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ARTIGO
A farsa de Collor
MARCO ANTONIO VILLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
NA ÚLTIMA quinta-feira, o Senado Federal
protagonizou mais um
triste espetáculo. O senador
Fernando Collor foi à tribuna e
discursou por mais de três horas. Foi aparteado diversas vezes, sempre com rasgados elogios. Chorou, assim como outros senadores choraram.
Se um estrangeiro estivesse
assistindo à sessão e desconhecesse a história recente do Brasil, poderia imaginar que o senador alagoano teria sido vítima de um processo cruel, de
uma injustiça sem tamanho.
Ledo engano.
Collor foi impedido de continuar na Presidência da República não por algum artifício
das elites, mas por ter ferido
gravemente a ética republicana. Depois de uma CPI -e com
um presidente, Benito Gama,
que era do PFL, partido que
apoiava o governo- foi pedido
o impeachment por uma ampla
gama de entidades da sociedade civil, lideradas pela OAB e
pela ABI, sem esquecer a participação do movimento estudantil, que liderou inúmeras
passeatas pelo Brasil. A Câmara
dos Deputados aprovou o impeachment por 441 votos a favor e apenas 38 contra. No Senado, foram 76 favoráveis e cinco contra. De acordo com pesquisa do Datafolha, pouco antes do impedimento, 84% da
população considerava o governo ruim ou péssimo.
Portanto, o resultado do processo não foi uma armadilha da
elite contra o presidente dos
"descamisados", mas produto
de dois anos e meio de um governo desastroso e que já tinha
anunciado seus "métodos de
trabalho" quando, às vésperas
do segundo turno da eleição
presidencial, em dezembro de
1989, levou ao horário eleitoral
gratuito uma ex-namorada de
Lula que o acusava de ter sugerido um aborto, depoimento
que foi decisivo para a vitória
de Collor.
Logo ao assumir congelou todos os ativos financeiros, infelicitando a vida de milhões de
brasileiros e arruinando a vida
de milhares de pequenos poupadores. Fez dois planos de estabilização econômica que fracassaram redondamente. A inflação em 1990 foi de 1.198%, no
ano seguinte "caiu" para 481% e
em 1992 chegou a 1.157% . O
crescimento do PIB foi negativo em 1990 (4,3%), quase nulo
no ano seguinte (0,3%) e voltou
a ser negativo em 1992 (0,8%).
Se os resultados econômicos
foram péssimos, pior ocorreu
com a ética republicana. Desde
a posse foram surgindo na imprensa diversas denúncias de
corrupção. Com o passar dos
meses, a figura sinistra de Paulo César Farias, ex-tesoureiro
da campanha de Collor, se
transformou em eminência
parda de negócios nebulosos
envolvendo empresas fornecedoras do governo federal. Em
1992, foi o próprio irmão do
presidente, Pedro Collor, que
denunciou um esquema de corrupção que supostamente envolvia PC Farias e Collor, motivo da abertura da CPI.
Vestir o figurino de republicano impoluto, buscar com
os assessores citações de autores clássicos, comparar-se com
outros presidentes (e com
exemplos equivocados, como a
"extradição" de Washington
Luís), falar com voz embargada, tudo foi uma farsa. Como
ensina o dicionário Houaiss:
"uma ação ou representação
que induz ao logro; mentira ardilosa, embuste".
MARCO ANTONIO VILLA, 50, é professor de
história da Universidade Federal de São Carlos
(SP) e autor de "Jango, um Perfil (1945-1964)".
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