São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2000


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Legista aponta contradições em segunda perícia

DA REPORTAGEM LOCAL

Badan Palhares reconhece que cometeu um erro primário em agosto de 1996, quando assinou o relatório pericial sobre as mortes de Paulo César Farias e sua namorada. Nele não constava a altura de Suzana Marcolino. "A altura de Suzana é fundamental", escreveu o professor num artigo publicado pela Folha em setembro de 1997. "Estando errada, estará errado todo o resto, a começar pela trajetória do tiro e por sua projeção em relação à parede trespassada pela bala." Em miúdos: se a namorada de PC não tivesse a altura defendida pelo legista, a tese do suicídio seria abalada no alicerce. E a altura da moça não estava no primeiro laudo.
Em março de 1997, respondendo a uma indagação da promotora Failde Mendonça, Badan Palhares informou que ela media 1,67 m. Dois meses depois, a equipe integrada por Daniel Muñoz e Domingos Tochetto, tendo exumado o cadáver de Suzana Marcolino, divulgou o seu trabalho, sustentando que ela media dez centímetros menos, 1,57 m.
O legista da Unicamp não se preocupou. No seu relatório estava registrada a altura do tesoureiro de Fernando Collor, 1,63 m. Entre os que conheceram o casal, era disseminada a avaliação de que Suzana parecia mais alta que PC. Entre os amigos e familiares da jovem, no entanto, acreditava-se que ela usava saltos altíssimos porque se considerava baixinha. A discrepância dos laudos quanto à altura de Suzana passou quase despercebida até março de 1999, quando o repórter Mario Magalhães publicou na Folha fotos inéditas mostrando que, mesmo com sapatos de salto alto, Suzana era mais baixa que o namorado. Se PC media 1,63 m, era impossível que ela tivesse 1,67 m de altura.
Em "Homicídio seguido de suicídio", Badan Palhares e sua equipe não comentam as fotos publicadas pela Folha. Eles argumentam que, nas 18 horas de fitas de vídeo documentando a perícia, por três vezes, todas elas fora do Instituto Médico Legal, o professor da Unicamp pergunta a altura da vítima e diferentes técnicos respondem "1,68 m". Ou seja, um centímetro a mais que o registro de Badan. Em nenhum momento da fita o cadáver de Suzana aparece sendo medido, nem Badan se refere à altura dela. O professor argumenta que tanto a diferença de um centímetro quanto a ausência de medição explícita têm uma explicação lógica: a mesa de necropsia era milimetrada. Diz ter olhado o cadáver, em seguida para as marcas milimetradas, e anotado em seus papéis: "1,67 m".
No documento divulgado na sexta, os legistas estranham que os autores do segundo laudo tenham exumado e medido o cadáver de Suzana, chegado à mesma altura ("distância vertix-calcânio: 1,67 m") e não a levem em consideração. A equipe integrada por Muñoz e Tochetto usou um método indireto de cálculo: mediu os ossos longos de Suzana, a tíbia e o fêmur, aplicou no resultado uma tabela derivativa internacional, a de Trotter e Gleser, que tem um erro-padrão de 2,9 cm para mais ou para menos, e concluiu que ela tinha 1,57 m de altura.
"A medição indireta, via fêmur e tíbia, costuma ser usada em pesquisas arqueológicas, ou na ausência de partes do esqueleto, tanto que eu mesmo usei a tabela de Trotter e Gleser quando analisei as ossadas de Perus, que estavam incompletas", diz Badan. "Mas não entendo por que, com o cadáver medindo 1,67 m na frente, os que divergem do nosso laudo optaram, sem qualquer explicação escrita, pela medição indireta, sujeita a erros e imprecisões."

