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FAZENDEIRO DO AR
Documentos dizem que ministro da Previdência controla empresa através de Fundação e de firma dos filhos
Jucá desvia verba pública para TV, diz Receita
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BOA VISTA (RR)
Relatório confidencial da Receita Federal informa que o ministro
Romero Jucá (Previdência) "desviou" verbas públicas para um negócio privado. Chama-se TV Caburaí Ltda. Retransmite a programação da Rede Bandeirantes. Jucá dizia publicamente que nunca
teve nada a ver com o negócio. Os
papéis da Receita e outros documentos obtidos pela Folha indicam, porém, o contrário.
O ministro também é acusado
em outro casos, como as garantias
que deu a um empréstimo que tomou do Banco da Amazônia (Basa). Eram sete fazendas que, posteriormente, o Basa descobriu
que nunca existiram. Ele nega.
A história da TV
A TV Caburaí funciona numa
antiga casa de Romero Jucá
(PMDB), o nº 21 da alameda Canarinho, em Boa Vista. Um contrato de gaveta assegura à Uyrapuru Comunicações e Publicidade Ltda. a gestão do negócio. A firma pertence a quatro filhos do
ministro da Previdência: Rodrigo
de Holanda Jucá, Marina de Holanda Jucá, Ana Paula Surita da
Motta Macedo e Luciana Surita da
Motta Macedo.
Portento do mercado televisivo
de Boa Vista, a TV Caburaí é uma
ficção nos arquivos do Ministério
das Comunicações. Ali, a outorga
do canal televisivo gerido pelos
Jucá está registrada em nome da
Fundação de Promoção Social e
Cultural do Estado de Roraima.
No papel, a Fundação Roraima
é uma "filantrópica" privada, supostamente "sem fins lucrativos".
Na prática, informa o fisco, é um
braço financeiro de Romero Jucá.
Na última quarta-feira, o presidente da entidade, Getúlio de
Souza Oliveira, 62, correu ao Tabelionato Deusdete Coelho, de
Boa Vista. Souza Oliveira, dono
de um modesto escritório de contabilidade, foi ao cartório para autenticar assinaturas apostas num
"contrato particular de locação de
canal de televisão".
De acordo com o contrato, a
Fundação Roraima, dona oficial
da concessão do canal 8 de Boa
Vista, alugou a TV Caburaí e todo
"o seu espaço disponível para a
veiculação de anúncios e publicidade" à firma Uyrapuru.
Depois de 5 anos
Embora datado de 1º de outubro de 1999, o documento só teve
as assinaturas autenticadas em 13
de abril de 2005. Curiosamente, a
Folha publicara na véspera o teor
de um relatório em que a Receita
informa ter detectado na Fundação Roraima "desvios" de R$ 1,45
milhão (valor atualizado) em verbas públicas. Dinheiro aplicado,
segundo o fisco, no custeio de
despesas de Romero Jucá.
Getúlio de Souza Oliveira, o
contador que "preside" a Fundação Roraima, disse à Folha que a
Uyrapuru pertence a Geraldo Magela Fernandes da Rocha. A reportagem apurou que não é verdade. A Uyrapuru, de fato, foi
fundada por Fernandes da Rocha,
um conhecido de Romero Jucá,
morador de Brasília. Mas não pertence mais a ele.
Depois de assinar o "contrato de
locação" da TV Caburaí, Fernandes da Rocha transferiu a Uyrapuru os direitos de explorar a
emissora para os filhos do ministro. Os Jucá não desembolsaram
um único centavo na transação.
A assinatura do contrato que
confiou a gestão da TV Caburaí à
firma dos filhos de Jucá foi precedida de uma alteração no contrato social da emissora. Em 9 de julho de 1999, três meses antes da
entrada da Uyrapuru em cena, o
ministro da Previdência retirou-se formalmente da sociedade.
Embora negasse publicamente,
Jucá era mesmo sócio da TV Caburaí, em parceria com a Fundação Roraima. Cedeu suas cotas
(50%) a Márcio Vieira Oliveira.
Vem a ser filho do contador Souza
Oliveira, aquele que "preside" a
entidade "filantrópica".
"Com o papai"
Na época em que "adquiriu" as
cotas de Romero Jucá na TV Caburaí (9/7/99), Márcio Vieira Oliveira, hoje com 29 anos, tinha escassos 23. Na última quinta-feira,
a reportagem da Folha travou
com ele o seguinte diálogo:
- Por que o senhor se tornou
sócio da TV Caburaí?
