São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009

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entrevista 1

Especialista diz que não há provas de ação concreta

DE CARACAS

Especialista em relações internacionais, o pesquisador Matias Spektor lançou na semana passada o livro "Kissinger e o Brasil", que tem um capítulo dedicado à visita de Emílio Médici a Washington, em 1971. Nesta entrevista, Spektor, que é do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas, analisa a importância dos documentos recém-liberados: (FM)

 

FOLHA - Quais são as principais revelações desses documentos?
MATIAS SPEKTOR
- O material é fascinante porque revela quatro dinâmicas principais. Primeiro, mostra o escopo e a ambição das atividades clandestinas da ditadura brasileira e do governo Nixon na América do Sul. Segundo, revela quão séria era a expectativa americana de que o Brasil assumisse um papel de liderança na cruzada anticomunista. Terceiro, apesar das confidências trocadas, havia arraigadas suspeitas do lado brasileiro: Médici temia que os Estados Unidos normalizassem relações com Cuba sem avisar o Brasil previamente. Por fim, os documentos mostram que Médici buscou apoio americano na disputa com a Argentina a respeito da construção da usina de Itaipu.

FOLHA - Os presidentes falam sobre intervenção em Cuba e no Chile. Ações concretas podem ser atribuídas a essa conversa?
SPEKTOR
- Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos conduziam atividades anticomunistas clandestinas na América do Sul. Temos documentos que revelam a extensão da participação brasileira no Uruguai e na Bolívia no início da década de 1970. Há indícios de que a embaixada brasileira em Santiago, no Chile, também tinha uma política ativa anti-Allende. Esses documentos revelam a intensidade da troca de informações entre Estados Unidos e Brasil a esse respeito. Mas não indicam uma atuação conjunta, uma divisão de tarefas, nem um programa anticomunista ativo entre os dois países.

FOLHA - O tema dos direitos humanos não é mencionado na conversa, apesar dos protestos contra o Brasil. Não era um preocupação americana na época?
SPEKTOR
- Não para o governo Nixon. Os direitos humanos somente passam a ser um vetor forte na diplomacia americana em 1973. Para Nixon e sua geração, assegurar que a modernização de países em desenvolvimento fosse conservadora (e não tendesse ao socialismo) era mais importante que a preservação da vida ou dos direitos básicos dos cidadãos.

FOLHA - Na conversa, aparece o interesse em que Médici faça o "jogo sujo" na América do Sul, como define o general Dale Coutinho. É possível fazer um paralelo com a estratégia de Bush e agora de Obama com relação a Lula?
SPEKTOR
- O contexto daquela época era muito diferente. Mas um tema comum é a expectativa americana de que o Brasil seja um parceiro ativo na gestão da ordem regional sul-americana. A resposta brasileira sempre foi relutante. A percepção em Brasília é a de que uma parceria com os americanos traria mais custo do que benefício.


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