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PERFIL - MARINA SILVA
A filha da floresta
Senadora, que oficializa hoje sua pré-candidatura à Presidência pelo PV, nasceu em seringal no Acre, fez a carreira política na luta ambiental e foi ministra de Lula até 2008, quando saiu após seguidas derrotas no governo
ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Em maio de 2008, um
grupo de ambientalistas distribuiu, na cerimônia de abertura
da 3ª Conferência Nacional do
Meio Ambiente, um adesivo
verde-amarelo com os dizeres
"Marina Silva Presidente".
O intuito daqueles simpatizantes da então ministra do
Meio Ambiente era pressionar
o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, que participaria do
ato, a considerar o nome de sua
colaboradora para sucedê-lo.
A tentativa falhou. Lula soube da manobra e preferiu não ir
ao evento. Seis dias depois, Marina deixava o governo -e dava
o primeiro passo para lançar,
por outros caminhos, a candidatura proposta pelo adesivo. A
então ministra Dilma Rousseff,
com quem acumulara divergências no governo, já era àquela altura a preferida de Lula.
Numa trajetória incomum,
que faz lembrar a do próprio
Lula, Maria Osmarina Silva
saiu dos seringais do Acre, onde
viveu até os 16 anos, ainda analfabeta, para ganhar reconhecimento internacional na defesa
do ambiente, tornar-se ministra e postular à Presidência.
O PV lança oficialmente sua
pré-candidatura hoje, no Rio.
"Marina sempre foi a mais
desembaraçada", lembra o pai,
Pedro, 82, orgulhoso da "coragem dela de enfrentar essa barra" -a disputa eleitoral. Quando a filha tinha menos de cinco
anos, ele caminhou 22 horas
em um dia para buscar as "45
injeções" que a curaram de
uma leishmaniose.
Marina, 52, nasceu em um
dia chuvoso do inverno acriano, em fevereiro de 1958. Foi a
avó Júlia quem fez o parto na
localidade de Breu Velho, no
seringal Bagaço, distante 70
quilômetros de Rio Branco. Era
a segunda filha do cearense Pedro Augusto da Silva, que migrou na tentativa de ganhar a
vida com a extração de látex.
Lá, casou com Maria Augusta.
Enquanto o pai trabalhava
nos seringais e a mãe, na roça
de subsistência, o cuidado dos
oito filhos -foram 11 ao todo,
mas três morreram ainda bebês- ficava a cargo da avó.
Floresta e religião
A menina Marina encantava-se com as lendas e os segredos
da floresta contados pelo tio
Pedro Mendes, uma espécie de
xamã, que conviveu dos 12 aos
30 anos com índios do Alto Rio
Madeira antes de ir para o Acre
ao encontro da família. "Ele tinha o saber católico, mas tudo
era adaptado ao mundo do xamanismo", conta Marina.
Se vieram do tio o amor pela
floresta e o respeito à cultura
indígena, foi da avó Júlia, com
quem viveu dos 5 aos 14 anos,
que herdou o fervor religioso.
Ela doutrinava a neta com passagens retiradas de uma inseparável Bíblia em papel cuchê
com reproduções dos afrescos
pintados por Michelangelo na
Capela Sistina.
"Eu aprendi a falar fazendo
minhas orações com minha
vó", lembra Marina, que também sempre anda em companhia de sua Bíblia.
Aos 14 anos, depois de perder
a mãe e ver a irmã mais velha se
casar, a adolescente acabou assumindo o papel de chefe da casa, enquanto o pai passava o dia
trabalhando no seringal. "Eu ia
e voltava da cidade com meus
irmãos", lembra ela, que os levava na tentativa de curar
doenças como malária e meningite. Muitas vezes, precisava caminhar 11 horas com um
irmão no colo para chegar às
margens do rio Acre e pegar um
barco para Rio Branco.
Marina se emociona ao lembrar de quando precisou mentir a um taxista para que ele
aceitasse levar no carro a irmã
Dóia, com meningite, ao hospital. Afirmou que era malária.
"Fomos abraçadas no banco
de trás até Rio Branco. A febre
era muito alta e ela vomitava,
fiquei com a roupa molhada e
toda suja de vômito", conta.
"Eu tinha uma convicção muito
grande de que devia ir até as últimas consequências, tinha fé
em Deus de que aquela doença
não pegaria em mim", lembra.
Dóia ficou mais de um mês internada e sobreviveu.
Ainda criança, Marina encantou-se pela cidade. Foi em
Rio Branco que viu pela primeira vez uma árvore de Natal. Fora à cidade para tentar curar o
que hoje acredita ter sido uma
intoxicação originada do tratamento da malária. De volta ao
seringal, só falava nas luzes e
bolas coloridas.
Aos 16 anos, já estava decidida a se mudar para a capital.
Queria cuidar da saúde, estudar
e seguir o que acreditava ser
sua vocação -tornar-se freira.
Àquela altura, a jovem que
aprendera as quatro operações
da matemática em uma noite
para não ser enganada pelos
compradores de látex ainda
não sabia ler e escrever. Foi
morar em Rio Branco, na Casa
Madre Elisa, um pré-noviciado.
