|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CELSO PINTO
A marcha da insensatez
O governo deve formalizar
amanhã a medida que
transfere à Petrobras o custo da
desvalorização cambial do preço do gás e garante o repasse
deste custo para as tarifas, ao final de 12 meses. É a mesma solução sugerida há quase dois anos.
Se tivesse sido aprovada naquela época, talvez tivesse garantido mais 10 mil MW de oferta de
energia e adiado o risco do apagão.
Sem as termelétricas, que levam de 12 a 18 meses para serem
construídas, e sem outros investimentos anteriores, o desastre
foi inevitável. Quem acha mesmo que alguém pode ter ficado
surpreso com a crise atual, precisa dar uma olhada no gráfico
com a evolução do nível dos reservatórios do Sudeste nos últimos cinco anos. É a marcha da
insensatez.
A energia hidrelétrica responde por 93% da energia do país, e
o Sudeste representa 68% da capacidade dos reservatórios e
63% da geração total.
Qualquer criança, portanto,
poderia ter descoberto que, se o
nível dos reservatórios do Sudeste vem caindo, mês após mês,
ano após ano, desde 1997, e se
não há oferta adicional expressiva de outras fontes à vista, o final do filme é um apagão.
O gráfico revela coisa pior. No
final de 1999, a situação dos reservatórios era ainda mais dramática (18% da capacidade) do
que no final do ano passado
(28%). Não se fez nada. Apostou-se num milagre pluviométrico -e ele veio.
Entre dezembro de 1997 e
março de 1998, o nível subiu
17%; no mesmo período de
1998/99, subiu 25%. Entre 1999 e
2000, graças à chuva excepcional nos lugares certos, o nível
saltou 40%.
Mesmo assim, basta olhar o
gráfico para ver que a curva
continuou a cair, ao ritmo de
uns 10% ao ano. Neste ano, a
sorte acabou e o milagre não
veio: em março, o nível estava
em apenas 34,5%; hoje está em
30%. O presidente do Operador
Nacional do Sistema Elétrico,
Mário Santos, calcula que 2002
começará com um nível de 12%
e será muito difícil evitar um
novo racionamento. Técnicos
alertam que, quando os reservatórios operam a 10% da capacidade ou menos, perde-se a capacidade técnica de controlar apagões, ou seja, há o risco de blecautes selvagens.
Garantir o repasse da variação em dólar do gás pode dar vida às termelétricas. Mas há
quem sustente que os investidores só virão mesmo se for garantido o repasse no preço do custo
da desvalorização cambial da
parcela do financiamento em
dólar dos projetos. Tipicamente,
as empresas investem com 30%
de capital próprio e 70% de terceiros ("project finances" de dez
anos de prazo ou mais). O
BNDES já sinalizou que poderia
bancar 30% do custo. Sobrariam 40% do custo para financiar em dólares.
Os Estados Unidos estão começando um programa de 1.300
termelétricas, o que atrairá
muitas empresas que poderiam
estar investindo no Brasil. Suponhamos que o Brasil precise
bancar, além da variação do
gás, o custo da variação cambial
de 40% do financiamento em
dólar para tocar o programa de
47 termelétricas (10 mil MW).
Como isso se somaria a mais de
70 mil MW já existentes, significaria que, se a desvalorização
fosse de 10% num ano, isso custaria cerca de 0,8% a mais na
tarifa do consumidor no ano seguinte. Mesmo nessa hipótese
extrema de garantia cambial,
ela estaria longe de ser uma
"dolarização" da tarifa, como
alegaram os críticos de qualquer
solução nessa direção, nos últimos dois anos.
A Petrobras, em qualquer hipótese, sairá ganhando. Há
mais de um ano o gasoduto da
Bolívia traz 17 milhões de metros cúbicos de gás, que podem
virar 30 milhões com mais compressão, e só se consome 10 milhões. A crise da energia vai garantir clientes para o gás da Petrobras, que é pago mesmo sem
ser vendido, e alavancar seus resultados.
O mercado, aliás, continua
animado com a Petrobras. Depois de colocar US$ 450 milhões
em bônus (com uma demanda
de US$ 900 milhões), dia 3, com
prazo de 8,5 anos e prêmio 3,6
pontos percentuais abaixo do
pago pelo governo brasileiro, a
Petrobras está negociando outra emissão parecida, com prazo
maior e mesmo custo. Está fechando, também, uma operação de venda e aluguel de plataforma, de US$ 150 milhões, a
9,5% ao ano.
E está começando a montar
outra operação muito interessante. Aproveitando o fato de
que se transformou na maior
exportadora brasileira no primeiro trimestre, a empresa quer
fazer uma grande securitização
de exportação, onde uma seguradora assumiria o risco e transformaria o papel em risco AAA.
A expectativa é que a operação
seja de dez anos e seu custo seja
de apenas 8%, quase 2 pontos
abaixo do último bônus.
BC tranquilo
O Banco Central fez, recentemente, uma Inspeção Geral
Consolidada (IGC) no Banco
Mercantil de São Paulo. Uma
alta fonte do BC garante que o
IGC mostrou um banco sólido e
sem problemas patrimoniais.
Quatro interessados, entre eles
o Citibank, conversaram mais
seriamente com o Mercantil.
Uma oferta chegou a três vezes o
valor patrimonial. Dois obstáculos têm sido a insistência do
Mercantil em manter o controle
operacional e não ceder a maioria ao novo sócio, nem num prazo mais longo.
Recentemente, o Mercantil declarou não estar mais interessado em vender ou associar-se
com ninguém.
A alta fonte do BC assegura
que a situação do Mercantil é
boa e a desmobilização foi um
sucesso. A médio prazo, pode
haver correção de rumos, mas é
uma questão de anos e não de
meses.
E-mail - CelPinto@uol.com.br
Texto Anterior: TV: Câmara estuda processar "Casseta" Próximo Texto: Panorâmica - Rio Grande do Sul: Olívio entrega proposta de mínimo Índice
|