Fotos
No seu novo trabalho, Badan Palhares e seus colegas fazem uma reconstrução fotográfica da altura de Suzana. Eles publicam uma foto do cadáver dela na mesa de necropsia milimetrada. A seguir, estampam ampliações da foto e detalhes de suas marcas milimétricas. Por fim, ampliam detalhes dela, para mostrar que a cabeça da namorada de PC estava na marca de zero centímetro, e seus pés nas imediações de 1,67 m (veja fotos no quadro acima).
Na análise do crime, investigadores deram tiros dentro do quarto na casa de Guaxuma em que PC e sua amante morreram. Os disparos foram escutados no lugar onde os seguranças do empresário alagoano disseram que se encontravam, apesar de eles afirmarem que não ouviram nenhum tiro naquele dia. A explanação dos membros da primeira equipe de legistas é singela: "O fato de os disparos serem audíveis não significa que obrigatoriamente tenham sido ouvidos", escrevem.
Badan Palhares diz que muitas vezes só se escutam determinados sons, como o de uma buzina e de um instrumento musical, ou as frases da conversa de uma mesa ao lado num restaurante, quando se está atendo a eles. "Os fortes ventos, os ruídos provocados pela turbulência do mar e a noite de São João, com queima de fogos, podem ter ajudado a camuflar os sons dos tiros", escrevem os peritos. Como os telefonemas de Suzana ao dentista Fernando Colleone provam que Suzana estava viva às 5h, não parece razoável dizer que ainda era "noite de São João, com queima de fogos".
A primeira equipe que analisou o cadáver de Suzana cometeu um outro erro. Para aferir se havia resíduos de disparos de arma de fogo em suas mãos, os legistas colheram material da sua pele com um algodão embebido em água Perrier, tirada da garrafa que estava em cima do criado-mudo de PC Farias. Já no necrotério, colheram uma segunda amostra, dessa vez com algodão e soro fisiológico. Por fim, na exumação do cadáver feita oito dias depois da morte, a pele das mãos da jovem foi retirada e enviada à Unicamp.
Nesse momento, porém, o cadáver já havia sido lavado com escova e detergente. O procedimento mais aceito teria sido o de fixar e tirar uma fita colante várias vezes nas mãos de Suzana. Assim, todos todos os resíduos se colariam à fita, que seria avaliada em laboratório. Isso porque a água atua como solvente, prejudicando a análise. Como se usou água mineral, as alterações foram maiores. A pele da mão de Suzana deveria ter sido retirada antes da lavagem e do enterro do cadáver.
Os exames residuais encontraram vestígios de pólvora na pele de Suzana. Eles provam, na visão de Badan, que ela manuseou uma arma de fogo no dia em que morreu. Para comprovar que ela de fato disparou a arma, os livros de referência médico-legal ensinam que seria preciso encontrar em seu corpo resíduos simultâneos de bário, antimônio e chumbo. Como o exame feito no Instituto de Química encontrou apenas bário, numa quantidade mil vezes maior do que numa pele normal, os autores do segundo laudo escreveram: "Suzana Marcolino não produziu tiro no dia do fato". A conclusão, cartesiana: como ela não atirou, não se suicidou.
"Chama a atenção o fato do bário estar mil vezes aumentado e não terem sido encontrados antimônio e chumbo", reconhecem os peritos no relatório de sexta passada. "Sabe-se, entretanto, que o antimônio é altamente solúvel em água, e esse corpo, particularmente nas áreas investigadas, foi limpo pelo menos três vezes com água". Para Badan, a presença de bário é indício de que Suzana disparou uma arma de fogo. "O cigarro e o salame, assim como outros elementos, deixam vestígios de bário, mas nunca, jamais, numa quantidade mil vezes superior à normal", diz ele.
A equipe de Badan detectou, como afirma, uma "incoerência gritante" no segundo laudo. Três páginas depois de Muñoz e Tochetto e seus colegas terem afirmado que "Suzana Marcolino não produziu tiro no dia do fato", eles escrevem que "não há nos autos elementos técnicos fidedignos que permitam afirmar com segurança que Suzana tenha cometido suicídio. Os exames e testes que realizamos também não permitem afastar esta causa jurídica de morte". Se naquele dia Suzana "não produziu tiro", por que então não afastar definitivamente a possibilidade dessa "causa jurídica de morte?"
(MARIO SERGIO CONTI)


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