Limpava a cozinha e cuidava da
horta. Estudava no Instituto
Imaculada Conceição.
A colega Maria Auxiliadora
Ribeiro, a Dôra, lembra que
Marina vestia saias longas, cores escuras, e dificilmente mostrava os ombros. "Não foi coisa
do colégio de freiras. A gente
usava vestido curto. Ela, nunca.
E jamais soltava o cabelo."
Em quatro anos, Marina foi
do analfabetismo ao vestibular,
passando por um curso supletivo. O sonho de ser noviça durou
dois anos e oito meses. Ela se
digladiava com a polêmica entre freiras conservadoras e progressistas.
As primeiras tachavam de
comunista quem era ligado às
Cebs (Comunidades Eclesiais
de Base), incluindo o bispo e o
sindicalista Chico Mendes.
"Aquilo me incomodava porque sabia que o que o bispo comunista e o Chico Mendes comunista faziam era defender os
seringueiros e os índios", diz.
Fome
O discurso da igualdade exercia forte atração sobre ela, que
conheceu a fome de perto.
Quando o pai certa vez decidiu
tentar a sorte em Manaus e, depois, em Belém, a família enfrentou muitas dificuldades.
Marina lembra de uma noite de
Natal em que havia apenas farinha e um ovo na casa. Só os
mais novos comeram.
Ela conheceu Chico Mendes
em um curso da ala progressista da Igreja Católica, em 1976.
Começaram a ter contato e ele
a apresentou a leituras clandestinas sobre direitos dos trabalhadores. "Eu entrei em conflito e saí do convento", conta ela.
A convivência com Chico a
levou ao PRC (Partido Revolucionário Comunista), grupo semiclandestino que fazia oposição aos militares. Ali, conheceu
José Genoino, também do
PRC, em uma das muitas viagens dele ao Acre. "Ela era tímida, contida, ainda não se destacava muito", relembra o deputado petista.
Sua primeira passagem pela
capital paulista ocorreu por intermédio de dom Moacyr Grechi. Internada em Rio Branco
por causa de uma hepatite, ela
ouviu o médico desenganá-la.
Saiu do hospital e foi ao bispo
pedir ajuda. Ele prometeu que,
se ela conseguisse dinheiro para a passagem, cuidaria do tratamento em São Paulo. A família vendeu alguns animais e
Marina foi encaminhada para o
Hospital São Camilo.
Ao voltar a Rio Branco, entrou no curso de história da
Universidade Federal do Acre.
A ex-colega Bernardete Carioca da Silva, hoje diretora de escola, lembra das greves que faziam para melhorar a comida
do restaurante universitário.
"Nós éramos todos matutos.
Mas ela sabia o que queria e, se
preciso, subia no banco para
discursar." Entre os colegas de
faculdade, a fragilidade física
rendeu a Marina o apelido de
"Maria doentinha".
O envolvimento político fez
naufragar a união com o primeiro marido, Raimundo Souza, com quem havia casado
pouco depois de sair do convento -com ele, teve dois filhos, Shalon, que é psicóloga, e
Danilo, publicitário.
O casamento se desfez na
época em que Marina ajudou
Chico Mendes a fundar a CUT
(Central Única dos Trabalhadores), em 1984. Comandava
sindicalistas durante greves e
enfrentamentos que renderam
a ela a inimizade dos patrões.
As denúncias de destruição
da Amazônia que Chico levava
ao exterior deixaram o grupo
numa situação difícil no Acre.
As críticas não eram muito diferentes das que ouviu como
ministra, algumas vezes do
próprio presidente Lula. Certa
vez ele sugeriu que a área ambiental do governo se preocupava mais com a preservação
de "bagrinhos" do que com a
necessidade de construir hidrelétricas no rio Madeira.
Em 1985, Marina entrou no
PT. Sua estreia nas urnas aconteceu um ano depois, quando
concorreu a deputada constituinte, enquanto Chico Mendes tentava chegar à Assembleia Legislativa do Acre. O partido não atingiu quociente para
elegê-los, mas ela foi a quinta
mais votada. "Ninguém achava
que ela fosse se eleger, queríamos era puxar voto para o Chico. Mas ela foi a surpresa das
eleições", lembra o amigo e ex-governador Jorge Viana.
A ascensão meteórica fez dela a primeira vereadora de esquerda de Rio Branco, em 1988.
Dois anos depois, foi a deputada estadual mais votada. Em
1991, novamente se afastou para tratar da saúde. Viajou a São
Paulo, onde contou com o
apoio de Genoino e Lula.
Passou cerca de um ano na
casa da sogra em Santos, no litoral paulista. A essa altura, já
casada com o atual marido, Fábio Vaz de Lima, estava grávida
de Mayara, filha mais nova da
união -também tivera Moara.
Precisou esperar o nascimento para começar a se tratar.
A sensação, diz ela, era a de
quem chupasse moedas. A contaminação por metais pesados
era a fatura que pagava pelos
tratamentos de leishmaniose,
três hepatites e cinco malárias.
