São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2001

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CELSO PINTO

A marcha da insensatez

O governo deve formalizar amanhã a medida que transfere à Petrobras o custo da desvalorização cambial do preço do gás e garante o repasse deste custo para as tarifas, ao final de 12 meses. É a mesma solução sugerida há quase dois anos. Se tivesse sido aprovada naquela época, talvez tivesse garantido mais 10 mil MW de oferta de energia e adiado o risco do apagão.
Sem as termelétricas, que levam de 12 a 18 meses para serem construídas, e sem outros investimentos anteriores, o desastre foi inevitável. Quem acha mesmo que alguém pode ter ficado surpreso com a crise atual, precisa dar uma olhada no gráfico com a evolução do nível dos reservatórios do Sudeste nos últimos cinco anos. É a marcha da insensatez.
A energia hidrelétrica responde por 93% da energia do país, e o Sudeste representa 68% da capacidade dos reservatórios e 63% da geração total.
Qualquer criança, portanto, poderia ter descoberto que, se o nível dos reservatórios do Sudeste vem caindo, mês após mês, ano após ano, desde 1997, e se não há oferta adicional expressiva de outras fontes à vista, o final do filme é um apagão.
O gráfico revela coisa pior. No final de 1999, a situação dos reservatórios era ainda mais dramática (18% da capacidade) do que no final do ano passado (28%). Não se fez nada. Apostou-se num milagre pluviométrico -e ele veio.
Entre dezembro de 1997 e março de 1998, o nível subiu 17%; no mesmo período de 1998/99, subiu 25%. Entre 1999 e 2000, graças à chuva excepcional nos lugares certos, o nível saltou 40%.
Mesmo assim, basta olhar o gráfico para ver que a curva continuou a cair, ao ritmo de uns 10% ao ano. Neste ano, a sorte acabou e o milagre não veio: em março, o nível estava em apenas 34,5%; hoje está em 30%. O presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Mário Santos, calcula que 2002 começará com um nível de 12% e será muito difícil evitar um novo racionamento. Técnicos alertam que, quando os reservatórios operam a 10% da capacidade ou menos, perde-se a capacidade técnica de controlar apagões, ou seja, há o risco de blecautes selvagens.
Garantir o repasse da variação em dólar do gás pode dar vida às termelétricas. Mas há quem sustente que os investidores só virão mesmo se for garantido o repasse no preço do custo da desvalorização cambial da parcela do financiamento em dólar dos projetos. Tipicamente, as empresas investem com 30% de capital próprio e 70% de terceiros ("project finances" de dez anos de prazo ou mais). O BNDES já sinalizou que poderia bancar 30% do custo. Sobrariam 40% do custo para financiar em dólares.
Os Estados Unidos estão começando um programa de 1.300 termelétricas, o que atrairá muitas empresas que poderiam estar investindo no Brasil. Suponhamos que o Brasil precise bancar, além da variação do gás, o custo da variação cambial de 40% do financiamento em dólar para tocar o programa de 47 termelétricas (10 mil MW). Como isso se somaria a mais de 70 mil MW já existentes, significaria que, se a desvalorização fosse de 10% num ano, isso custaria cerca de 0,8% a mais na tarifa do consumidor no ano seguinte. Mesmo nessa hipótese extrema de garantia cambial, ela estaria longe de ser uma "dolarização" da tarifa, como alegaram os críticos de qualquer solução nessa direção, nos últimos dois anos.
A Petrobras, em qualquer hipótese, sairá ganhando. Há mais de um ano o gasoduto da Bolívia traz 17 milhões de metros cúbicos de gás, que podem virar 30 milhões com mais compressão, e só se consome 10 milhões. A crise da energia vai garantir clientes para o gás da Petrobras, que é pago mesmo sem ser vendido, e alavancar seus resultados.
O mercado, aliás, continua animado com a Petrobras. Depois de colocar US$ 450 milhões em bônus (com uma demanda de US$ 900 milhões), dia 3, com prazo de 8,5 anos e prêmio 3,6 pontos percentuais abaixo do pago pelo governo brasileiro, a Petrobras está negociando outra emissão parecida, com prazo maior e mesmo custo. Está fechando, também, uma operação de venda e aluguel de plataforma, de US$ 150 milhões, a 9,5% ao ano.
E está começando a montar outra operação muito interessante. Aproveitando o fato de que se transformou na maior exportadora brasileira no primeiro trimestre, a empresa quer fazer uma grande securitização de exportação, onde uma seguradora assumiria o risco e transformaria o papel em risco AAA. A expectativa é que a operação seja de dez anos e seu custo seja de apenas 8%, quase 2 pontos abaixo do último bônus.

BC tranquilo
O Banco Central fez, recentemente, uma Inspeção Geral Consolidada (IGC) no Banco Mercantil de São Paulo. Uma alta fonte do BC garante que o IGC mostrou um banco sólido e sem problemas patrimoniais.
Quatro interessados, entre eles o Citibank, conversaram mais seriamente com o Mercantil. Uma oferta chegou a três vezes o valor patrimonial. Dois obstáculos têm sido a insistência do Mercantil em manter o controle operacional e não ceder a maioria ao novo sócio, nem num prazo mais longo.
Recentemente, o Mercantil declarou não estar mais interessado em vender ou associar-se com ninguém.
A alta fonte do BC assegura que a situação do Mercantil é boa e a desmobilização foi um sucesso. A médio prazo, pode haver correção de rumos, mas é uma questão de anos e não de meses.
E-mail - CelPinto@uol.com.br

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