São Paulo, domingo, 17 de março de 2002

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ELIO GASPARI

O governo está pintando o oito com o dinheiro alheio

Outro dia FFHH reclamou da maneira como o Fundo Monetário Internacional trata a patuléia que lhe pede dinheiro: "Como se alguns de nós fossemos analfabetos. Não somos".
Talvez sejam ou, pelo menos, uma parte de sua própria ekipepolítica acha que são. O Palácio do Planalto acaba de iniciar uma ofensiva de propaganda que só pode partir de cabeças que não respeitam a inteligência dos contribuintes e os padrões de compostura necessários a um governo num ano eleitoral.
Começaram a festa no domingo passado e deverão continuá-la por mais três semanas. Trata-se de mais um exemplo do processo de mexicanização da política brasileira. Nele, a máquina do Estado associa-se à plutocracia e, sem constrangimentos, torra o dinheiro do erário em benefício da sua perpetuação no poder.
A empulhação começa pelas empresas que pagarão a festa publicitária. Todas estatais. Por enquanto, roda o paganini do Banco do Brasil. Entrarão em seguida a Petrobras, a Eletrobrás, Furnas, os Correios e o Ministério do Planejamento. Entrará também a Caixa Econômica, que acaba de oferecer à Viúva um prejuízo de R$ 4,45 bilhões. Ninguém sabe o custo global dessa brincadeira, e o Banco do Brasil, por exemplo, não revela a parte que lhe coube. No chute, o total ficará em torno de R$ 50 milhões, com as estatais torrando descontos e bonificações que resultam de suas operações rotineiras. É apropriação indébita. Se a Shell consegue custos de veiculação mais baixos porque anuncia seus produtos, a Petrobras torna-se menos competitiva quando transfere essa mesma vantagem para custear desígnios do Planalto.
Depois de ter jogado a reputação das empresas estatais (e de seus corpos técnicos) na lama, o governo volta ao velho truque de usar o dinheiro das Brás para fazer propaganda (eleitoral) daquilo que considera seu excelente desempenho.
Num lance genérico, a Secretaria de Comunicação da Presidência mudou a marca oficial da propaganda do tucanato. Até agora, falava-se em "Governo Federal". Aboliram a denominação republicana, pintaram um oito e escreveram embaixo "Governo do Brasil". Na quinta-feira, FFHH tinha o "oitão" às suas costas numa cerimônia pública.
No jogo do bicho, o oito é camelo. No jogo mexicano, é o Selo Imperial. O governo fala de "oito anos construindo o futuro". FFHH só completará oito anos de reinado no dia de ir embora. Seria decente se começasse esse tipo de propaganda no dia seguinte à eleição de seu sucessor. Também seria decente se, em vez de comemorar o oito, tivesse festejado o sétimo aniversário, em janeiro passado. Algum sábio teve a idéia de encaixar o festejo no período que vai de março a 6 de abril. (A partir de 6 de julho, a Lei Eleitoral proíbe a propaganda oficial.) Só um analfabeto não perceberia que a ofensiva foi iniciada num período pré-eleitoral quando, por verdadeira coincidência, carbonizou-se uma candidatura presidencial. Essa é uma das principais características de uma política mexicanizada: a máquina do palácio faz o que precisa, e paga quem tem juízo.
Numa ironia novamente mexicana, o publicitário Nizan Guanaes, que catapultou Roseana Sarney das dunas maranhenses à ante-sala do Planalto, é também o maestro dessa nova criação. Num caso sem precedentes na história da propaganda política, Guanaes conseguiu produzir duas campanhas semi-adversárias e literalmente sucessivas. Numa, para Roseana, trabalhou a forma para não mostrar o conteúdo. Na outra, para FFHH, trabalhou o conteúdo para não mostrar a forma.
A ofensiva do Planalto assenta-se em testemunhos de personalidades. A doutora Zilda Arns, por exemplo, fala do apoio que recebeu para ampliar o campo de ação da Pastoral da Criança. Bem que poderiam lhe perguntar o nome do hierarca que, nesses oito anos, por pouco não a botou para fora da sala. O apoio de FFHH e José Serra à pastoral é uma jóia do governo. Usar a doutora Zilda em marquetagens desse tipo é queimar o filme dessa valorosa senhora.
Noutra peça, o industrial Jorge Gerdau, homem de posses e líder do grupo Ação Empresarial, elogia os últimos oito anos do Brasil. Informa que neles "o Estado mudou a sua relação com a sociedade, de paternalista e assistencialista para uma co-responsabilidade". Assim seria se o doutor Gerdau pagasse pelo anúncio com o dinheiro do seu bolso. Custaria menos que os R$ 500 mil que deu em 1998 à campanha de FFHH.
O Grupo Gerdau tem uma história de sucesso, enquanto o Banco do Brasil, nos últimos oito anos, já quebrou duas vezes, custando algo como US$ 12 bilhões à bolsa da Viúva. Se a publicidade na qual Gerdau aparece fosse paga com dinheiro da sua empresa, certamente já estariam no olho da rua os marquetecas que o puseram na televisão. Num filme em que o som e a imagem estão descoordenados, ele ficou parecido com um professor de ginástica dublado, daqueles que a gente vê nos canais de venda de aparelhos de malhação.
Salvo pelo texto do presidente da Embraer, Maurício Botelho, a parolagem dos anúncios do Banco do Brasil é uma catedral de platitudes. Tipo "o futuro já chegou". Ou de pernosticismo verbal: "A utilização de tecnologias de qualidade total transforma o Brasil em um exército de empresas com patamares de produtividade "bench-mark" mundial".
A melhor publicidade que FFHH poderia fazer do seu governo seria mandar atirar ao lixo essa empulhação e devolver o "oitão" do camelo ao jogo do bicho. O dinheiro economizado iria para a Pastoral da Criança. Daria ao governo a legítima publicidade do mérito.