Aos 36 anos, em 1994, foi
eleita a mais jovem senadora da
República. Em seu primeiro
mandato, concentrou a atuação
em temas ambientais e indígenas. Mesmo na oposição, mantinha boa relação com o então
presidente tucano Fernando
Henrique Cardoso. Tanto que,
mais tarde, ao assumir a pasta
ambiental, avisou que não iria
"desconsiderar" avanços e experiências do antecessor.
Retorno à fé
Sua saúde voltou a piorar.
Voltou a São Paulo, foi ao Chile
e aos Estados Unidos em busca
de tratamento. O sofrimento
acabou levando-a de volta à religião. "Fiz um acerto de contas
comigo mesma e retomei a minha fé", diz ela. Mais tarde, trocou o catolicismo pela Assembleia de Deus, na qual foi batizada em 1997. Marina diz que a
mudança foi fruto de "um toque do espírito".
Para ela, a fé a ajudou a superar os problemas de saúde. Hoje, Marina segue uma estrita
dieta, que exclui carne vermelha, laticínios e até café. Tem
alergia a pó, carpetes e cheiro
de tinta. Faz jejum pela manhã,
quando reserva um momento
para as leituras bíblicas.
A convicção religiosa já lhe
rendeu a pecha de intransigente por ser contra pesquisas com
células-tronco provindas de
embriões e contra a descriminalização do aborto.
Curiosamente, alia a fé ao interesse por psicanálise -fez
pós-graduação na área. Considera Freud "um dos monstros
sagrados do pensamento ocidental". Para ela, religião e psicanálise têm "pontos de contato". "Não acho que essa visão
possa desconstruir a fé, nem
acho que a fé deva ter a pretensão de querer desconstruí-la."
Em 2002, com a eleição do
amigo Lula, Marina, novamente senadora, era o nome natural
para a pasta do Meio Ambiente.
Um manifesto de apoio foi
subscrito por 160 ONGs da área
e entregue ao presidente eleito.
Seu nome foi anunciado por Lula em Washington.
Quando estava no ministério, seu marido assumiu como assessor no gabinete do suplente no Senado, Sibá Machado.
Problemas no governo
De um começo pomposo na
pasta, seu primeiro cargo executivo, Marina viu seu poder
minguar nos cinco anos e meio
que se seguiram. O primeiro
embate que quase a fez deixar o
ministério foi a decisão do governo de liberar o plantio de
transgênicos. Radicalmente
contra, chorou em público.
Depois vieram a transposição do rio São Francisco e as hidrelétricas. O discurso que pregava à exaustão, o da "transversalidade nas ações do governo",
parecia não funcionar.
Cultivou opositores internos
e sofreu boicotes. Para os críticos, sempre que tinha um embate no governo, ela se refugiava no "mito Marina". Usava o
capital adquirido com o amigo
Lula para tentar vencer as batalhas internas. Não funcionou.
Ela também foi criticada por
dar excessiva atenção a questões amazônicas e não dimensionar corretamente, no primeiro ano, a importância de
uma reestruturação do licenciamento ambiental. Marina
rebate -e cita o próprio Lula.
"Eu aprendi com ele que,
quando você tem cinco telhas
numa casa, você coloca no
quarto das crianças. Naquele
momento, o que estava sendo
colocado como um desafio era
diminuir o desmatamento."
A diminuição nos índices de
desmatamento foi sua principal vitória. Segundo Marina,
somente ela, vinda da floresta,
poderia mexer nas questões
amazônicas. "Duvido muito
que alguém tivesse estatura pra
propor acabar com a Secretaria
da Amazônia, que era um ministério dentro do ministério.
Eu a descriei e propus que a
Amazônia fosse uma política
transversal", diz em seu discurso característico.
Com Lula reeleito, Marina
quase não foi reconduzida. O
amigo Jorge Viana chegou a ser
convidado três vezes para substituí-la. Pressionada pelo PAC
(Programa de Aceleração do
Crescimento) e a urgência de
obras de infraestrutura, manteve suas posições e viu seu isolamento no governo aumentar.
Deixou a pasta sob o lamento
das organizações ambientalistas. "Perco a cabeça mas não o
juízo", disse à época.
"Meu sonho", diz ela, "era ver
o governo apostar na visão de
desenvolvimento sustentável como uma política transversal.
Mas não foi possível".
Do PT ao PV
Sua volta ao Senado deu início a um inevitável assédio de
outros partidos e a novas costuras políticas. A decisão de sair
do PT, depois de quase 30 anos,
foi tomada em agosto de 2009.
Jorge Viana a resumiu como "um baita problema".
A filiação ao PV já estava engatilhada e foi formalizada dias
depois de ela ter deixado o PT.
Marina crê que sua pré-candidatura pressionou as demais a
dar mais ênfase à questão ambiental. "O tema passou a fazer
parte da agenda política dos
partidos, que anteriormente
não o estavam colocando com
esse nível de importância."
A pré-candidata do PV surpreendeu muitos ao encontrar
alianças no meio empresarial
-como seu provável vice, Guilherme Leal, da Natura- e formular um programa que também dá ênfase a questões como
reforma tributária e do Estado.
Colaborou MARCOS AUGUSTO GONÇALVES,
editor de Opinião
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