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entrevista 1
Especialista diz que não há provas de ação concreta
DE CARACAS
Especialista em relações
internacionais, o pesquisador Matias Spektor lançou
na semana passada o livro
"Kissinger e o Brasil", que
tem um capítulo dedicado à
visita de Emílio Médici a
Washington, em 1971.
Nesta entrevista, Spektor,
que é do Centro de Pesquisa
e Documentação de História
Contemporânea do Brasil
(CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, analisa a importância dos documentos recém-liberados:
(FM)
FOLHA - Quais são as principais
revelações desses documentos?
MATIAS SPEKTOR - O material é
fascinante porque revela
quatro dinâmicas principais.
Primeiro, mostra o escopo e
a ambição das atividades
clandestinas da ditadura
brasileira e do governo Nixon na América do Sul.
Segundo, revela quão séria
era a expectativa americana
de que o Brasil assumisse um
papel de liderança na cruzada anticomunista. Terceiro,
apesar das confidências trocadas, havia arraigadas suspeitas do lado brasileiro: Médici temia que os Estados
Unidos normalizassem relações com Cuba sem avisar o
Brasil previamente.
Por fim, os documentos
mostram que Médici buscou
apoio americano na disputa
com a Argentina a respeito
da construção da usina de
Itaipu.
FOLHA - Os presidentes falam
sobre intervenção em Cuba e no
Chile. Ações concretas podem ser
atribuídas a essa conversa?
SPEKTOR - Tanto o Brasil
quanto os Estados Unidos
conduziam atividades anticomunistas clandestinas na
América do Sul. Temos documentos que revelam a extensão da participação brasileira no Uruguai e na Bolívia
no início da década de 1970.
Há indícios de que a embaixada brasileira em Santiago,
no Chile, também tinha uma
política ativa anti-Allende.
Esses documentos revelam a
intensidade da troca de informações entre Estados
Unidos e Brasil a esse respeito. Mas não indicam uma
atuação conjunta, uma divisão de tarefas, nem um programa anticomunista ativo
entre os dois países.
FOLHA - O tema dos direitos humanos não é mencionado na conversa, apesar dos protestos contra o Brasil. Não era um preocupação americana na época?
SPEKTOR - Não para o governo Nixon. Os direitos humanos somente passam a ser
um vetor forte na diplomacia
americana em 1973. Para Nixon e sua geração, assegurar
que a modernização de países em desenvolvimento fosse conservadora (e não tendesse ao socialismo) era mais
importante que a preservação da vida ou dos direitos
básicos dos cidadãos.
FOLHA - Na conversa, aparece o
interesse em que Médici faça o
"jogo sujo" na América do Sul, como define o general Dale Coutinho. É possível fazer um paralelo
com a estratégia de Bush e agora
de Obama com relação a Lula?
SPEKTOR - O contexto daquela época era muito diferente.
Mas um tema comum é a expectativa americana de que o
Brasil seja um parceiro ativo
na gestão da ordem regional
sul-americana. A resposta
brasileira sempre foi relutante. A percepção em Brasília é a de que uma parceria
com os americanos traria
mais custo do que benefício.
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