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ELIO GASPARI
Há 46 senadores no lixo, mas não o Senado
"Pau de galinheiro", "soberania arrogante'? Oh, que saudades eu tenho, da minha ditadura querida
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NUMA SESSÃO secreta digna das
missas negras do Conselho
de Segurança Nacional da ditadura, o Senado absolveu Renan
Calheiros por 40 votos a 35. Seria
mais apropriado dizer que o fez por
46 a 35, pois quem se absteve sabia o
que estava fazendo. Mais: na defesa
do segredo, Renan e seu vice Tião
Viana, apoiaram-se em janízaros que
agrediram deputados. O resultado
foi produzido pelos votos do PT e do
PMDB, bem como por doutores do
PSDB e do DEM, mas o Senado recebeu, de seus próprios integrantes,
uma carga inédita de recriminações
insultuosas. Quatro exemplos:
"O Senado acabou. Seis pessoas
acanalharam seus votos" (Arthur
Virgílio, PSDB-AM).
"Soberania arrogante" (Renato
Casagrande, PSB-ES.)
"Pau de galinheiro" (Demóstenes
Torres, DEM-GO).
"Degeneração" (Tasso Jereissati,
PSDB-CE).
O Senado não acabou nem existe
soberania arrogante. Se há degeneração e se a Casa pode ser comparada
a um pau de galinheiro, o que entra
na zona de perigo não é ela, mas a ordem democrática.
A conta da votação de quarta-feira
é de cada senador e será avaliada pelos eleitores em 2010. O petista Aloizio Mercadante, por exemplo, cabalou por Renan e absteve-se. Em
2002, 10 milhões de votos levaram-no ao plenário. Talvez queira voltar.
Problema dele e de quem queira votar nele. O Senado de Daniel Krieger,
Franco Montoro e Mario Covas não
tem nada a ver com isso.
A pancadaria contra a instituição
republicana, vinda dos próprios senadores, é puro solvente oportunista. Amaldiçoam a Casa para não fulanizar as traições. Cumpriu-se a escrita do clube: enlameou-se a pessoa jurídica para proteger pessoas físicas.
Mesmo admitindo-se que todas as
acusações contra Calheiros sejam
procedentes, as diatribes que se seguiram à absolvição negaram atenção à sua defesa. Tome-se o exemplo
do discurso feito pelo senador Francisco Dornelles. Ex-ministro da Fazenda, ex-secretário da Receita Federal, ele não é um parlamentar
qualquer. Tem 25 anos de Congresso, não gosta de CPIs, foro privilegiado ou votações secretas. Dornelles
foi à tribuna e, num curto discurso,
sustentou que o único delito de que
Renan pode ser acusado está na jurisdição da Receita. Ela deveria abrir
um processo administrativo, durante o qual ele disporia de três níveis de
recurso: "Vamos imaginar a seguinte
situação: o Senado cassa o mandato
de um senador, com base no pressuposto de ter, ele, cometido um crime
contra a ordem tributária. Amanhã,
a Secretaria da Receita Federal conclui que o senador não cometeu crime. Como fica o Senado?"
O discurso de Dornelles poderia
ter moderado a catadupa de adjetivos. Afinal, trazia a "voz do outro",
coisa incômoda para quem prefere
ser ouvido sozinho. Se 35 senadores
acharam que Renan delinqüiu, outros 46, no desempenho de suas atribuições, entenderam que um congressista mantém-se nos limites do
decoro quando sustenta uma filha
com dinheiro entregue por um diretor de empreiteira de obras públicas.
O Senado não existe para carimbar
decisões tomadas pela opinião pública ou por parlamentares e jornalistas
que se consideram seus porta-vozes.
Tendo contrariado as diretrizes sugeridas, dane-se o Senado. Pode-se
discordar de Dornelles (talvez seja
melhor fazê-lo), mas afastá-lo da discussão prejudica até mesmo a qualidade do julgamento de quem condena Renan.
