São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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ELIO GASPARI

Ruiu a República Velha de Aécio e Serra

O acordo do PSDB com o governo resultaria numa traição que desmoralizaria o partido e seus senadores

OS GOVERNADORES Aécio Neves e José Serra transformaram um acordo e uma vitória fechados na madrugada de quarta-feira em confronto e derrota na madrugada seguinte. Desprezaram o prejuízo alheio e superestimaram a própria desenvoltura.
Às três da manhã de quinta, o senador Arthur Virgílio saiu da casa do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, com a disposição de aprovar a prorrogação da CPMF. Acabara de ouvir do deputado Antonio Palocci o compromisso do governo de jogar todos os R$ 40 bilhões do imposto na caixa da saúde. Esse caminho fora defendido por Serra e Aécio nos últimos dias.
Sete dos 13 senadores tucanos aceitavam a proposta do governo. Eram votos suficientes para aprovar a prorrogação do imposto. Em novembro, quando essa idéia partiu dos senadores, o ministro Guido Mantega considerou-a inviável.
Na manhã seguinte, Arthur Virgílio viu passar pela memória as fisionomias dos senadores da base aliada comprometidos a votar contra a prorrogação. Tratava-se de levá-los ao crematório, numa traição fria e arrogante, das piores já ocorridas no Congresso. Virgílio mudou de idéia, ameaçou abandonar a liderança do partido, e arrastou as fichas.
Outro fator, percebido pelo senador Jarbas Vasconcelos, foi o ostensivo predomínio dos governadores numa decisão do Senado. Antes do início da sessão da CPMF, Aécio Neves já comemorava o acordo e corria para o abraço: "É uma vitória para o país". Serra, discreto, era festejado como o pai da fórmula.
Criara-se uma situação absurda. Os senadores tucanos ficariam no papel de adesistas que resistiram à prorrogação do imposto e, na última hora, roeram a corda, traindo os aliados. Já os governadores subiriam ao pódio dos estadistas que dobraram uma bancada de chatos irrelevantes ou indisciplinados. Aécio, aproveitando em embalo, deu uma entrevista como pré-candidato a presidente.
Faltou combinar esse enredo com os senadores que fariam o papel de paspalhos diante de uma opinião pública hostil ao imposto. Arthur Virgílio poderia ameaçar a bancada com mil renúncias ou mesmo atear fogo às vestes e isso seria insuficiente para arrastar os votos de sua bancada.
Com um século de atraso, Aécio e Serra tiveram o seu "Momento República Velha", uma época em que o presidente mandava no Congresso a partir de uma política de governadores que resultava numa dieta do café de São Paulo com o leite de Minas Gerais. Felizmente, o anacronismo não ressuscitou.

O ORÇAMENTO PRECISA DE MORENGUEIRA
Dois dias antes do naufrágio da CPMF, o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA) obteve na Comissão de Orçamento do Congresso a possibilidade de um corte de R$ 106,9 milhões nas despesas previstas para obras de três tribunais, da Procuradoria Geral do Trabalho e do Conselho da Justiça Federal. Todas em Brasília.
O Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil, o Sinapi, fixou em R$ 624,70 o custo do metro quadrado construído na cidade. (Esse valor sai do IBGE, num convênio com a Caixa Econômica.) A cifra não considera inúmeros custos, como elevadores, refrigeração e equipamentos de segurança. Por isso, na sua pesquisa, Giovanni Queiroz, "de forma exagerada", dobrou o valor, para R$ 1.249,40. O metro quadrado do Tribunal Regional Federal está estimado em R$ 2.967,55. Na sede do Tribunal Superior Eleitoral, ele sai um pouco mais caro: R$ 2.967,66. Queiroz sugere que levem só a metade.
Se o Planalto e a oposição quiserem, o deputado pode mostrar o caminho das pedras para um corte que poderá ultrapassar a casa do bilhão de reais. Examinando uma amostra de 12 dotações de obras rodoviárias e ferroviárias, cujos custos divergiam bastante dos valores de referência da Viúva, ele acredita ter encontrado anomalias que justificariam uma proposta de abatimento de R$ 610 milhões em despesas orçadas em cerca de R$ 1 bilhão.
O governo rebate e diz que essa conta se baseia em estimativas rudimentares do custo do quilômetro, esquecendo o preço dos viadutos e de desapropriações. Nessa altura, Nosso Guia deveria invocar o espírito do sambista Moreira da Silva, convocando parlamentares e sábios do Departamento Nacional de Infra-Estrutura e Transportes, o Dnit, reencarnação do falecido DNER, para estudar cada uma dessas despesas. Fecharia a porta "enquanto dura o vai-não-vai" e tocaria o "Piston de Gafieira":
"Quem está fora não entra,
Quem está dentro não sai"
A patuléia sabe que o custo de uma obra rodoviária é coisa complexa, mas de dez dotações orçamentárias, por coincidência, duas estão com o mesmo preço, redondo, de R$ 100 milhões. (Uma na divisa da Paraíba com o Rio Grande do Norte, com 25 km. Outra entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, com 13 km.) Qualquer pessoa que faz compras pode tentar lembrar quantas vezes foi ao supermercado e gastou exatamente R$ 100.
Em 1998, quando Giovanni Queiroz dizia na Câmara que o juiz Nicolau dos Santos Neto (Lalau, para os amigos), estava assaltando a obra do TRT de São Paulo, achavam que ele era exagerado.

EREMILDO EM BALI
Eremildo é um idiota e gosta de fazer contas malucas. Ele soube que a delegação brasileira na Conferência sobre Mudanças Climáticas, realizada em Bali, teve 188 pessoas. Os governadores do Amazonas (Eduardo Braga) e Mato Grosso (Blairo Maggi, o Motosserra de Ouro) formaram uma comitiva de 18 pessoas. O idiota foi atrás da relação entre uma ida a Bali e o desmatamento para o plantio de soja. A comitiva dos dois governadores da região que mais sofre o desmatamento pode ter saído por US$ 225 mil. Segundo a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso, são necessários 16 hectares de soja plantada para se obter um lucro de US$ 1.000. Assim, uma viagem como a de Maggi e Braga pode ser custeada pelo desmatamento de 3.600 hectares de floresta. (Um hectare equivale à área de um campo de futebol.)

ÊXITO SOCIAL
O Metrô de São Paulo fechará o ano com uma média mensal de 40 milhões de passageiros/mês. Em 2005, essa marca estava em 33 milhões. Hoje, 48% dos passageiros do Metrô têm renda familiar de um a quatro salários mínimos. É 1,1 milhão de pessoas por dia, contra 517 mil em 2005. Como o Metrô não inaugurou novas linhas, essa mudança é atribuída a dois fatores: primeiro, o aumento da renda das famílias. Gente que fazia percursos a pé está usando transporte público. Além disso, desde 2005, o andar de baixo de São Paulo usufrui a integração das tarifas de trens e metrô com os ônibus.
Falta pouco para a chegada de 2008. Nele, conforme promessa do governador Sérgio Cabral Filho, o Rio instituirá o bilhete único, que permite duas viagens sucessivas com uma só tarifa.


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