São Paulo, sexta-feira, 16 de outubro de 2009

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ANÁLISE

É difícil separar governo de campanha

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais experimentadas de tempos em tempos". Embora muitas vezes suprimida, a primeira oração da máxima celebrizada por Winston Churchill (1874-1965) não poderia ser mais exata: a democracia está repleta de aporias e dificuldades.
Elas se materializam por todos os lados, da caravana do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo rio São Francisco, à ampliação dos gastos publicitários da Prefeitura de São Paulo, passando pelo périplo nordestino de José Serra.
O conflito aqui se dá entre o princípio da impessoalidade da administração pública e a realização de eleições nas quais os governantes tomem parte, seja diretamente como candidatos, seja de forma indireta como padrinhos de outros postulantes.
Só haveria solução para este problema se se pudesse isolar completamente o gestor do candidato. Só que isso não é factível nem mesmo desejável.
Especialmente no caso de uma recondução, o que se espera do eleitor é que diga sim ou não à continuidade do governo com base em suas realizações.
A própria ideia de partido político perderia o sentido se o prestígio de um dado administrador não pudesse ser repassado a seu companheiro de sigla.
As leis que criamos para lidar com o problema mal disfarçam sua intratabilidade. Tome-se, por exemplo, o instituto da desincompatibilização. Na tentativa de evitar que o governante use a máquina a seu favor, obrigamo-lo a renunciar ao cargo seis meses antes do pleito.
A regra, evidentemente, não vale no caso da reeleição. Aplicá-la, afinal, alijaria a própria vontade popular, que o elegeu para um mandato de quatro anos prorrogáveis por mais quatro, não de três e meio.
Daí resulta o seguinte paradoxo: um presidente que dispute a reeleição pode ficar no cargo, já um prefeito que o desafie, embora detentor de uma máquina muito menos poderosa, é obrigado a deixar o posto.
No atual estágio da democracia brasileira, é bem provável que normas como essas, apesar de suas incongruências, ainda tenham uma função. A verdade, porém, é que esse não é o primeiro nem o maior dos problemas da democracia. Temos de conviver com eles, pois as alternativas são todas muito piores.


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