São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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ELIO GASPARI

O silêncio é um veneno aos reitores


O doutor da Unifesp devia vir para a vitrine, explicando suas contas com os malditos cartões

HÁ POUCA COISA em comum entre as despesas do ex-reitor da Universidade de Brasília e os caraminguás consumidos pelo doutor Ulysses Fagundes Neto, reitor da Universidade Federal de São Paulo. Um gastou pelo menos R$ 350 mil decorando o apartamento onde vivia, com lixeiras de R$ 990, mais carrão, viagens e jantares. O outro gastou R$ 75,5 mil em 12 viagens ao exterior, num período de ano e meio. O magnífico pagou uma passadinha de R$ 2.200 na loja Nike Town de Berlim, comprou produtos para o cabelo em Miami e malas em Pequim. Em 2007, com gastos de R$ 291 mil, a Unifesp foi a terceira colocada na torrefadora dos cartões corporativos da academia. Perdeu para Brasília e para a Universidade Federal do Piauí.
Fagundes Neto e Timothy Mulholland assemelharam-se na soberba do silêncio de senhor feudal. Dois educadores são apanhados gastando o dinheiro dos outros de forma indevida e não lhes ocorre sentar atrás de uma mesa, encarando a patuléia e explicando-se. Senhores de baraço (frouxo) e cutelo (cego) nas instituições que dirigem, confundem o poder da cátedra com uma espécie de mandato divino que os dispensa de prestar contas a quem lhes paga os cartões. Falam por meio de notas, transmitidas por suas assessorias. Se Timothy Mulholland tivesse encarado a choldra desde cedo, teria sangrado menos. Fagundes Neto corre o risco de virar bola da vez.
Veja-se um exemplo: a Unifesp divulgou nota oficial informando que algumas despesas "tiveram uma solução encaminhada em 2007". Parolagem de burocrata contorcionista. A Controladoria Geral da União já informara ao repórter Alan Gripp que o magnífico Fagundes devolvera R$ 8.000 gastos irregularmente em 2006. Ele mesmo reconhecera que "a CGU decidiu e eu não discuti, paguei, mas não houve irregularidade". Não haveria de ser uma bobagem dessas que abalaria a carreira de um professor que chegou a reitor de sua universidade. De qualquer forma, se achava que tinha razão, não deveria ter pago. Tendo pago, teria feito melhor se tivesse vindo a público comunicar o que lhe sucedera.
Os reitores são antes de tudo mestres. Se um ministro é apanhado torrando dinheiro com cartões e o comissariado do Planalto aparece organizando dossiês, esse é um jogo que a juventude pode querer corrigir. Se os reitores protegem-se recorrendo a silêncios, monólogos e contorções, a aula está dada. Nos Estados Unidos, é fácil expulsar maus alunos, mas também é fácil defenestrar maus reitores. Por inconveniências verbais, políticas ou financeiras, já foram mandados embora os presidente de Harvard, Stanford e da American University.
É compreensível que um reitor pague um jantar de R$ 1.000 a convidados estrangeiros. Até um protetor solar pode entrar no cartão, bem como o aluguel de um carro pode ser muito mais barato que os deslocamentos de táxi. O reitor da Unifesp devia vir para a vitrine, com todas as suas contas numa sacola e a lição do juiz Louis Brandeis na cabeça: "A luz do sol é o melhor desinfetante".
Como ele mesmo prometeu, referindo-se à Lei de Responsabilidade Fiscal: "Eu não vou passar pelo constrangimento de ter um processo criminal por apropriação indébita, por estar na lista dos devedores do INSS. Eu não vou assinar um cheque que me condena. Tudo será absolutamente transparente".
A Unifesp informa que hoje o reitor falará à imprensa numa entrevista coletiva. Boa idéia.


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