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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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ELIO GASPARI

Lula tinha razão, e o polonês foi servil

Desde ontem, todo brasileiro com mais de 16 anos e menos de 60 que solicite seu primeiro visto de entrada nos Estados Unidos terá que se apresentar pessoalmente ao consulado em São Paulo, Rio e Recife, ou à embaixada em Brasília. Se ele mora em Porto Alegre, que vá a São Paulo. Se mora em Xapuri, no Acre, toque-se para Brasília. A exigência vale para quem vai à Disney ou a um jantar em homenagem a Bill Gates. (As pessoas que já receberam um visto e, se ele expirou há menos de um ano, não precisam de entrevista.)
A exigência, capaz de ferir a indústria de turismo americana e de ofender as pessoas que acham alguma graça naquele país, é o produto de uma sociedade ferida, transformada em império arrogante por um presidente néscio.
Lula disse em Londres que "os EUA pensam primeiro neles, segundo neles, terceiro neles e, se sobrar tempo, pensam neles outra vez". Lida com atenção, não quer dizer nada ou, pelo menos, nada de novo. Apesar disso, o presidente polonês, Alexander Kwasniewski, numa atitude servil e grosseira, resolveu repreendê-lo. Ouve-se um europeu com o nome cheio de consoantes e acredita-se que o torneiro bissílabo de São Bernardo fez mais uma. Pois o ex-ministro da Juventude da ditadura militar comunista polonesa estava apenas fazendo figura. Enquanto Lula fez carreira na oposição à ditadura e fundou um partido de trabalhadores, Kwasniewski foi um militante do partido comunista.
Deu-se até bem: foi ministro aos 30 anos. Ele teve um Lula em sua vida, chamava-se Lech Walesa, a quem derrotou-o na eleição presidencial de 1995.
A exigência americana para a concessão de vistos não é exclusiva para o Brasil. Vale para quase todo o mundo, inclusive a Polônia.
Há na medida uma mistura de insegurança com prepotência. Os americanos sabem que lhes faltou a solidariedade do mundo no 11 de setembro. Sabem que lhes faltou o apoio da maioria das nações quando decidiram transformar o Iraque num protetorado. Estão fazendo o que acham melhor para eles e, nesse sentido, Lula esteve mais do que certo. É do direito dos americanos fazer o que é melhor para eles. ("O negócio dos Estados Unidos são os negócios", ensinou o presidente Calvin Coolidge, candidato a patrono da Alca.)
Se os americanos defendem os seus interesses fazendo com que o sujeito vá de Xapuri a Brasília para conseguir um visto, cabe aos brasileiros defender os deles. Um bom tema para discussão: habitualmente, sempre que uma nação cria embaraços consulares, o Itamaraty cria as mesmas barreiras nos seus consulados naquele país. À primeira vista, é o caso de dar esse tratamento de reciprocidade. Talvez não. Talvez seja o caso de mostrar que o Brasil não tem medo dos americanos que querem vir para cá.
Além do medo dos terroristas, os americanos temem um aumento do número de brasileiros que vão para lá em busca de trabalho, sem vistos. É provável que haja mais de 1 milhão de brasileiros nos EUA. São gente laboriosa, abatida pela estagnação econômica da qual Lula se fez condômino. Estão atrás do que os Estados Unidos têm de melhor.
Uma curiosidade para o doutor Kwasniewski e seus seguidores: Só uma vez em toda sua história ocorreu uma emigração em massa de americanos. Entre 1865 e 1875, pelo menos 154 famílias de sulistas inconformados com a derrota na Guerra Civil, vieram para o Brasil. Estima-se que possam ter sido até 4.000 pessoas. Estavam atrás do que o Brasil tinha de pior, escravidão.
Tinham se esquecido do grande lema da república americana e, quem sabe, da brasileira: É melhor errar ao lado do seu país do que acertar contra ele.


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