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HISTÓRIAS DA CRISE
Tucano reclama da falta de informação para agir e de pessoas com quem possa trocar idéias sobre o país
Estressado, FHC vive seu pior momento
JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
Fernando Henrique Cardoso escolheu parte dos apetrechos que
queria ver acomodados em sua
mala: bermudas, camisetas, sandálias... Parecia finalmente decidido
a seguir as instruções de Roberto
Camarinha, o médico da Presidência da República.
Às voltas com um diagnóstico de
estresse, repousaria por seis dias
em um recanto paradisíaco do litoral de Sergipe. Ria-se do nome:
praia do Saco. Mas se mostrava
embevecido com a descrição que o
governador Albano Franco lhe fizera do lugar.
Ao decolar de Brasília, na manhã
da última terça-feira, o presidente
estava animado com a perspectiva
de repouso. Um único compromisso o separava do paraíso sergipano. Faria escala no Rio, para
inaugurar o centro gráfico de "O
Globo".
No Banheiro
Nem bem aterrissou no Galeão,
foi logo alcançado por Pedro Malan. O ministro da Fazenda discou
de Brasília. Cercado de ministros,
observado pelos presidentes do
Senado, Antonio Carlos Magalhães, e da Câmara, Michel Temer,
FHC buscou privacidade no banheiro da sala de autoridades da
ala militar do aeroporto do Rio.
Assim, ao lado de uma pia, começou a gorar o descanso que planejara havia mais de um mês. Em
vez do repouso prescrito pelo doutor Camarinha, viveria dali em
diante o que definiu como alguns
de seus piores momentos.
Em nenhum outro instante experimentou no governo uma fase de
tais extremos, em que a sensação
de poder se mistura à de impotência. Tonificado pela reeleição, parece mais frágil do que nunca.
No discurso de posse, há 17 dias,
recusou o papel de gerente da crise. Mas, segundo a definição de um
amigo, tem hoje o cotidiano gerido
por ela.
Malan telefonou justamente para
informá-lo sobre a deterioração do
ambiente econômico. O governo
talvez tivesse de antecipar a desvalorização do real, algo que era programado para março.
Pensou em retornar a Brasília.
Foi desaconselhado. Imaginou-se
que a informação de que voltaria à
capital antes do previsto, às pressas, pudesse levar pânico ao mercado, açulando ainda mais a fuga
de dólares. Assim, decidiu voar para Sergipe, embora soubesse que
teria de regressar no dia seguinte.
Antes de seguir para o compromisso do Rio, levou o celular uma
vez mais ao banheiro do Galeão.
Pediu ao governador Albano Franco que não o esperasse em Aracaju
(SE). Preferia que se juntasse aos
governadores que, reunidos em
São Luís, condenariam dali a algumas horas a moratória mineira de
Itamar Franco.
Tensão e amargura
A crise do real pôs fim, ainda que
momentaneamente, ao lendário
bom humor de FHC. Não é de hoje,
aliás, que, aos olhos de amigos e
auxiliares, o presidente está diferente.
Era capaz de encaixar uma blague nos diálogos mais graves. Era
do tipo que perdia o amigo, mas
não perdia a piada. Mas mudou.
Anda tenso, amargurado, queixoso.
Reclama de não dispor de boa informação para agir. Pragueja políticos à sua volta, dados a picuinhas. Maldiz o ex-aliado Itamar
Franco, a quem qualifica de estopim da atual turbulência. Sente falta de pessoas com quem possa trocar idéias sobre o país.
Diz-se que tem saudades de ex-auxiliares. É incansável na exaltação das qualidades de André Lara
Resende, expurgado do governo
pelo grampo do BNDES. Ele o quer
de novo governo. Fará o que for
preciso.
O exílio de seis dias na praia serviria para recarregar as baterias.
Mas o telefone não o deixou em
paz na noite de terça-feira. Levou
consigo, além de bermudas e chinelos, dois "grandes papos": Leôncio Martins Rodrigues, um cientista político que o conhece desde os
tempos do exílio no Chile, e Valter
Pécly, um expansivo diplomata
que chefia o cerimonial da Presidência.
Chegou a ensaiar um carteado.
Mas foi interrompido algumas vezes -ora por Malan, ora por Clóvis Carvalho (Gabinete Civil). Sugado pela realidade, definiu com
Malan o índice de desvalorização
do real frente ao dólar.
