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ELIO GASPARI
Lula tinha razão, e o polonês foi servil
Desde ontem, todo brasileiro com mais de 16 anos e
menos de 60 que solicite seu primeiro visto de entrada nos Estados Unidos terá que se apresentar pessoalmente ao consulado
em São Paulo, Rio e Recife, ou à
embaixada em Brasília. Se ele
mora em Porto Alegre, que vá a
São Paulo. Se mora em Xapuri,
no Acre, toque-se para Brasília.
A exigência vale para quem vai
à Disney ou a um jantar em homenagem a Bill Gates. (As pessoas que já receberam um visto e, se ele expirou há menos de um
ano, não precisam de entrevista.)
A exigência, capaz de ferir a
indústria de turismo americana
e de ofender as pessoas que
acham alguma graça naquele
país, é o produto de uma sociedade ferida, transformada em
império arrogante por um presidente néscio.
Lula disse em Londres que "os
EUA pensam primeiro neles, segundo neles, terceiro neles e, se
sobrar tempo, pensam neles outra vez". Lida com atenção, não
quer dizer nada ou, pelo menos,
nada de novo. Apesar disso, o
presidente polonês, Alexander
Kwasniewski, numa atitude servil e grosseira, resolveu repreendê-lo. Ouve-se um europeu com o nome cheio de consoantes e
acredita-se que o torneiro bissílabo de São Bernardo fez mais
uma. Pois o ex-ministro da Juventude da ditadura militar comunista polonesa estava apenas
fazendo figura. Enquanto Lula
fez carreira na oposição à ditadura e fundou um partido de
trabalhadores, Kwasniewski foi
um militante do partido comunista.
Deu-se até bem: foi ministro
aos 30 anos. Ele teve um Lula
em sua vida, chamava-se Lech
Walesa, a quem derrotou-o na
eleição presidencial de 1995.
A exigência americana para a
concessão de vistos não é exclusiva para o Brasil. Vale para
quase todo o mundo, inclusive a
Polônia.
Há na medida uma mistura
de insegurança com prepotência. Os americanos sabem que
lhes faltou a solidariedade do
mundo no 11 de setembro. Sabem que lhes faltou o apoio da
maioria das nações quando decidiram transformar o Iraque
num protetorado. Estão fazendo o que acham melhor para
eles e, nesse sentido, Lula esteve
mais do que certo. É do direito
dos americanos fazer o que é
melhor para eles. ("O negócio
dos Estados Unidos são os negócios", ensinou o presidente Calvin Coolidge, candidato a patrono da Alca.)
Se os americanos defendem os
seus interesses fazendo com que
o sujeito vá de Xapuri a Brasília
para conseguir um visto, cabe
aos brasileiros defender os deles.
Um bom tema para discussão:
habitualmente, sempre que
uma nação cria embaraços consulares, o Itamaraty cria as mesmas barreiras nos seus consulados naquele país. À primeira
vista, é o caso de dar esse tratamento de reciprocidade. Talvez
não. Talvez seja o caso de mostrar que o Brasil não tem medo
dos americanos que querem vir
para cá.
Além do medo dos terroristas,
os americanos temem um aumento do número de brasileiros
que vão para lá em busca de trabalho, sem vistos. É provável
que haja mais de 1 milhão de
brasileiros nos EUA. São gente
laboriosa, abatida pela estagnação econômica da qual Lula se
fez condômino. Estão atrás do
que os Estados Unidos têm de
melhor.
Uma curiosidade para o doutor Kwasniewski e seus seguidores: Só uma vez em toda sua história ocorreu uma emigração
em massa de americanos. Entre
1865 e 1875, pelo menos 154 famílias de sulistas inconformados com a derrota na Guerra Civil, vieram para o Brasil. Estima-se que possam ter sido até
4.000 pessoas. Estavam atrás do
que o Brasil tinha de pior, escravidão.
Tinham se esquecido do grande lema da república americana
e, quem sabe, da brasileira: É
melhor errar ao lado do seu país
do que acertar contra ele.
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