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Legista aponta contradições em segunda perícia
DA REPORTAGEM LOCAL
Badan Palhares reconhece que
cometeu um erro primário em
agosto de 1996, quando assinou o
relatório pericial sobre as mortes
de Paulo César Farias e sua namorada. Nele não constava a altura
de Suzana Marcolino. "A altura
de Suzana é fundamental", escreveu o professor num artigo publicado pela Folha em setembro de
1997. "Estando errada, estará errado todo o resto, a começar pela
trajetória do tiro e por sua projeção em relação à parede trespassada pela bala." Em miúdos: se a
namorada de PC não tivesse a altura defendida pelo legista, a tese
do suicídio seria abalada no alicerce. E a altura da moça não estava no primeiro laudo.
Em março de 1997, respondendo a uma indagação da promotora Failde Mendonça, Badan Palhares informou que ela media
1,67 m. Dois meses depois, a equipe integrada por Daniel Muñoz e
Domingos Tochetto, tendo exumado o cadáver de Suzana Marcolino, divulgou o seu trabalho,
sustentando que ela media dez
centímetros menos, 1,57 m.
O legista da Unicamp não se
preocupou. No seu relatório estava registrada a altura do tesoureiro de Fernando Collor, 1,63 m.
Entre os que conheceram o casal,
era disseminada a avaliação de
que Suzana parecia mais alta que
PC. Entre os amigos e familiares
da jovem, no entanto, acreditava-se que ela usava saltos altíssimos
porque se considerava baixinha.
A discrepância dos laudos quanto
à altura de Suzana passou quase
despercebida até março de 1999,
quando o repórter Mario Magalhães publicou na Folha fotos inéditas mostrando que, mesmo
com sapatos de salto alto, Suzana
era mais baixa que o namorado.
Se PC media 1,63 m, era impossível que ela tivesse 1,67 m de altura.
Em "Homicídio seguido de suicídio", Badan Palhares e sua equipe não comentam as fotos publicadas pela Folha. Eles argumentam que, nas 18 horas de fitas de
vídeo documentando a perícia,
por três vezes, todas elas fora do
Instituto Médico Legal, o professor da Unicamp pergunta a altura
da vítima e diferentes técnicos
respondem "1,68 m". Ou seja, um
centímetro a mais que o registro
de Badan. Em nenhum momento
da fita o cadáver de Suzana aparece sendo medido, nem Badan se
refere à altura dela. O professor
argumenta que tanto a diferença
de um centímetro quanto a ausência de medição explícita têm
uma explicação lógica: a mesa de
necropsia era milimetrada. Diz
ter olhado o cadáver, em seguida
para as marcas milimetradas, e
anotado em seus papéis: "1,67 m".
No documento divulgado na
sexta, os legistas estranham que
os autores do segundo laudo tenham exumado e medido o cadáver de Suzana, chegado à mesma
altura ("distância vertix-calcânio:
1,67 m") e não a levem em consideração. A equipe integrada por
Muñoz e Tochetto usou um método indireto de cálculo: mediu os
ossos longos de Suzana, a tíbia e o
fêmur, aplicou no resultado uma
tabela derivativa internacional, a
de Trotter e Gleser, que tem um
erro-padrão de 2,9 cm para mais
ou para menos, e concluiu que ela
tinha 1,57 m de altura.
"A medição indireta, via fêmur
e tíbia, costuma ser usada em pesquisas arqueológicas, ou na ausência de partes do esqueleto, tanto que eu mesmo usei a tabela de
Trotter e Gleser quando analisei
as ossadas de Perus, que estavam
incompletas", diz Badan. "Mas
não entendo por que, com o cadáver medindo 1,67 m na frente, os
que divergem do nosso laudo optaram, sem qualquer explicação
escrita, pela medição indireta, sujeita a erros e imprecisões."
Fotos
No seu novo trabalho, Badan
Palhares e seus colegas fazem
uma reconstrução fotográfica da
altura de Suzana. Eles publicam
uma foto do cadáver dela na mesa
de necropsia milimetrada. A seguir, estampam ampliações da foto e detalhes de suas marcas milimétricas. Por fim, ampliam detalhes dela, para mostrar que a cabeça da namorada de PC estava
na marca de zero centímetro, e
seus pés nas imediações de 1,67 m
(veja fotos no quadro acima).
