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NO PLANALTO
Romero Jucá, um ministro feito 110% de encrenca
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Desde que virou ministro,
Romero Jucá vem dedicando todo o seu tempo a provar
que não tem nada a ver com irregularidades. Já convenceu o Palácio do Planalto. José Dirceu até
saiu em sua defesa. Como de hábito, o chefão da Casa Civil sabe
o que faz. Seria mesmo tolice discutir com Jucá sobre perversões
administrativas. Ele é perito no
assunto.
O novo ministro da Previdência não entrou na política ontem.
Passeia por entre os cofres públicos há longos anos. Arrasta atrás
de si um casulo pegajoso de encrencas. Meteu-se em muitas
transações suspeitas. Porém, esquiva-se de condenações com galhardia. Faz jus ao sobrenome. O
Aurélio ensina que Jucá é sinônimo de "pau-ferro".
Pernambucano, Jucá chegou a
Brasília pelas mãos do grupo político do conterrâneo Marco Maciel. Mas foi nos fundões do país
que se fez próspero. Enxergou as
potencialidades de Roraima numa época em que aquele naco do
mapa do Brasil ainda era mero
território federal.
Jucá foi mandado para Roraima, como governador nomeado,
sob José Sarney. Os primeiros ruídos de suspeição soaram na prestação de contas que apresentou
ao TCU no exercício de 1989. Entre outros babados, foi acusado
de torrar dinheiro público em
promoção pessoal.
Distribuiu cadernos aos alunos
da rede oficial de Roraima. Traziam na contracapa uma mensagem ilustrada com a imagem do
governador. Abaixo da foto, o
nome do "patrocinador" do mimo: Romero Jucá.
A Constituição proíbe expressamente a confecção de peças
com nomes, símbolos e imagens
que caracterizem "promoção
pessoal". A defesa de Jucá foi considerada inconsistente. O tribunal rejeitou-lhe a escrituração. E
condenou-o, em 1992, a pagar
multa mixuruca. Coisa de R$ 20
mil, em valores de hoje.
Jucá protocolou nova defesa no
TCU. Alegou ter inserido a própria foto na contracapa dos cadernos sem "o intuito" de autopromover-se. Desejava apenas,
segundo declarou, enaltecer os
valores da "educação e do trabalho".
Em decisão indecente, o tribunal de contas acatou a impugnação. Os julgadores reafirmaram a
convicção de que a Constituição
fora "afrontada". No entanto,
mandaram ao lixo a decisão anterior. Segundo o novo acórdão,
Jucá não teve o "animus" da promoção pessoal. As contas de Roraima foram reabilitadas. A
multa foi anulada.
Antes mesmo de ser despachado para Roraima, Jucá já se havia revelado, à frente da Funai
(1986-1988), um administrador,
digamos, temerário. Sob sua gestão, madeireiros foram autorizados a abater árvores nobres,
mogno inclusive, em reservas indígenas.
Escudado em investigações da
Polícia Federal, o procurador da
República Juliano Villa-Verde de
Carvalho denunciou Jucá. O repórter recuperou a peça do procurador. É um libelo estarrecedor.
Diz o texto: "Cada contrato celebrado entre a Funai e as serrarias envolveu uma propina em
dinheiro, que era repartida entre
os funcionários da Funai diretamente responsáveis pela operação, cabendo sempre uma parte
para o presidente da Funai, destinada ao financiamento de suas
pretensões políticas".
O procurador acusou o hoje
ministro da Previdência de montar uma "quadrilha" na Funai.
Segundo a denúncia, Jucá "designou três homens de sua íntima
confiança para representá-lo nas
negociações criminosas".
Diz ainda o texto da denúncia:
"50% da propina" cobrada dos
madeireiros "era destinada a Romero Jucá", que vislumbrou na
exploração madeireira das reservas uma "mina de dinheiro".
O inquérito policial de que se
serviu o procurador Villa-Verde
contém depoimentos de madeireiros e de um sertanista que pertencia aos quadros da Funai.
Chama-se Francisco de Assis da
Silva.
Contou ter recebido de um assessor de Jucá proposta para negociar "com os indígenas" a exploração de madeira. Confessou
ter recebido dinheiro "como
adiantamento". Forneceu nomes, datas e lugares. Declarou
que Jucá participava da "partilha da venda de madeira dos índios".
À época da denúncia, 1995, Jucá já era senador. O exercício do
mandato conferia-lhe foro privilegiado. Só podia ser julgado pelo
STF. O processo morreu, porém,
antes de chegar ao Supremo. Feneceu nas mãos do então procurador-geral da República Geraldo Brindeiro.
Pernambucano como Jucá,
Brindeiro, "el engavetador",
mandou o caso Funai aos arquivos, em setembro de 1996, por
considerar que não havia nos autos senão "vagas suspeitas". Endossou, de resto, a tese de que,
ainda que pudessem ser comprovados, os supostos crimes já haviam sido alcançados pela "prescrição".
Brindeiro voltou a socorrer Jucá. Mandou à gaveta também o
caso da Fundação Roraima. Esse
mesmo que, temperado com revelações apimentadas da Receita
Federal, volta agora ao noticiário.
Embora inocente até que as
provas em contrário sejam efetivamente analisadas, Jucá não
parece pessoa talhada para o ministério. Qualquer ministério.
Difícil saber por que José Dirceu
defende o colega de maneira assim, tão enfática. Ganha um carro usado de Jucá quem souber informar as razões de que são feitas
as convicções de Dirceu.
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