São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Efeitos à vista

Entre o assassinato da freira Dorothy Stang, invocado como motivo da volta antecipada de Lula ao Brasil, e essa volta há um descompasso de três dias. Entre o desabamento de PT e governo na Câmara e a precipitação da volta, o intervalo mede-se em horas. A diferença dos descompassos serve, no mínimo, como imagem do impacto que atingiu o partido e o governo.
Outro oferecimento desse impacto está no campeonato de caras-de-pau que os principais derrotados travam entre si, aprendizes de Pilatos lavando depressa as mãos para lançar sobre outros a sua quota de responsabilidade no desastre. Para Lula foi o PT que perdeu e não o governo, Genoino acusa Virgílio Guimarães e os partidos aliados, o devastado Luiz Eduardo Greenhalgh diz que derrotado foi o governo. O resultado reflete bem a esperteza política posta em confronto: como cada um desses companheiros acusa outro para inocentar-se, todos são reconhecidamente culpados -embora nenhum seja honestamente verdadeiro no que diz.
Da barafunda de incompetência política e presunção de poder, que é a essência do espetáculo produzido pelo círculo de Lula, o efeito que parece mais certo é o acirramento de vários confrontos existentes, mas até agora controlados, em dois níveis: entre os grupos petistas com presença no governo e entre as correntes do partido, sobretudo no Congresso.
A propósito dos primeiros, uma observação: José Dirceu escolheu, para seu passeio por Cuba, precisamente os dias em que o governo estaria na guerra pela presidência da Câmara. Dirceu é atilado demais para acreditar-se em equívoco de agenda pessoal, cuja sobreposição de datas, além do mais, seria corrigível. Outra observação: bem em cima da viagem para Cuba, foi plantada uma nota de jornal informando que Dirceu decidiu não se candidatar em 2006, para permanecer no governo até o fim. A dois anos da eleição, uma nota assim não teria sentido sem motivo muito especial do interessado -um recado? que recado? para quem?.
Os confrontos que não têm transparecido, em grande parte por contribuição do jornalismo político ao governo, tendem a acentuar-se e emergir na procura de reformulações que o desastre na Câmara reclama. Nessa perspectiva, um componente significativo é o quase contentamento, provocado pela derrota, mesmo em comportados petistas do Congresso. Reflexo claro de um inconformismo calado, mas sentindo chegada a oportunidade dos seus questionamentos, seja aos dirigentes partidários ou ao governo. Já é tempo mesmo de os adultos do PT agirem como adultos.
Os efeitos do desabamento mais citados pelo comentarismo político são supostos males para a reeleição e a urgência de rearrumação dos aliados na Câmara. Não há indicação, por ora, de que a chamada base governista tenha sofrido desarranjo maior, senão uma sinceridade transitória e facilitada pelo voto secreto. E, daqui à eleição/reeleição, o tempo é ainda longo demais para aceitar que uma eleição na Câmara a atinja com gravidade.


Texto Anterior: Recém-eleito discorre sobre bananas e CLT
Próximo Texto: Panorâmica - Justiça Federal: Atendimento ao público é suspenso em SP e MS
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.