Clic
O governador Tasso Jereissati foi informado por pessoa de sua confiança e reconhecidos conhecimentos de que seu telefone esteve grampeado nos últimos meses.
Quem lhe falou viu as peças que durante a ditadura eram chamadas de "Dragão". O apelido deriva das iniciais D.G., de Distribuidor Geral, o ponto das centrais telefônicas onde eram colocados os grampos.

Parafuso solto
O deputado Márcio Fortes, secretário-geral do PSDB, pode saber o que faz e o que não faz. Uma coisa é certa: em Fortaleza, durante a reunião do BID, ele padeceu de uma disfunção que o levava a não perceber qual era o seu lugar. Num almoço, sentou-se na cadeira destinada ao embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, com a naturalidade de um potentado saudita. Teve um desempenho hilário. A certa altura, surpreendeu o presidente do BID. Disse o seguinte:
"Enrique [Iglesias, para os íntimos", eu vou levar o Serra a Washington, mas só farei isso quando você estiver lá. Precisamos combinar".
Serra e Iglesias conhecem-se há mais de 30 anos. O tucanato já pagou a conta de um parafuso solto nas linhas de transmissão de Furnas. Ou se cuida, ou vai ter que encarar uma apagão político.

Uma proposta criativa: o Probanca
Eremildo é um idiota, acredita em tudo o que o governo diz. Vota em qualquer candidato que tenha o apoio de FFHH. Não concorda com uma única palavra do que está escrito aí em cima.
O idiota resolveu colaborar com a ofensiva do governo. Lançou o PRI. Nada a ver com o grande partido que dominou a política mexicana. É o Programa de Reconhecimento do Idiota.
Ele acha que as estatísticas provam que o governo de FFHH é a melhor coisa do mundo, precisando apenas de alguns ajustes. Colaborando com os sábios de Brasília, inscreve-se na campanha do "oitão", oferecendo-lhe números e propostas. A primeira:
Entre 1996 e 2001, a coleta de impostos cresceu 42,73%, mas o crescimento da arrecadação junto ao sistema financeiro ficou em apenas 11%.
Nos oito anos festejados pelo Planalto, o lucro das dez maiores casas de crédito dobrou, enquanto o Imposto de Renda que pagaram caiu à metade em termos relativos. Já a arrecadação sobre a renda das pessoas físicas aumentou em 53,6%.
Eremildo acha que o Banco do Brasil deve ensinar o seguinte: nesse ritmo, em 2010 só as pessoas físicas pagarão impostos. Cria-se o Probanca e, com menos do que se gastou com o Proer, faz-se de cada brasileiro um banqueiro. De saída, abrem-se em São Paulo 570 mil novos bancos. Afinal esse é o número dos postos de trabalho que desapareceram da indústria paulista durante os "oito anos construindo o futuro".
Em 1998, arrecadando doações para a campanha pela reeleição de FFHH, a coligação governista amealhou R$ 43 milhões. Das pessoas físicas, recebeu a mixaria de R$ 913 mil. Oito pessoas jurídicas deram mais de R$ 1 milhão. Três dessas generosas pessoas eram bancos. Somados, pingaram R$ 4,8 milhões.
Eremildo é um idiota, mas entendeu o que significa a expressão "co-responsabilidade". As pessoas físicas, que pouparam durante a campanha, pagaram durante o governo. As pessoas banqueiras, que gastaram durante a campanha, pouparam durante o governo.

