São Paulo, sexta-feira, 16 de agosto de 2002

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Para estrangeiros, Mangabeira prevê superávit maior que 3,75%

DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto o candidato do PPS à Presidência, Ciro Gomes, tem declarado publicamente que não será "domesticado" pelo mercado, o filósofo Roberto Mangabeira Unger, um de seus assessores econômicos, já admite que provavelmente será necessário elevar o superávit primário brasileiro para além dos atuais 3,75%.
A elevação no índice é uma possibilidade que agradaria ao mercado e ao próprio FMI (Fundo Monetário Internacional), que costuma ter na austeridade fiscal uma das mais comuns exigências para a renovação de seus acordos de socorro financeiro.
"Acima de tudo, estamos comprometidos com a persistência do sacrifício fiscal. Provavelmente teremos de ir além daquele número [superávit primário de 3,75%]. Mas estamos relutantes em nos comprometer com um número específico sem saber a situação financeira e política que um governo Ciro Gomes encontraria em janeiro", disse Mangabeira, durante teleconferência promovida pela corretora Merrill Lynch, na última terça-feira, para analistas americanos e europeus.
A previsão contrasta com as declarações de Ciro, que tem insistido na necessidade de crescimento da economia em praticamente todos os seus discursos.
Isso porque aumentos de superávit tendem a conter o crescimento econômico, a não ser que sejam acompanhados de significativas reduções na taxa de juros, um cenário a curto prazo pouco provável para o Brasil.
"Devo insistir que o que digo nesta conferência é exatamente o que estamos dizendo no Brasil", afirmou Mangabeira pouco antes de iniciar sua exposição, com duração aproximada de 45 minutos.
Descrevendo Ciro como um político que parece preocupar "mais por suas palavras do que por seus atos", o filósofo e coordenador do programa de governo do candidato do PPS pontuou sua fala com a expressão ""sacrifício fiscal".
Chegou a comparar o projeto de Ciro ao desenvolvido pelo presidente americano Franklin Delano Roosevelt, que implementou no país o "New Deal", programa de reconstrução dos Estados Unidos após a depressão de 1929.

Tasso
Insistiu ainda no comprometimento do presidenciável com a estabilidade monetária e com o respeito aos contratos.
Padrinho político de Ciro, o ex-governador tucano Tasso Jereissatti foi citado duas vezes durante a conversa. Em uma delas, como alguém que ocupará um papel central no governo do candidato do PPS e um bom indicativo do que será a administração caso seu candidato seja eleito.
Desafeto de José Serra (PSDB), Tasso tem dado repetidas demonstrações de descontentamento com a candidatura do ex-ministro, hoje em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto.
Questionado sobre o novo acordo do país com o FMI, Mangabeira reiterou o apoio de Ciro à iniciativa, mas procurou deixar claro que o empréstimo significa uma "falha" na política do governo.
Afirmando que o entendimento com o fundo era "indispensável" para o país, declarou ainda que a equipe de Ciro não apresenta objeções a nenhum dos termos condicionantes contidos no acordo.
"Relutamos apenas em participar desse clima de euforia por uma simples razão: o que nos estão oferecendo é um empréstimo, e não um presente", completou.
Na avaliação de Mangabeira, o empréstimo deve ser visto como algo que dá ao país tempo para resolver seus problemas, mas que não os resolve por si só.

Tensão
As perguntas feitas pelos participantes da conversa deixaram evidente o clima de tensão que a subida de Ciro nas pesquisas tem causado no mercado.
Um dos interlocutores de Mangabeira chegou a dizer que o programa do presidenciável já foi descrito como um "desastre". Cobram dele ainda um posicionamento mais claro a respeito do acordo com o FMI.
Diante da preocupação demonstrada pelos analistas, o filósofo argumentou que não há recurso legal no país que permita aos candidatos assinar um documento ratificando a decisão da atual equipe econômica. Mas afirmou que manifestações públicas de apreço pelo entendimento teriam o mesmo valor simbólico. ""E Ciro já fez isso", completou.
Citou ainda o encontro da próxima segunda-feira entre o presidente Fernando Henrique Cardoso e os principais candidatos ao Planalto como sintoma do entendimento que há hoje no país e negou qualquer possibilidade de controle sobre o capital, hipótese levantada por um de seus ouvintes. "Isso seria um desastre que queremos evitar."
Na tentativa de imprimir credibilidade a seu discurso, o filósofo afirmou também estar em contato permanente com o governo federal e com o Banco Central.
(PATRICIA ZORZAN, ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA e JULIA DUAILIBI)



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