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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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ELIO GASPARI

O Viva Rio acertou a CBC

Quem diria. A serena figura do antropólogo Rubem Cesar Fernandes, diretor do Viva Rio, acertou o presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos, Antônio Marcos Moraes Barros, com cinco cápsulas. (As que estão aí ao lado.) Moraes Barros passou fisicamente incólume, mas sua posição de grão-mestre dos interesses da indústria nacional de armas ficou intelectualmente debilitada.
O empresário e o antropólogo meteram-se num tiroteio em torno de um dispositivo do Estatuto do Desarmamento, no qual se pretende que os fabricantes de cartuchos identifiquem em cada cápsula o lote de fabricação e o destinatário da encomenda. A vantagem salta aos olhos. Se a polícia encontra ao lado de um morto um cartucho em que se lê "CBC PMPI 7A39", sabe-se imediatamente que essa bala foi vendida pela Companhia Brasileira de Cartuchos à Policia Militar do Piauí no lote 7A39. A empresa saberá dizer quando esse lote saiu de sua fábrica e quando chegou a Teresina. É o tipo da providência que atrapalha a vida dos bandidos sem incomodar ninguém.
O doutor Moraes Barros ridicularizou a idéia:
"A proposta é desprovida de qualquer fundamento quanto à sua viabilidade prática no âmbito de uma manufatura moderna e competitiva, seja porque não há espaço físico no cartucho, seja porque não há como interromper, a cada momento, uma produção de escala industrial para a substituição de ferramental objetivando atender à identificação do comprador. Seria como exigir a identificação individual numa linha de produção de aspirinas ou parafusos".
Noves fora o doutor achar que se pode comparar a produção de cartuchos com a de aspirinas, ele errou o tiro. Pela proposta do Estatuto do Desarmamento, a CBC deveria imprimir algo como dez dígitos nos culotes das cápsulas. Há espaço físico de sobra para que isso seja feito. Dá até para escrever "Lula".
Em 1952, a própria empresa do doutor Moraes Barros imprimia até 13 dígitos em seus cartuchos. Num deles pode-se ler: "CBC MG 45-M1-50". Isso queria dizer que em 1950 a CBC vendeu aquela cápsula para que a Marinha de Guerra a usasse em seus revólveres calibre 45.
O doutor pode argumentar que a tecnologia mudou e hoje isso ficou mais difícil. Não se deve esquecer que em 1950 o conde Matarazzo andava na rua com menos seguranças que o ministro Humberto Costa, da Saúde. A Colômbia marca o culote de seus cartuchos. O Ministério da Defesa da Grã-Bretanha exige que todas as munições vendidas às suas Forças Armadas sejam marcadas. Entre os fornecedores do Exército britânico está a empresa Royal Ordnance. Ela tem uma sociedade com a Imbel brasileira que, por sua vez, tem 30% das ações da Imbel.
Se a CBC não sabe fazer em 2003 aquilo que fazia em 1950 e se não quer fazer em Pindorama o que sua remota parceira faz na Inglaterra, a bandidagem, genuflexa, agradece.
Ave, BNDES

O velho e bom BNDES comprou por R$ 1,5 bilhão algo como 10% da Vale do Rio Doce. Pagou R$ 132 (US$ 45) por cada ação cotada na Bolsa a R$ 125. Esses papéis eram parte de um lote vendido em 1997 pelo bondoso banco ao fundo de pensão dos funcionários da empresa. Naquela época, recebeu o equivalente a US$ 5 por cada ação. Em março de 2002, o banco vendeu papéis da Vale a R$ 57. Os mercados de ações são assim mesmo. Às vezes a gente vende barato e compra caro.
O BNDES informa que fez o negócio movido por interesses estratégicos, para evitar que a Vale venha a ser controlada por grupos internacionais. As ações que comprou não o colocam dentro do grupo que controla a Vale. Nesse bloco, estão apenas a Previ, a Bradespar e a empresa japonesa Mitsui, que entrou há pouco tempo, comprando suas ações a R$ 121 cada uma.
Se há estrangeiros querendo controlar a Vale, não se sabe. Sabe-se que a ação com direito a mandar foi comprada pela Mitsui a um preço inferior ao que o BNDES pagou por papéis que não mandam em coisa nenhuma.

