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CAMPANHA
João Pedro Stedile afirma que petista está hoje no centro e que alianças feriram a "tradição e coerência" do partido
Discurso de Lula não é de esquerda, diz MST
PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Os discursos dos candidatos a
presidente andam tão próximos
que nem um tradicional aliado de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reconhece mais as diferenças entre
as suas propostas e, por exemplo,
as do tucano José Serra.
O economista João Pedro Stedile, 48, um dos dirigentes nacionais
e o principal ideólogo do MST
(Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra), aceitou convite da Folha para tentar associar
propostas dos candidatos para a
reforma agrária a seus autores.
Por ironia, atribuiu ao presidenciável José Serra -candidato do
governo ao qual tem combatido
há oito anos- trecho do programa de Lula- a quem apóia desde
a campanha de 1989.
Talvez não tenha sido mero acidente causado por uma pegadinha jornalística. Lula, o próprio
admite, não é mais o mesmo, e
Stedile não tem gostado de seu
novo discurso. "Evidentemente
que não é um discurso de defesa
de um programa de esquerda ou
das necessárias mudanças radicais de que nossa sociedade precisa. É um discurso de centro, no espectro ideológico", afirma.
Para um movimento que prega
a radicalidade, "discurso de centro" é quase palavrão. O líder dos
sem-terra assiste inquieto a aproximação de Lula a políticos como
os peemedebistas José Sarney e
Orestes Quércia e com o liberal
José Alencar. "Esse tipo de aliança
feriu a tradição de esquerda e a
coerência do partido", critica.
Stedile continua a ser um defensor do não-pagamento da dívida
externa e da dívida interna, mas
também mudou. Incluiu nas aulas da militância do MST textos
do deputado federal Antonio Delfim Netto (PPB), ex-czar da economia no regime militar, a quem
elogia por fazer, "melhor que os
economistas do PT", análises agudas da política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso. "Veja a quem ponto chegamos: a esquerda tem que usar os
economistas de direita para fazer
uma crítica contundente ao modelo." A seguir, trechos da entrevista que concedeu à Folha, por
meio de correio eletrônico.
Folha - Os discursos dos candidatos estão cada vez mais parecidos,
inclusive na questão da reforma
agrária. Há uma proposta melhor
ou pior para a questão da terra?
João Pedro Stedile - De fato, a diferença entre eles é muito pequena. E as semelhanças se devem ao
fato de que o clima da campanha
não levou a um debate das verdadeiras causas dos problemas brasileiros. Assim, na reforma agraria, todos preferiram apontar soluções paliativas para a pobreza,
sem enfrentar com clareza que a
sociedade brasileira, para ser democrática, precisa eliminar o latifúndio, ou seja, a concentração da
propriedade da terra.
Folha - A inclusão da reforma
agrária na agenda eleitoral é fruto
dos movimentos sociais ou a uma
ação exclusiva de marketing?
Stedile - Nossa preocupação não
é com o discurso dos candidatos.
É com as forças sociais que cada
um representa. É evidente que o
Serra representa a continuidade
desse modelo perverso que está
aí. O Ciro, forças que querem pequenas mudanças e no essencial
manter igual. O Garotinho não
conseguiu articular em torno de si
forças sociais representativas. O
único candidato que representa
as força sociais que querem mudanças reais neste país é o Lula.
Folha - Como o sr. avalia o atual
discurso moderado de Lula?
Stedile - O Lula está fazendo um
discurso dentro dos paramentos
de uma campanha eleitoral. Evidentemente que não é um discurso de defesa de um programa de
esquerda ou das necessárias mudanças radicais que nossa sociedade precisa. É um discurso de
centro, no espectro ideológico.
Mas, como disse antes, o mais importante não é o discurso. O mais
importante são as forças sociais
que se aglutinam em torno deste
ou daquele candidato. E a candidatura Lula tem o símbolo da mudança. Vou votar no Lula e, embora não haja deliberações de
congressos ou instâncias, toda
nossa militância social, tanto do
MST, como dos demais movimentos da Via Campesina, está
engajada na campanha de Lula.