Na análise do crime, investigadores deram tiros dentro do quarto na casa de Guaxuma em que
PC e sua amante morreram. Os
disparos foram escutados no lugar onde os seguranças do empresário alagoano disseram que se
encontravam, apesar de eles afirmarem que não ouviram nenhum
tiro naquele dia. A explanação
dos membros da primeira equipe
de legistas é singela: "O fato de os
disparos serem audíveis não significa que obrigatoriamente tenham sido ouvidos", escrevem.
Badan Palhares diz que muitas
vezes só se escutam determinados
sons, como o de uma buzina e de
um instrumento musical, ou as
frases da conversa de uma mesa
ao lado num restaurante, quando
se está atendo a eles. "Os fortes
ventos, os ruídos provocados pela
turbulência do mar e a noite de
São João, com queima de fogos,
podem ter ajudado a camuflar os
sons dos tiros", escrevem os peritos. Como os telefonemas de Suzana ao dentista Fernando Colleone provam que Suzana estava
viva às 5h, não parece razoável dizer que ainda era "noite de São
João, com queima de fogos".
A primeira equipe que analisou
o cadáver de Suzana cometeu um
outro erro. Para aferir se havia resíduos de disparos de arma de fogo em suas mãos, os legistas colheram material da sua pele com
um algodão embebido em água
Perrier, tirada da garrafa que estava em cima do criado-mudo de
PC Farias. Já no necrotério, colheram uma segunda amostra, dessa
vez com algodão e soro fisiológico. Por fim, na exumação do cadáver feita oito dias depois da
morte, a pele das mãos da jovem
foi retirada e enviada à Unicamp.
Nesse momento, porém, o cadáver já havia sido lavado com escova e detergente. O procedimento mais aceito teria sido o de fixar
e tirar uma fita colante várias vezes nas mãos de Suzana. Assim,
todos todos os resíduos se colariam à fita, que seria avaliada em
laboratório. Isso porque a água
atua como solvente, prejudicando
a análise. Como se usou água mineral, as alterações foram maiores. A pele da mão de Suzana deveria ter sido retirada antes da lavagem e do enterro do cadáver.
Os exames residuais encontraram vestígios de pólvora na pele
de Suzana. Eles provam, na visão
de Badan, que ela manuseou uma
arma de fogo no dia em que morreu. Para comprovar que ela de fato disparou a arma, os livros de
referência médico-legal ensinam
que seria preciso encontrar em
seu corpo resíduos simultâneos
de bário, antimônio e chumbo.
Como o exame feito no Instituto
de Química encontrou apenas bário, numa quantidade mil vezes
maior do que numa pele normal,
os autores do segundo laudo escreveram: "Suzana Marcolino
não produziu tiro no dia do fato".
A conclusão, cartesiana: como ela
não atirou, não se suicidou.
"Chama a atenção o fato do bário estar mil vezes aumentado e
não terem sido encontrados antimônio e chumbo", reconhecem
os peritos no relatório de sexta
passada. "Sabe-se, entretanto,
que o antimônio é altamente solúvel em água, e esse corpo, particularmente nas áreas investigadas,
foi limpo pelo menos três vezes
com água". Para Badan, a presença de bário é indício de que Suzana disparou uma arma de fogo.
"O cigarro e o salame, assim como outros elementos, deixam
vestígios de bário, mas nunca, jamais, numa quantidade mil vezes
superior à normal", diz ele.
A equipe de Badan detectou, como afirma, uma "incoerência gritante" no segundo laudo. Três páginas depois de Muñoz e Tochetto
e seus colegas terem afirmado que
"Suzana Marcolino não produziu
tiro no dia do fato", eles escrevem
que "não há nos autos elementos
técnicos fidedignos que permitam afirmar com segurança que
Suzana tenha cometido suicídio.
Os exames e testes que realizamos
também não permitem afastar esta causa jurídica de morte". Se naquele dia Suzana "não produziu
tiro", por que então não afastar
definitivamente a possibilidade
dessa "causa jurídica de morte?"
(MARIO SERGIO CONTI)
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