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Zilda falava sobre d. Paulo quando caiu, diz religioso
Padre haitiano conversava com brasileira na hora em que ocorreu o terremoto
Parte do teto caiu, o que levou Zilda a ir para a sacada, que desabou; religioso ainda espera ajuda brasileira para retirar outros 14 mortos
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Ultima pessoa a ver Zilda
Arns com vida, o padre haitiano
William Smarth conversava
com a médica brasileira quando ocorreu o terremoto, na terça à tarde. Quatro dias depois, o
religioso de 76 anos ainda esperava, diante dos escombros da
escola de teologia que dirigia, a
ajuda brasileira para recolher
14 alunos, já mortos.
"Eu me dei conta do terremoto quando algo saiu do teto e
caiu aqui [mostra o ferimento
na cabeça]", lembra Smarth,
com olhos cheios de lágrimas.
"E ela, quando viu isso, saiu e se
foi para a sacada, e o piso caiu."
Localizado na zona de Turgeau, o Centro Interinstituto
de Formação Religiosa (Cifor)
ficou parcialmente destruído.
Ironicamente, a parte mais
preservada era onde estava Zilda, que caiu do segundo andar.
A maioria das mortes ocorreu no prédio anexo, cujos andares afundaram um sobre o
outro. Até no dia seguinte,
quarta, contam dois parentes
de vítimas, era possível ouvir as
vozes de estudantes presos
dentro de um carro -eles estavam deixando o prédio logo
após a palestra de Zilda.
A médica havia acabado de
falar sobre a Pastoral da Criança e estava conversando com
Smarth sobre seu irmão, o arcebispo emérito de São Paulo,
dom Paulo Evaristo Arns.
Smarth já havia conhecido
dom Paulo nos anos 1980 ("era
o meu candidato a papa"), mas
era a primeira vez que estava
com Zilda. Descreveu-a como
uma pessoa engajada e cativante. "Era apaixonada, ela não
queria terminar a palestra, falou uma hora e meia. Via-se que
tinha tantas coisas a dizer, que
sua missão era salvar vidas",
conta, novamente interrompendo a fala para não chorar.
Mesmo caminhando com dificuldades e com o ferimento
na cabeça, Smarth tem ido todos os dias à escola -a sua casa
também foi destruída, e ele
dorme no pátio de um seminário, igualmente arrasado.
O religioso diz que, depois de
recuperar o corpo de Zilda, a
embaixatriz Roseana Kipman
prometeu voltar pessoalmente
ao local com militares brasileiros para buscar corpos e sobreviventes. Até ontem à tarde, isso não havia ocorrido.
"Se você pode puder falar
com a embaixatriz, porque a
gente que vive aqui não pode
mais ficar com esse cheiro", pediu Smarth. "Queremos também fazer os funerais para eles,
para as suas famílias."
Professor de teologia, educado no Vaticano, Smarth disse
sobre o papel de Deus na tragédia: "Para mim, é um fenômeno
físico da natureza, coisas que
não podem mudar. O problema, para nós, é a necessidade de
continuar trabalhando com essa gente já pobre. Dissemos isto
aos protestantes: que digam se
isso é um castigo do Senhor.
Talvez os que nos salvamos tenhamos algo especial a fazer
para que, no futuro, menos
gente morra".
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