São Paulo, domingo, 16 de março de 2008

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ELIO GASPARI

O Brasil reencontrou o crescimento


Em 1999, o ministro Clóvis Carvalho falou em "ousadia" e foi demitido no dia seguinte

O CRESCIMENTO DE 5,4% do PIB em 2007 indica que o Brasil se livrou da urucubaca do regresso, iniciada em 1982. Encerrou-se um período durante o qual, pela primeira vez desde 1930, a economia do país foi dirigida por pessoas que colocaram o crescimento econômico em segundo (ou terceiro) plano. Não o faziam por mal e, em certos casos, faziam por bem, pois buscavam a estabilidade da moeda. Ainda assim, taxas medíocres de crescimento (sempre acompanhadas por gordas taxas de juros) eram consideradas remédio adequado, mesmo quando mostravam-se daninhas. O Brasil poderia ter saído do buraco há mais tempo se a ekipekonômica do tucanato não tivesse amarrado o país ao câmbio fixo, experiência que ruiu em 1999.
Crescimento chegou a ser palavrão. Quando for escrita a história do período, é provável que nele apareçam duas datas simbólicas. Uma, 3 de setembro de 1999, sinaliza o esplendor da estagnocracia. Na véspera, num seminário do PSDB, o ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, propôs que o governo de FFHH pisasse no acelerador: "Dá, sim, para ousar mais, para arriscar mais. (...) E o excesso de cautela, a essa altura, será outro nome para a covardia". No dia seguinte estava demitido. Ou o presidente mandava o amigo embora, ou Pedro Malan sairia do Ministério da Fazenda. Pela frase de Carvalho e pela reação de Malan mede-se o grau de controle que a ekipekonômica exercia sobre o governo.
A segunda data, 27 de março de 2006, indica o fim desse predomínio. Nesse dia, moído pela crise da quebra do sigilo do caseiro Francenildo, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ouviu de Lula que deveria sair do governo. Até aí tudo bem. A graça começa quando Palocci sugere a Nosso Guia o nome do economista Murilo Portugal, secretário-executivo da Fazenda, para sucedê-lo. Com jeito, Palocci lembrou que um outro nome poderia ser mal recebido pelo mercado. Lula tinha decidido comprar essa parada. O presidente do BNDES, Guido Mantega, já estava no Planalto.
Portugal foi embora batendo a porta. O mercado fez seu terrorismo durante uns três dias e atualmente tem de Mantega a mesma excelsa opinião que teve de seus antecessores e terá de todos os sucessores.

TARSO GENRO DEVE CHAMAR OS ESPANHÓIS

O comissário Tarso Genro deveria retaliar o mau atendimento do serviço de emissão de passaportes de sua Polícia Federal transferindo essa atribuição para a equipe de espanhóis do aeroporto de Madri.
No final do ano passado, a PF informava que a patuléia interessada numa entrevista para tirar ou renovar passaporte devia esperar 69 dias no Rio e 32 dias em São Paulo. O problema foi resolvido removendo-se a informação do portal de serviços do departamento. Agora, quem quiser saber a demora precisa antes iniciar a tramitação de seu pedido. (A fila de São Paulo está em 35 dias e no Rio, em 20.)
Nos últimos meses, a Polícia Federal distribuiu um lote de mil passaportes com um bug na leitura do código de barras. As vítimas dessa inépcia acabam confundidas com portadores de documentos caducos. Como a PF não revelou a existência do problema, nem divulgou os números das cadernetas defeituosas, isso só é descoberto quando o contribuinte está no aeroporto. Lá, há uma lista com os números dos passaportes encrencados, e os portadores são liberados. Em vez de recorrer ao popular recall, a PF preferiu azucrinar suas vítimas, levando-as a viajar com um passaporte bichado.
A Polícia Federal acredita que até o fim do mês resolverá o problema. A ver.

PSDB DO T
A situação no PSDB paulista azedou de tal maneira que, num eventual segundo turno entre Marta Suplicy e Geraldo Alckmin, as esperanças de uma parte dos tucanos irá para a candidata do PT.

ZONA FRANCA
Quase cinco séculos depois das marchas dos paulistas atrás de ouro, os garimpeiros passaram a desempenhar um papel vital na preservação da fronteira amazônica nacional. Na região da Cabeça do Cachorro, onde se encontram Colômbia, Venezuela e Brasil, são eles quem marcam alguma forma de limite para a entrada dos narcoguerrilheiros das Farc em Pindorama. Às vezes, os acampamentos do garimpo são saqueados. Nesses casos, vem o Exército e devolve os invasores à mata colombiana. As Farc evitam encrenca com os soldados brasileiros e há quase dez anos não há choques relevantes na região. Umas poucas trocas de tiros e mais nada. As lanchas dos narcoguerrilheiros circulam com desembaraço e liberdade no rio Negro.

FANTASIA CAMBIAL
Nas contas de um sábio do mercado, o pacote cambial do governo poderá impedir que o dólar caia a R$1,50, segurando-o na faixa de R$ 1,60. Ao longo de um ano, essa manobra sairá por mais de US$ 5 bilhões. No barato, o custo de um Bolsa Família.

ERRO
No artigo que o signatário publicou neste jornal na quarta-feira havia a informação de que entre as pessoas que praticaram o atentado ao consulado americano, em março de 1968, estava Dulce Souza Maia. Ela nega que tenha participado e não foi acusada de tê-lo feito. Aqui vai a pronta retificação, acompanhada do necessário pedido de desculpas.

VOZ SOLITÁRIA
Há cerca de dois meses, os responsáveis pela economia norte-americana fazem o contrário do que ensinaram aos outros. Injetam dinheiro no mercado para socorrer a banca e discutem formas de salvar os caloteiros da ciranda imobiliária. A última sugestão nesse sentido veio do próprio presidente do Fed, Ben Bernanke. Parece proposta de petista dos anos 80, pois oferece aos americanos encalacrados em dívidas imobiliárias a renegociação do principal, o congelamento dos juros e até um refresco nas prestações. Tudo isso com a bolsa da Viúva. O dinheiro dos impostos de quem não especulou vai cobrir os buracos de quem se deu mal. Há no Brasil um poderoso plantel de sábios analistas das economias mundiais e nativa, muitos deles ligados a prestigiosos bancos ou consultorias quiromânticas que atendem ao mercado financeiro. Quando uma proposta parecida com a de Bernanke aparece em Pindorama, eles saltam em defesa do livre mercado. Agora que ela surgiu nos Estados Unidos, guardaram obsequioso silêncio. Só o economista Claudio Haddad, presidente do Ibmec, foi capaz de chutar a canela de Bernanke, com artigo no jornal "Valor".

OAS 2.0
O empresário Cesar Mata Pires conseguiu se tornar a única pessoa do mundo que entrou em litígio com Arlete Magalhães, a viúva de ACM. Aos 78 anos, tendo perdido dois filhos, a senhora nunca brigou com ninguém, nem sequer elevou a voz. Quando ACM reinava na Bahia, a OAS, fundada por Mata Pires, era debochadamente chamada de "Obras Arranjadas pelo Sogro". Na sua nova encarnação, corre o risco de virar "Obras de Abominável Selvageria". Mata Pires briga com os demais herdeiros de ACM numa encrenca que, em vez de diminuir, tende a aumentar.


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