Folha - O que o sr. achou das
alianças do PT com o PL e com políticos como José Sarney, Orestes
Quércia, Luiz Antônio de Medeiros?
Stedile - Isso é uma questão eleitoral do PT. Nós do MST já temos
problemas suficientes para nos
envolvermos nos problemas dos
outros, embora, como militante, a
gente saiba que esse tipo de aliança feriu a tradição de esquerda e a
coerência do partido. Certamente
ela terá consequências positivas e
negativas. Mas só a história dirá
qual foi vitoriosa.
Folha - Por que o MST não está fazendo campanha aberta para o Lula? Houve a negociação de um pacto para suspender as invasões para
não prejudicar o petista?
Stedile - A cada dois anos, no período eleitoral, todas as lutas sociais se arrefecem. Não só no campo, mas na cidade também. A diminuição de ocupações de terra
nesse período não é típico de 2002
nem de qualquer acordo. E ocupações de terra não acontecem
por vontades de dirigentes. Acontecem pela conjuntura e correlação de forças de cada local.
Folha - Lula já deu a seguinte declaração: "Se o companheiro João
Pedro Stedile repetir na campanha
de 2002 o que disse em 1998, não
estará me ajudando. Ele disse: "Se o
companheiro Lula ganhar as eleições, não estarei na posse dele,
porque estarei ocupando todas as
terras do Brasil". Ele não ajudou."
Onde o senhor vai estar no dia 1º de
janeiro, se Lula ganhar as eleições?
Stedile - Essa expressão que usei
não foi no sentido de bravata ou
de desafiar um futuro governo
Lula. Foi no sentido pedagógico
de defender e esclarecer para nossa militância e todo povo sofrido
que não basta eleger um novo governo. É necessário que o povo se
organize e lute por mudança sociais. Nenhum governo, vai fazer
mudanças sociais apenas por
vontade própria.
Folha - Em junho, o PT aprovou
documento do qual constava o objetivo de assentar 500 mil famílias
em quatro anos. Para evitar polêmica, retirou a menção. Em 94, a
promessa de Lula era assentar 800
mil famílias. Em 1998, 1 milhão. Como o sr. vê esse recuo?
Stedile - Isso não é recuo. Isso
são apenas formas diferenciadas
de quantificar ou não metas no
programa. De novo, para nós,
pouco importa o que está escrito
nos programas. No Brasil, programas eleitorais são meros exercícios de retórica política.
Folha - Se a eleição fosse hoje, Lula venceria. O sr. reafirmaria o seguinte recado que mandou em um
seminário internacional aos investidores estrangeiros: "Não venham
para o Brasil, porque vocês vão perder dinheiro. Mais cedo ou mais
tarde, vamos recuperar a soberania nacional"?
Stedile - Isso não é um recado, é
uma tese. O Brasil deve ter um governo que repudie a entrada de
capital estrangeiro especulativo e
que vem aqui apenas comprar
nossas empresas (para pegar o lucro), aplicar na Bolsa e viver de juros. Devemos aceitar o capital estrangeiro quando vier aqui aplicar na produção e se comprometer a reaplicar o lucro no Brasil.
Que os capitais especulativos vão
perder dinheiro eles sabem pela
lógica do mercado. Não precisam
ser ameaçados por mim.
Folha - O sr. disse a seguinte frase: "Para ser justo, as críticas do
Delfim nos ajudam mais do que o
próprio PT tem ajudado". O sr. poderia explicá-la?
Stedile - O que disse foi que ultimamente o economista Delfim
Netto estava sendo mais crítico do
modelo agrícola e seus efeitos perversos para a sociedade brasileira
do que alguns economistas do PT.
E continuo com a mesma opinião.