Recomendou ao ministro que visitasse ACM. Malan se fez acompanhar de Pedro Parente, seu secretário-executivo. Os dois chegaram
à residência oficial do presidente
do Senado por volta de 22h. Encontraram a mesa posta. Jantaram
com o anfitrião. Enquanto comiam, revelaram as providências
que seriam divulgadas na manhã
seguinte. Falaram inclusive sobre a
saída de Gustavo Franco.
O Congresso
O momento é decisivo, disse Malan a ACM. O papel do Congresso
seria vital. A eventual rejeição do
minipacote fiscal do governo traria, segundo Malan e Parente, consequências nefastas para a economia do país. A votação estava prevista para a tarde do dia seguinte.
Ocorreria horas depois do anúncio
da desvalorização do real e da saída de Gustavo Franco
Perto da meia-noite, Malan e Parente voltaram para o Ministério
da Fazenda. O ministro discou para FHC. ACM ajudaria, informou.
O senador foi para a cama preocupado. Impressionava-o o fato de
ter viajado na tarde daquele mesmo dia com um impenetrável
FHC, cujo semblante não permitia
perscrutar a eletricidade que cortava os subterrâneos de Brasília.
Durante boa parte do vôo até o
Rio, ACM dividira com FHC e o
deputado Michel Temer a cabine
presidencial do avião da FAB. Falaram sobre amenidades e sobre a
tramitação dos projetos de interesse do governo no Congresso, entre
eles a renovação da CPMF. Nada
sobre a crise.
Às 7h de quarta-feira, já pendurado ao telefone, ACM conversava
com os líderes partidários. Fez e
refez contas. Perto de uma da tarde, telefonou para FHC. "Vai passar", disse, referindo-se ao pacote
do governo, de fato aprovado pouco depois.
A votação trouxe alívio a FHC.
As informações que havia recebido
ao chegar ao Planalto, de volta da
praia do Saco, eram desoladoras.
Tomara banho de mar e passeara
de bugue antes de embarcar. E já
estava uma pilha.
Fuga de dólares
Temia pelo futuro do real, àquela
altura já desvalorizado por ato de
Francisco Lopes, o novo presidente do Banco Central. Em contatos
com os amigos, entre eles o ministro Paulo Renato (Educação) e o
governador Tasso Jereissati (Ceará), revelava o temor de que pudesse ocorrer uma fuga expressiva de
dólares.
Com base em informações da
área técnica do governo, FHC estimava que a onda especulativa poderia sorver, só naquele dia, algo
como US$ 5 bilhões das reservas
em dólar do governo. A cifra terminou não se efetivando.
Em uma segunda tentativa de relaxar, FHC foi, de helicóptero, para
sua fazenda, em Buritis. De novo,
levou Leôncio Martins e Valter
Pécly. Houve nova frustração. As
más notícias invadiram o novo refúgio do presidente. Chegaram pela TV, pelo telefone.
Ele se irritou ao saber que o pedido de demissão de Cláudio Mauch,
diretor do Banco Central, injetara
uma dose extra de insegurança no
mercado. Não entendia as razões
que o levaram a se demitir em
meio à turbulência.
Alívio
Após trocar uma série de telefonemas, autorizou Malan a interromper a derrama de dólares das
reservas do Banco Central no mercado. O câmbio, sempre tão dogmático, flutuaria livremente, num
teste ousado.
De volta ao Alvorada, FHC reuniu os auxiliares econômicos e, na
tarde de sexta-feira, parecia aliviado com o êxito, ainda que parcial,
da estratégia. Parecia tentado a
evitar uma nova fixação de limites
para a variação do dólar.
No final do ano passado, FHC
disse a algumas pessoas que 1999
seria o pior ano de seus dois mandatos. No último dia 4 de janeiro,
após almoço em que recebeu cumprimentos de autoridades estrangeiras, lamentou não ter incluído
em seu discurso de posse uma frase sobre as turbulências que o país
ainda enfrentará. Teve receio de
ser demasiado pessimista.
O presidente parece convencido
de que atravessa a quadra mais delicada de sua passagem pela Presidência. E seus amigos, sob reserva,
revelam-se preocupados com o
seu estado. Acham que está excessivamente isolado.
Temem que, no instante em que
conhece os seus mais altos desafios, num momento em que deveria esgrimir as suas qualidades máximas, o presidente se deixe abater.
Em resposta, FHC prepara para o
início da semana movimentos que,
imagina, reforçarão a impressão
de que seu governo e ele próprio
reúnem condições para superar a
crise.
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