São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2008

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Governo subestima número de invasões, mostra estudo

Em oito anos, balanços oficiais divulgaram menos da metade dos conflitos no campo

Geógrafo da Unesp cruzou dados da ouvidoria agrária, da CPT e de universidades e obteve lista detalhada das ações; União não comenta

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O número de invasões de terra anunciado em balanços do governo federal nos últimos oito anos está 55% abaixo da realidade de conflitos do campo.
Entre 2000 e 2007, ocorreram no país ao menos 4.008 invasões, contra as 1.827 divulgadas pela Ouvidoria Agrária Nacional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Em 2007, por exemplo, o balanço oficial apontou 298 ações dos sem-terra, ante as 533 registradas no recém-concluído trabalho de uma das principais autoridades da questão agrária no país, o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes.
Para chegar a esses números, Fernandes e sua equipe de alunos da Unesp (Universidade Estadual Paulista) cruzaram as áreas invadidas que aparecem nas listas da ouvidoria, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e de três universidades.
Dessa confrontação, obtida pela Folha, surgiu uma nova lista, com cada uma das ações identificada com o nome da fazenda invadida, o município, o número de famílias envolvidas, o movimento que liderou a ação e a data da entrada dos sem-terra na propriedade.
Fernandes teve acesso a dados detalhados da ouvidoria agrária. Ele obteve a lista que contém, uma a uma, todas ações registradas pelo órgão e que sustentam os balanços oficiais -que trazem só o número total de invasões.
O trabalho revela a ineficácia nos levantamentos da Pastoral da Terra, que faz isso desde os anos 80. Segundo o cruzamento feito por Fernandes, entre 2000 e 2007 o braço agrário da Igreja Católica deixou de incluir 1.171 ações em seus balanços. A CPT registrou 2.837 invasões nesse intervalo, 29% abaixo das 4.008 apontadas no trabalho da Unesp.
"Os dados da CPT e da ouvidoria não correspondem à realidade, mas correspondem à realidade possível. A confrontação permitiu perceber que essa realidade é maior ainda", afirma o professor Fernandes. Segundo ele, não há "conspiração" nem "interesse" na divulgação de dados maiores ou menores nos balanços divulgados até hoje por CPT e ouvidoria.
A discrepância dos dados fica clara em 2004, ano do primeiro "Abril Vermelho". Ao final daquele ano, a ouvidoria anunciou 326 invasões, contra 496 da CPT. Agora, após a confrontação dos dados, a Unesp fala em 703 ações identificadas.
A Folha apurou que tanto a CPT como a ouvidoria agrária trabalham para unificar seus dados, com auxílio da Unesp, antes de soltar novos balanços. Os últimos dados divulgados pela ouvidoria são de março.
"A CPT sempre disse que, de fato, não consegue cobrir toda a realidade", afirma Antonio Canuto, secretário da coordenação nacional da CPT. "A gente diz que isso [balanços] é uma ponta do que se conhece."
Procurado pela reportagem, o ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, não se manifestou.
Maria de Oliveira, que durante cinco anos atuou como ouvidora agrária nacional substituta, admite que o órgão não consegue levantar a realidade nacional das invasões. "A ouvidoria é confiável naqueles dados que conseguiu buscar, que obteve comprovação. Mas isso não representa que a gente tenha 100% das informações."
Segundo o estudo, de 1988 a 2007, foram 7.562 invasões no país, uma média de 378 por ano e pouco mais de uma por dia.


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