São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2007

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ELIO GASPARI

Há 46 senadores no lixo, mas não o Senado


"Pau de galinheiro", "soberania arrogante'? Oh, que saudades eu tenho, da minha ditadura querida

NUMA SESSÃO secreta digna das missas negras do Conselho de Segurança Nacional da ditadura, o Senado absolveu Renan Calheiros por 40 votos a 35. Seria mais apropriado dizer que o fez por 46 a 35, pois quem se absteve sabia o que estava fazendo. Mais: na defesa do segredo, Renan e seu vice Tião Viana, apoiaram-se em janízaros que agrediram deputados. O resultado foi produzido pelos votos do PT e do PMDB, bem como por doutores do PSDB e do DEM, mas o Senado recebeu, de seus próprios integrantes, uma carga inédita de recriminações insultuosas. Quatro exemplos:
"O Senado acabou. Seis pessoas acanalharam seus votos" (Arthur Virgílio, PSDB-AM).
"Soberania arrogante" (Renato Casagrande, PSB-ES.)
"Pau de galinheiro" (Demóstenes Torres, DEM-GO).
"Degeneração" (Tasso Jereissati, PSDB-CE).
O Senado não acabou nem existe soberania arrogante. Se há degeneração e se a Casa pode ser comparada a um pau de galinheiro, o que entra na zona de perigo não é ela, mas a ordem democrática.
A conta da votação de quarta-feira é de cada senador e será avaliada pelos eleitores em 2010. O petista Aloizio Mercadante, por exemplo, cabalou por Renan e absteve-se. Em 2002, 10 milhões de votos levaram-no ao plenário. Talvez queira voltar. Problema dele e de quem queira votar nele. O Senado de Daniel Krieger, Franco Montoro e Mario Covas não tem nada a ver com isso.
A pancadaria contra a instituição republicana, vinda dos próprios senadores, é puro solvente oportunista. Amaldiçoam a Casa para não fulanizar as traições. Cumpriu-se a escrita do clube: enlameou-se a pessoa jurídica para proteger pessoas físicas.
Mesmo admitindo-se que todas as acusações contra Calheiros sejam procedentes, as diatribes que se seguiram à absolvição negaram atenção à sua defesa. Tome-se o exemplo do discurso feito pelo senador Francisco Dornelles. Ex-ministro da Fazenda, ex-secretário da Receita Federal, ele não é um parlamentar qualquer. Tem 25 anos de Congresso, não gosta de CPIs, foro privilegiado ou votações secretas. Dornelles foi à tribuna e, num curto discurso, sustentou que o único delito de que Renan pode ser acusado está na jurisdição da Receita. Ela deveria abrir um processo administrativo, durante o qual ele disporia de três níveis de recurso: "Vamos imaginar a seguinte situação: o Senado cassa o mandato de um senador, com base no pressuposto de ter, ele, cometido um crime contra a ordem tributária. Amanhã, a Secretaria da Receita Federal conclui que o senador não cometeu crime. Como fica o Senado?"
O discurso de Dornelles poderia ter moderado a catadupa de adjetivos. Afinal, trazia a "voz do outro", coisa incômoda para quem prefere ser ouvido sozinho. Se 35 senadores acharam que Renan delinqüiu, outros 46, no desempenho de suas atribuições, entenderam que um congressista mantém-se nos limites do decoro quando sustenta uma filha com dinheiro entregue por um diretor de empreiteira de obras públicas.
O Senado não existe para carimbar decisões tomadas pela opinião pública ou por parlamentares e jornalistas que se consideram seus porta-vozes. Tendo contrariado as diretrizes sugeridas, dane-se o Senado. Pode-se discordar de Dornelles (talvez seja melhor fazê-lo), mas afastá-lo da discussão prejudica até mesmo a qualidade do julgamento de quem condena Renan.
Se a Receita for atrás das contas do presidente do Senado ele quase certamente estará ferrado. Será ótimo, desde que não se ferre a defesa de um acusado.
Admita-se que as coisas não são assim e que os 46 votos efetivamente desmoralizaram o Senado. Teria sido melhor fechar rapidinho a pasta do doutor. Em 1975, aconteceu um caso parecido. O senador governista Wilson Campos foi apanhado numa gravação mordendo uma beirada de empréstimo em banco oficial. Vale repetir: a mordida estava gravada.
Depois de uma agonia de cinco meses, o Senado absolveu-o. Três dias depois, o presidente Ernesto Geisel cassou o seu mandato. Poucas vezes uma cassação teve tamanho apoio popular. "Oh, que saudades eu tenho, da minha ditadura querida", poderia dizer o serviço de faxina do pau de galinheiro.
Tudo bem. Geisel cassou Campos em junho de 1975. Meses depois, o IPM aberto no Exército para apurar a morte do jornalista Vladimir Herzog no cárcere do DOI-Codi de São Paulo concluiu que ele se suicidara. Em junho de 1977, o líder da oposição na Câmara, deputado Alencar Furtado, disse na TV que "o programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana, para que não haja lares em pranto, órfãos do talvez e do quem sabe". Dois dias depois Geisel cassou-o.
Quem gosta de ritos sumários e desacredita instituições republicanas quando suas decisões o desagradam, pode ter saudade das cassações da ditadura, mas tem que levar o pacote: Campos fica sem mandato, e Alencar Furtado também. De quebra, Herzog matou-se.
O respeito ao Senado e às suas decisões amargas torna-se uma necessidade, sobretudo quando se sabe que o partido do governo defende sua extinção. Isso e mais uma Constituinte de ocasião. O PT definiu a absolvição de Renan com o mesmo projeto político que, em abril, levou a CUT a participar da paralisação do metrô de São Paulo para pressionar o Congresso na defesa do veto de Nosso Guia à Emenda 3. Isso tudo, com um presidente que já informou ter um demônio adormecido na alma.

PODER ALIADO
Nenhum governador trabalhou pela cassação de Renan Calheiros. Quem se meteu no caso entrou a favor de sua absolvição.

FALA, MAS NÃO VALE
Às 11h de terça-feira, o senador Tião Viana, que presidiria a sessão de julgamento de Renan Calheiros, assegurou ao deputado Raul Jungmann que a meganha do Senado não impediria a entrada de parlamentares no plenário. Na tarde do dia seguinte, estava a dois metros da inédita pancadaria em parlamentares no prédio do Congresso. Ou Viana esquece o que diz ou alguém comandou a bancada dos pitbulls sem avisá-lo.

SHERMAN NO RIO
O Ibama quer colocar câmeras no Corcovado para proteger os turistas dos bandidos que assolam o pedaço. Sugestão: o Ibama poderia criar caminhos de segurança nas cercanias da maravilha, denominando-os "Trilhas Sherman". Talvez o nome ponha medo na malandragem. Em 1864, o general William Sherman comandou a devastação do sul dos Estados Unidos durante a Guerra da Secessão. Ele era doido de hospício, mas deixou uma lição: "A guerra é o inferno". Em 1846, o tenente Sherman passou pelo Rio, visitou a mata do Corcovado e apreciou "uma das mais pitorescas vistas da Terra".

CUIDADO
Tem grão-petista dizendo que, no início do piripaco financeiro americano, Nosso Guia trabalhava com diversos cenários para proteger a economia brasileira.
Num deles, admitia o controle de capitais. É o tipo da providência que pode dar certo quando é mantida em sigilo até a hora H. Pavoneada, dá errado.

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