O último ensaio que o professor
Delfim Netto fez sobre o modelo
econômico de FHC é uma análise
contundente, com uma impressionante clareza. Estamos usando
esse texto como estudo na nossa
militância para entender por que
o modelo econômico implantado
pelo governo FHC está falido. Ele
prova, com números e análises,
como o governo subserviente de
FHC colocou a economia brasileira em um beco sem saída. A vulnerabilidade externa nos obriga
agora a enviar por exterior US$ 1
bilhão por semana. Prova como
em oito anos o Brasil virou exportador de capitais. Veja a quem
ponto chegamos: a esquerda tem
que usar os economistas de direita para fazer uma crítica contundente ao modelo. Digo isso como
economista-aprendiz.
Folha - No plebiscito de 2000, o
sr. defendeu o não-pagamento da
dívida externa e já se disse favorável à limitação do pagamento dos
juros da dívida interna. Como economista, o sr. pode explicar sua posição sobre esses temas?
Stedile - A dívida externa não é
uma questão moral: quem deve,
paga. A dívida externa é um mecanismo que o capital internacional criou para explorar os países
do Terceiro Mundo. No período
colonial, nos exploravam roubando nossos recursos naturais. No
século 20, nos exploraram vindo
aqui com suas fábricas explorar
nossa mão-de-obra.
No tocante à dívida interna, é
quase igual. O Orçamento da
União está refém dos bancos. O
governo usa US$ 140 bilhões por
ano apenas para pagar juros. É
preciso acabar com isso. Como?
Existem muitas formas. Mas é
preciso que se discuta isso. O que
todos os economistas sérios estão
dizendo é que se não resolvermos
esses dois gargalos estruturais, o
Brasil será a nova Argentina, logo
aí no primeiro semestre de 2003.
Aguardem.
Folha - O MST está na organização do plebiscito sobre a Alca. Em
que isso pode mudar a negociação?
Stedile - A Alca não é um acordo
comercial qualquer, ou bilateral,
que vai trazer benefícios aos dois
lados. A Alca é um plano estratégico das 200 maiores corporações
norte-americanas e do governo
dos EUA para tomarem conta de
nossas riquezas. É preciso dizer ao
governo norte-americano: não
queremos a Alca. E pronto.
Folha - O sr. admite que há poucos negros no MST e atribui o fato à
formação agrária brasileira. Não é
um reforço à segregação racial?
Stedile - O MST se orgulha de
ser um movimento que tem contribuído para resgatar a cidadania
e as oportunidades para os pobres
que são também negros. Mas infelizmente as elites brasileiras
condenaram historicamente a
população negra à exclusão. Primeiro foram os 400 anos de escravidão e, depois, com a Lei de Terras de 1850, evitaram que os escravos libertos se transformassem
em camponeses. E por isso a
maior parte teve que migrar das
fazendas para as cidades portuárias. Daí que temos uma pequena
parcela de população negra entre
os camponeses sem terra.
Folha - A Folha publicou uma série de reportagens sobre irregularidades apontadas pelo Ministério
Público no financiamento de cooperativas ligadas ao MST, incluindo a cobrança de pedágios. Por que
ninguém foi punido?
Stedile - A Folha se prestou ao
jogo de propaganda do governo
FHC. Os sem-terra não se mobilizam por ideologia, mobilizam-se
por necessidades sociais. Cada
vez que fizemos mobilizações nacionais, o governo FHC, em vez
de resolver os problemas, adotava
mecanismos de propaganda, de
uso dos meios de comunicação
para tentar derrotar politicamente o MST. Numa dessas mobilizações, inventou essa de pedágio, de
desvio de cooperativas. Apesar
dos inúmeros inquéritos, não tenho notícias de que algum virou
processo, porque, de fato, não
houve desvio de dinheiro público.
É claro que nossas cooperativas,
como aliás a maioria, mesmo dos
fazendeiros, sempre têm problemas administrativos. E isso se
procura corrigir.
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