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RÉPLICA
Com todo o respeito, Danuza!
MARCIA CAMARGOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A carga de preconceito patente no artigo de Danuza
Leão ontem neste jornal, ao criticar o arraial caipira promovido
pelo presidente da República,
estarrece quem se preocupa com
a preservação da cultura e da
identidade nacional. Por que a
idéia de celebrar as bodas de pérola com uma festa autenticamente brasileira, comemorada
de Norte a Sul no país inteiro,
não é apropriada?
Qual o problema de o primeiro
casal promover um tipo de confraternização realizada em cada
escola, praça e rua, por pobres e
ricos, nas capitais e no interior
durante o mês de junho? Que
outro "regionalismo bacana"
eles poderiam ter encenado, já
que esta é a época, por excelência, das fogueiras de São João? E
por que seria um mico usar trajes típicos e pendurar bandeirinhas, se são esses os ingredientes
que tornam a festa mais saborosa?
Quando a colunista resolve citar Jeca Tatu para personificar
um "Brasil que lembramos com
carinho, mas que não é a imagem a ser exportada", a emenda
sai pior do que o soneto. Criado
por Monteiro Lobato em 1914, o
personagem, retrato da indolência e do atraso, nasceu do descontentamento do fazendeiro
frente aos insucessos agrícolas
no solo esgotado da sua fazenda
no Vale do Paraíba. Quatro anos
mais tarde, o escritor descobre
que a apatia do caboclo advinha
do subdesenvolvimento, da fome e da exclusão social. "Está
provado que tens no sangue e
nas tripas um jardim zoológico
da pior espécie", afirma então.
"É essa bicharia cruel que te faz
papudo, feio, molenga, inerte."
Na década de 40, outra guinada,
e Lobato passa a ver o camponês
como agente da própria história.
O velho Jeca Tatu virava Zé Brasil, um trabalhador rural em luta
por terra, saúde e educação.
Por tudo isso, Danuza confunde "chique" com moderno. Participar de um "arraial" pode não
ser o supra-sumo da sofisticação
para quem se espelha em "Maiami". Mas revela sintonia com
nossa cultura popular e com
gostosos folguedos tradicionais
que resistem aos bombardeios
"roliudianos". Para a colunista,
chique deve ser comemorar
"Ralouim" fantasiado de abóbora, alimentando a eterna submissão que tão bem define os
colonizados.
Além do desserviço à nossa
cultura, considerando "brega"
um evento vivo do folclore, ela
ainda se arvora em porta-voz da
nação. Expressar uma opinião
particular, ainda que ultrapassada e esnobe, pode ser aceitável
no caso de uma colunista. Mas
dizer que "sempre se soube que
a saudade de Fernando Henrique ia ser grande" é generalizar
sentimentos personalíssimos.
Quanto a mim, prefiro um
presidente "caipira", um homem que não se envergonha de
suas raízes nem das tradições do
seu povo, do que, com a licença
do macaco Simão, uma Maria
Antonieta dançando minueto
no Planalto.
Caia na real, Danuza! Não estamos na Sorbonne, e isso aqui
não é a corte de Luís 15. Ainda
bem.
Marcia Camargos é jornalista, doutora em História Social pela USP e co-autora de "Monteiro Lobato: Furacão na
Botocúndia" (Senac/1997).
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