Viva Stiglitz

Saiu um grande livro. É "Os Exuberantes Anos 90 - Uma Nova Interpretação da Década mais Próspera da História", do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial. Sacrossanta leitura, demonstrativa de que a forma de pensar das ekipekonômicas não é a única nem a certa. Pelo contrário, fabricou ruínas. Dois trechos:
"Tio Sam tornou-se o dr. Sam, aviando receitas para o resto do mundo. "Corte este orçamento." "Reduza aquela barreira comercial." "Privatize aquela empresa pública." Como muitos médicos, estávamos muito atarefados -e muito seguros de nós mesmos- para dar ouvidos a pacientes com idéias próprias".
"A América Latina talvez tenha sido o aluno mais aplicado nessa disciplina. Perseguiu reformas com convicção e vigor e agora enfrenta as consequências: meia década de estagnação, e a porcentagem da população que vive na pobreza, desempregada ou sem emprego formal, é maior hoje do que no início dos anos 90".

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela zela pela luminosidade do idioma e deu mais uma de suas bolsas de estudo ao secretário de Energia do Rio de Janeiro, Wagner Granja Victer, pelo convite que fez circular no andar de cima, chamando as pessoas para a "assinatura do convênio de eficientização da iluminação pública do município de Petrópolis".
Victer informa que já foram "eficientizados" 19.100 pontos de luz na cidade.
A senhora está na acreditação de que se o secretariante tiver respeitamento pelo português, deve eficientizar as palavras que usa em suas comunicâncias.

O bombardeio dos hospitais militares

Há cerca de um mês, aconteceu a seguinte cena no Hospital das Forças Armadas, em Brasília: um coronel da reserva, de 73 anos, com 40 anos de serviços prestados à firma, precisava de uma consulta com um otorrino. Foi para a sala de espera de madrugada, às 2h. Às 7h, abriu-se o serviço de atendimento, ele recebeu a senha 43 e pouco depois foi informado de que deveria voltar no dia seguinte: a cota dos otorrinos já estava preenchida. Ainda faltam 17 anos para que o ministro Berzoini consiga pegar esse coronel, mas, até lá, deveriam tratá-lo direito.
Os militares pagam cerca de 3% sobre seus vencimentos brutos para receber assistência médica. Esse dinheiro vai para um Fundo que ajuda a ekipekonômica a fazer caixa para gerar o superávit fiscal que tanto agrada ao FMI. (Alô, moçada, o plano de saúde do Fundo é um dos melhores do mundo.)
A contribuição destinada a financiar um serviço tornou-se uma tunga. Quase todos os hospitais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica estão à matroca por falta de verbas. Há poucas semanas, o diretor do Hospital das Forças Armadas revelou que estavam fechados, havia dez meses, o centro cirúrgico, a radiologia e o serviço de hemodiálise. A UTI funciona no improviso, dentro da pediatria. Por trás desse sucateamento esteve o desejo de tirar a instituição das Forças Armadas, repassando-a ao Incor. O Hospital Geral de Brasília (do Exército) já foi obrigado a calotear meio mundo. Ele precisa de R$ 2,5 milhões e já foi avisado de que receberá apenas R$ 400 mil. Há casos em que exames de raios-X são marcados para janeiro, e mamografias, para março.

O Milagre Brasileiro durou de 1950 a 1978

Circula na academia econômica um tremendo estudo que descreve os sucessos e fracassos nacionais nos últimos 50 anos. Chama-se "Evolução da Produtividade Total dos Fatores na Economia Brasileira: Uma Análise Comparativa". Os autores são três jovens professores: Victor Gomes, 31 anos, da PUC de Brasília; Samuel de Abreu Pessoa, 40 anos, da FGV-RJ; e Fernando Veloso, 37 anos, do Ibmec carioca.
Numa explicação simplificada, mostraram que a produtividade da economia brasileira cresceu 63% entre 1950 e 1978. Essa seria a verdadeira duração do Milagre Brasileiro. O que eles chamam de produtividade é um progresso que excede os efeitos dos avanços na educação ou a expansão dos capitais. No mundo da cachaça, seria o choro do garçom.
Depois de 1978, o Milagre foi à breca, e o Brasil chegou a 1990 com uma queda de produtividade de 22%. Segundo o estudo, o Brasil deve ao governo de Fernando Collor a interrupção desse processo de decadência. Depois dele, Itamar Franco e FFHH conseguiram uma produtividade de 2%.
O trabalho dos professores não diz isso, mas suas contas pulverizam o blablablá das ekipekonômicas que chegaram a falar em aumentos de 4% na produtividade da economia tucana.

