São Paulo, quinta, 16 de abril de 1998

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JANIO DE FREITAS
Fatos sequestrados

Além dos aspectos judiciais e morais postos em discussão, o indulto dos sequestradores de Abílio Diniz, sob o mau disfarce de extradição por Fernando Henrique Cardoso, vem a ser um componente a mais no mistério que ainda envolve esse crime e seus autores.
Foi aceita com facilidade pela polícia, e logo assimilada pelo jornalismo, a versão de que os sequestradores pretendiam destinar o resgate, fixado de início em R$ 30 milhões, para financiamento de organizações rebeldes na América Central. Não houve prova nesse ou em outro sentido, nem é certo que alguma fosse procurada mesmo. Anos depois do sequestro, foi achada, em um remoto centro-americano, uma lista com nomes de sequestráveis, entre os quais o de Diniz. O que nada provou.
Nem foi preciso provar, no entanto, que o sequestro foi feito na hora mesma da votação entre um candidato que se apresentava como nacionalista, defensor das causas populares, proponente da distribuição da renda e da adoção de controles sobre a manipulação da economia por capitais estrangeiros, e seu adversário, um arrivista que se apresentava como reformador, porém fartamente financiado pela riqueza mais conservadora.
Que inimagináveis razões táticas levariam um grupo revolucionário a criar, precisamente no momento mais delicado para o candidato à esquerda, a comoção temerosa contra tudo identificável com esquerda? A generosidade revolucionária dos sequestradores não incluiu a bondade de explicar aquela esquisitice.
Não é o caso, a esta altura, de esmiuçar as circunstâncias em que o sequestro de repente fracassou, em hora tão oportuna para os desdobramentos eleitorais que ali mesmo começaram logo. Dessas circunstâncias é bastante lembrar que vários sequestradores vestiam, ao serem presos e fotografados, camisetas com propaganda eleitoral de Lula.
Um prestimoso delegado propagou prontamente que o sequestro estava ligado à candidatura de Lula, enquanto Collor reforçava a matéria-prima dos meios de comunicação com um tal plano de Lula contra os possuidores de apartamento próprio. Logo depois, a votação.
Os grandes empresários foram a força propulsora de Collor. Mas não estiveram sozinhos nessa tarefa. A participação de fatores estrangeiros em eleições e em outros momentos decisivos na América Latina está torrencialmente documentada. Inclusive, é claro, a participação no Brasil. E não só em golpes militares, mas em eleições mesmo, como se acabou descobrindo que aconteceu na campanha de Fernando Henrique, agraciada pela ação de um emissário de Bill Clinton.
O que estava por trás daquele sequestro continua sendo interrogação irrespondida. A versão vigente não merece o menor crédito. Há muito mais motivos para acreditar que o empresário Abílio Diniz foi forçado a dar, sem ao menos saber que o fazia, uma contribuição muito além, e sofrida, da que deram seus pares para derrotar Lula e eleger Collor.
Também não se sabe por que Collor, tão logo eleito, foi a uma brevíssima "conversa social" com George Bush, que presidia os Estados Unidos. "Conversa social", como os americanos disseram na época, pode ser um bom nome, por exemplo, para uma visita de agradecimento. Se foi isso, a visita teve alguma finalidade, porque de outra não se soube antes ou depois.



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