi presidente de honra.
Uma das fontes de renda do Casa deveria ser um selo da entidade, que era vendido pela prefeitura a imobiliárias e empreiteiras e constava dos panfletos de publicidade de lançamentos de imóveis na cidade. Segundo Nicéa, o Casa "nunca recebeu qualquer valor proveniente desses recursos".
A ex-primeira-dama afirma que foi orientada por Flávio Maluf, por Edevaldo e pelo então vereador Hanna Garib (que, eleito deputado estadual, teve o seu mandato cassado) a "não se envolver com isso".

Corrupção no PAS
Em outro trecho de seu depoimento, Nicéa afirma que, há cerca de dois anos, recebeu a visita do médico Vicente de La Magna, diretor do hospital do Campo Limpo, que lhe "teria uma série de irregularidades" para denunciar. Segundo ela, La Magna pretendia revelar a Pitta que Jorge Pagura "havia solicitado dinheiro de todos os módulos do PAS, com o propósito de custear a campanha de Paulo Maluf ao governo do Estado de São Paulo". O médico, segundo Nicéa, desistiu das denúncias, momentos antes de fazê-las na prefeitura, porque teria visto no local, saindo de uma reunião, Pagura e o secretário de Governo de Pitta, Carlos Augusto Meinberg. Ambos teriam pressionado o prefeito a demitir o responsável pelo hospital do Campo Limpo, até que um acordo o manteve no cargo em troca do silêncio.

O caso OAS
Em uma das passagens mais detalhadas de seu depoimento, Nicéa narra o telefonema que Celso Pitta, durante uma solenidade no Masp, teria recebido de Gilberto Miranda, solicitando que o prefeito fosse com urgência à sua casa. Miranda teria dito ao prefeito que o senador Antonio Carlos Magalhães estava "muito bravo" com Pitta e cobrava deste o pagamento de dívidas atrasadas da prefeitura com a empreiteira OAS.
Nicéa afirma ter ido com Pitta à casa de Miranda naquela noite. Este teria dito ao prefeito que havia sido o seu maior defensor na CPI dos precatórios e que havia obtido de ACM a promessa de que o baiano providenciaria o encerramento da comissão. Nicéa afirma ainda que Miranda telefonou a ACM na frente dela e de Pitta, mas que o senador baiano se recusou a falar com o prefeito.
Pitta, segundo Nicéa, estava "bastante transtornado, com os lábios roxos, e tinha dificuldade em falar, pois sua boca estava seca". Miranda, por sua vez, disse Nicéa, estava "bastante exaltado, dizendo que ia ficar doente, com a pressão alta e que corria o risco de ter um infarto". A cena teria ocorrido na noite do casamento de Chiquinho Scarpa, em maio de 98, segundo Nicéa.
O depoimento de Nicéa Pitta foi considerado confuso pelos membros do Ministério Público. O seu curso foi várias vezes corrigido e pontuado pelos promotores, a fim de encadear as denúncias e torná-las mais compreensíveis.


Leia a íntegra do depoimento de Nicéa Pitta



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