ENTREVISTA

Ezequiel Nascimento

(37 anos, presidente do Sindilegis.)

- Há quase um ano o senhor vem denunciando que o ministro Ricardo Berzoini herdou o "saco de maldades" que o doutor Gustavo Franco guardava em seu gabinete durante o governo FFHH. Como foi possível que um petista histórico como Berzoini ficasse nessa posição?
- Pela arrogância, pelo desprezo ao dissenso e pelo desrespeito para com a máquina da administração. Você pode ser o que for, petista histórico ou dinossauro recente, se resolver agir de uma determinada maneira, fica parecido com as pessoas que agem daquele jeito. O ministro Berzoini defendeu uma reforma da Previdência que contradizia quase tudo o que tinha dito aos companheiros e aos eleitores. Levou números fantasiosos à Câmara dos Deputados. Sedou as equipes de combate à fraude no INSS. Perdeu o senso da medida. Passou a acreditar que o seu gabinete era o centro do mundo. No caso dos nonagenários, a boa norma administrativa e a lei mandavam que a procuradoria do INSS fosse ouvida. Decidiu contorná-la, talvez por temer um parecer que expusesse a ilegalidade da proposta. Foi na marra e deu no que deu. Há aposentados morrendo nas filas do INSS porque ele acha que esse problema não é dele.
- O ministro pediu desculpas à sociedade.
- Nada disso. Leia os jornais. Ele pediu desculpas ao ministro José Dirceu. Ou melhor, pediu desculpas depois que recebeu um telefonema do chefe da Casa Civil passando-lhe a motoniveladora. Antes desse telefonema, ele dizia que não devia coisa nenhuma a ninguém. Há alguns meses, tratando de uma fila de aposentados de São Paulo, na qual as pessoas chegam às 20h para receber uma senha às 8h, ele disse que o atual governo não devia desculpas. Talvez a União as devesse, pois só o Orçamento de 2004 poderia remediar a situação. Falso. O Orçamento petista está aí, e os programas capazes de melhorar o funcionamento do INSS perderam recursos. Berzoini não gastou o dinheiro de que dispunha em 2003. Um exemplo: no item da reforma de agências, ele gastou 31,6% do que o Orçamento lhe dava. Para o ano que vem, a previsão é de zero. Em publicidade, no entanto, vai gastar R$ 5,2 milhões.
- O que os servidores podem fazer para acabar com as filas?
- Entrar nelas. O servidor do INSS entra na fila do SUS, e o do SUS, na do INSS. Ambos acabam nas filas da Receita. Os servidores precisam reconquistar a sociedade. Mostrar que não são eles que fazem as filas. Pelo contrário, aquele servidor que muitas vezes nos deixa enraivecidos é mais uma vítima de ministros como Berzoini. O governo do PT está desmantelando a máquina administrativa. Na Previdência criou-se um sistema de medição de mérito pelo qual um sindicalista tem dois pontos numa escala para selecionar aspirantes a 102 cargos de chefia, enquanto um doutor tem meio ponto. Eu não sou doutor, sou sindicalista, mas isso é um absurdo. O PT está administrando o país como se o Brasil fosse um imenso sindicato. Massacram a oposição como se a contradita fosse coisa de traíra, porta-voz de patrão. Humilharam os servidores e, como não lhes aconteceu nada, acharam que poderiam humilhar os nonagenários. Recuaram porque a sociedade gritou. Felizmente, toda vez que a sociedade gritar eles recuarão. Serão até capazes de pedir desculpas.


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