- Colocamos no nosso nome
para poder trabalhar.
- Foi a convite de Romero Jucá? O senhor o conhece?
- Não. Foi através do papai.
No mesmo dia, a Folha conversou com Getúlio de Souza Oliveira, "o papai".
- Quanto o seu filho pagou para ingressar na sociedade que
controla a TV Caburaí?
- Como ela estava desativada,
pagou coisinha pequena.
Deu-se, na prática, o seguinte.
Os Jucá controlam, por meio da
Uyrapuru, o filé mignon do negócio: a concessão do canal de TV e a
correspondente comercialização
publicitária. Os Souza Oliveira gerem a Fundação Roraima que,
embora detentora da concessão
pública, recebe mensalmente irrisórios R$ 3.500 pelo aluguel.
A ingerência de Jucá na Fundação Roraima já havia sido mapeada pela Receita há uma década.
Auditoria concluída em 9 de janeiro de 1995 reconstituiu as origens da TV Caburaí, controlada
pela fundação. Descobriu-se que,
em 23 de julho de 1990, a fundação decidiu criar uma emissora de
TV. Abriu, em sociedade com Rubens Camargo Penteado, a TV
Caburaí de Roraima.
Em 28 de novembro de 1990,
Camargo Penteado deixou a sociedade. Cedeu as suas cotas
(50%) a Jucá. Nas palavras da Receita, o ministro "passou a gerenciar a empresa". Diz o fisco em
seu relatório: "Jucá e a Fundação
Roraima passaram a ser sócios da
empresa TV Caburaí de Roraima
Ltda.". A emissora traz na sua origem inversões "fraudulentas" de
dinheiro público.
A TV Caburaí ostentava o CNPJ
34.801.100/0001-39. Porém, em 4
de dezembro de 1992, criou-se a
Rede Caburaí de Comunicações.
Operava sob o CNPJ
22.907.505.0001-77, o mesmo da
Fundação Roraima.
TV Caburaí e Rede Caburaí
eram, na prática, a mesma personalidade jurídica. Uma emissora,
nas palavras do fisco, "indiretamente dirigida por Jucá". Diz ainda o relatório da Receita: "Os recursos auferidos com os serviços
da Rede Caburaí de Comunicação
eram canalizados para a conta
corrente 34210-4, na agência 250-X do Banco do Brasil em Boa Vista, gerida pela Rede Caburaí ".
Quanto às despesas da emissora, "eram contabilizadas nos livros contábeis da Fundação". Serviam, segundo o fisco, para "amparar o desvio de recursos por
meio de cheques, fora do alcance
da contabilidade da entidade".
"Nesse expediente", anotaram
os auditores da Receita, "eram
contabilizadas despesas incondizentes com os objetivos institucionais da entidade". A filantrópica pagava, por exemplo, os salários de funcionários que "prestavam serviços" à rede televisiva.
As notas fiscais emitidas pela
Rede Caburaí assemelhavam-se
às da TV Caburaí. Evidência, diz a
Receita, de que as duas eram "a
mesma firma". Ao utilizar o CNPJ
da Fundação, a Rede Caburaí caracterizou-se, nas palavras da Receita, como "firma fictícia".
Os auditores colheram o depoimento de Marco Roberto de Andrade. Trata-se de um ex-sócio de
Romero Jucá numa empresa chamada Editora Jornal "O Estado de
Roraima". Ele informou que "o
pseudônimo Rede Caburaí de Comunicação" escondia, de fato,
"uma empresa fictícia operada
por Romero Jucá (...)", com objetivo de lançar as despesas da TV
nos livros da Fundação Roraima.
Roberto de Andrade informou
também à Receita que elaborara
pessoalmente os estatutos da entidade "filantrópica". O texto previa a divulgação das atividades da
fundação "beneficente" em programas de "rádio e televisão educativa". A TV Caburaí, porém, extrapolou os estatutos.
Tornou-se ferramenta política
de Jucá. Além de retransmitir a
Bandeirantes, produz regionalmente 15% de sua programação.
Concede generosos espaços a Jucá e a seu grupo político.
Agora, ministro da Previdência,
Jucá é confrontado com o desafio
de cobrar dívidas de organizações
às quais a Receita diz que ele é vinculado. A Folha apurou que há na
Previdência débitos em atraso
atribuídos à Fundação Roraima.
Somam R$ 159,4 mil. Contra a TV
Caburaí há um: R$ 31,8 mil.
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