Se a Receita for atrás das contas do
presidente do Senado ele quase certamente estará ferrado. Será ótimo,
desde que não se ferre a defesa de um
acusado.
Admita-se que as coisas não são assim e que os 46 votos efetivamente
desmoralizaram o Senado. Teria sido melhor fechar rapidinho a pasta
do doutor. Em 1975, aconteceu um
caso parecido. O senador governista
Wilson Campos foi apanhado numa
gravação mordendo uma beirada de
empréstimo em banco oficial. Vale
repetir: a mordida estava gravada.
Depois de uma agonia de cinco
meses, o Senado absolveu-o. Três
dias depois, o presidente Ernesto
Geisel cassou o seu mandato. Poucas
vezes uma cassação teve tamanho
apoio popular. "Oh, que saudades eu
tenho, da minha ditadura querida",
poderia dizer o serviço de faxina do
pau de galinheiro.
Tudo bem. Geisel cassou Campos
em junho de 1975. Meses depois, o
IPM aberto no Exército para apurar
a morte do jornalista Vladimir Herzog no cárcere do DOI-Codi de São
Paulo concluiu que ele se suicidara.
Em junho de 1977, o líder da oposição na Câmara, deputado Alencar
Furtado, disse na TV que "o programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana,
para que não haja lares em pranto,
órfãos do talvez e do quem sabe".
Dois dias depois Geisel cassou-o.
Quem gosta de ritos sumários e desacredita instituições republicanas
quando suas decisões o desagradam,
pode ter saudade das cassações da ditadura, mas tem que levar o pacote:
Campos fica sem mandato, e Alencar
Furtado também. De quebra, Herzog
matou-se.
O respeito ao Senado e às suas decisões amargas torna-se uma necessidade, sobretudo quando se sabe
que o partido do governo defende
sua extinção. Isso e mais uma Constituinte de ocasião. O PT definiu a
absolvição de Renan com o mesmo
projeto político que, em abril, levou a
CUT a participar da paralisação do
metrô de São Paulo para pressionar o
Congresso na defesa do veto de Nosso Guia à Emenda 3. Isso tudo, com
um presidente que já informou ter
um demônio adormecido na alma.
PODER ALIADO
Nenhum governador trabalhou pela cassação de Renan
Calheiros. Quem se meteu
no caso entrou a favor de sua
absolvição.
FALA, MAS NÃO VALE
Às 11h de terça-feira, o senador Tião Viana, que presidiria a
sessão de julgamento de Renan
Calheiros, assegurou ao deputado Raul Jungmann que a meganha do Senado não impediria
a entrada de parlamentares no
plenário. Na tarde do dia seguinte, estava a dois metros da
inédita pancadaria em parlamentares no prédio do Congresso. Ou Viana esquece o que
diz ou alguém comandou a bancada dos pitbulls sem avisá-lo.
SHERMAN NO RIO
O Ibama quer colocar câmeras no Corcovado para proteger
os turistas dos bandidos que assolam o pedaço. Sugestão: o
Ibama poderia criar caminhos
de segurança nas cercanias da
maravilha, denominando-os
"Trilhas Sherman". Talvez o
nome ponha medo na malandragem. Em 1864, o general
William Sherman comandou a
devastação do sul dos Estados
Unidos durante a Guerra da Secessão. Ele era doido de hospício, mas deixou uma lição: "A
guerra é o inferno". Em 1846, o
tenente Sherman passou pelo
Rio, visitou a mata do Corcovado e apreciou "uma das mais pitorescas vistas da Terra".
CUIDADO
Tem grão-petista dizendo
que, no início do piripaco financeiro americano, Nosso
Guia trabalhava com diversos
cenários para proteger a economia brasileira.
Num deles, admitia o controle de capitais. É o tipo da providência que pode dar certo
quando é mantida em sigilo até
a hora H. Pavoneada, dá errado.
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