Uma pista para o sucesso da Sucesso
Ave Maria, cheia de graça, mãe dos procuradores, rogai por nós. Deve-se à maravilhosa instituição do Ministério Público, à qual o doutor Ulysses Guimarães deu poderes na Constituição de 1988, uma grande mudança nos medos do andar de cima.
A construtora Sucesso terá de explicar aos homens da lei como o seu nome foi parar num envelope com parte do dinheiro que foi achado no escritório da empresa de Roseana Sarney e Jorge Murad.
Uma breve viagem ao passado dessa empresa informa o seguinte:
Em 1996, o DNER do Piauí fez três obras no Estado, todas sem licitação, todas ganhas pela Sucesso. Tratava-se de reformar em regime de emergência duas estradas avariadas pelas chuvas. Uma teria sido afetada em junho e outra, em novembro. Tudo bem, salvo que não chovia significativamente no Piauí desde abril de 1996. A terceira obra seria uma ponte sobre o rio Poti. A obra foi feita mais adiante, beneficiando o Shopping Teresina, do mesmo grupo da empreiteira.
Os funcionários que denunciaram essas bizarrias foram ameaçados e perseguidos.
Passaram-se dois meses, e FFHH recebeu dois parlamentares. Eram Luís Eduardo Magalhães e o senador Hugo Napoleão (ambos do PFL). Eles entregaram pessoalmente a FHC um dossiê com denúncias contra o DNER do Piauí. Era um feudo do deputado estadual Warton Santos, do PMDB, que colocara seu irmão Wilton na chefia do DNER do Estado. Em julho, o distinto foi inabilitado para o exercício de cargo público pelo Tribunal de Contas da União. Quando o Ministério dos Transportes disse que seria necessário dar ao acusado o direito de defesa, o senador Napoleão reclamou: "Isso é uma desculpa que eles encontraram para não punir os responsáveis".
Na mosca. O pai do sucesso da Sucesso, João Claudino, é um dos maiores empresários do Piauí. Ao que se sabe, passou ao largo de todos os inquéritos da casa da sogra em que o PMDB havia transformado o DNER. Tendo entregue a FFHH um santo dossiê em junho de 1997, o governador Hugo Napoleão, um dos caciques do PFL, pode se orgulhar de ter puxado o fio da meada. Agora os procuradores podem puxar a meada toda.

Tudo, menos isso
Para quem acredita que o PFL vai ficar na oposição:
José Sarney governava o Maranhão e chamou ao seu gabinete um deputado que vinha votando sistematicamente contra o governo. Deu-se o seguinte diálogo.
"Se você vota contra mim, não posso fazer nada, mas nesse caso o seu lugar é na bancada da oposição." "Governador, se o senhor quiser, demita meu pessoal. Pode até me perseguir, mas esse negócio de oposição, não. Não faça isso comigo."

Boa notícia
A Biblioteca John Carter Brown, da Universidade americana Brown, está concluindo o catálogo de sua coleção de livros relacionados com o Brasil e Portugal. É uma das melhores do mundo, com 1.300 volumes publicados até a primeira metade do século 19. Terá uma versão eletrônica e outra, num volume de 500 páginas, em papel.
Norman Fiering, diretor da biblioteca, já levantou US$ 135 mil dólares para custear o projeto. Faltam US$ 50 mil para as últimas despesas.
Não há no presente momento um outro projeto tão prestigioso precisando de tão pouco dinheiro para um propósito de tão alta qualidade.



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