São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 2006

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TODA MÍDIA

Nelson de Sá

O acordo e os mortos

E tome entrevista de governador, secretário, comandante-geral, delegado-geral -eles todos, o dia todo, para negar o acordo com o PCC.
Desde a madrugada na Globo e pela manhã na Jovem Pan, ao vivo, Claudio Lembo repetia:
- Não foi feito acordo, de maneira nenhuma... Não há nada do que se está fazendo fantasiosamente de um acordo.
Mas a Record abriu o dia com Britto Jr. noticiando o acordo e voltando ao tema seguidamente. O "Bom Dia Brasil", de seu lado, fazia contas e desconfiava:
- Em menos de quatro horas, todas as rebeliões terminaram.
Daí ao "SPTV", "o governador nega, mas todas as rebeliões terminaram de uma só vez".
 
Nos canais de notícias, início da tarde, apareceu o delegado-geral da Polícia Civil, em coletiva que já começou no assunto:
- Não, não houve acordo, não fazemos. Isso correu aí, estamos sabendo, muitos boatos.
"Boatos" que estavam nas primeiras páginas dos jornais e nas páginas iniciais dos sites -em enunciados como "Cúpula da facção ordena trégua" e "Governo negociou fim das rebeliões".
 
Fim de tarde e a Folha Online traz a manchete com a manifestação do comandante-geral da PM, já um pouco diferente:
- Polícia nega acordo, mas admite "conversa" com PCC.
O enunciado ecoaria depois na escalada dos telejornais, a começar do "Jornal da Record":
- Polícia Militar fez reunião com um chefe e uma advogada da facção criminosa. Um presidiário diz que houve acordo.
Depois, no "Jornal Nacional":
- Autoridades do governo negam ter fechado acordo com os criminosos, mas admitem que tiveram uma reunião com o chefe da facção, que não poderia ter recebido visita nenhuma.
 
A "conversa" contrastou, nas entrevistas e comentários ao longo do dia, com a escalada de mortes em operações policiais.
A Record saudou "a reação da polícia" e contou três dezenas de mortos. A rádio CBN e até o Google Notícias passaram a tarde contabilizando as mortes de "suspeitos". Da manchete do portal iG, no final da tarde:
- Polícia mata 33 suspeitos em menos de 24 horas em SP.
Nos telejornais locais, a imagem do dia trazia mais um ônibus queimado, só que desta vez por moradores revoltados com a polícia, pela morte de um jovem inocente (leia nota abaixo).
 
Nas entrevistas sem fim, eram os números da repressão, a começar dos mortos, que tentavam explicar a trégua do PCC, em contraposição ao tal acordo.
Do governador, saudando o "heroísmo" da polícia estadual:
- Nós conseguimos isso com grande esforço da nossa Polícia Militar e da nossa Polícia Civil.
O delegado-geral, na Globo News e na Band News, foi além -ao dar os números e ouvir de um repórter que os policiais estariam "executando pessoas de que nem se comprovou culpa":
- É grosseria contra a polícia. Mas a gente não pode punir a cogitação. Você, na sua cogitação, não está cometendo crime. A partir do momento em que falar que a polícia está cometendo algum crime, nós podemos responsabilizá-lo. Se houver alguém que fale em execução...


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Record/Reprodução
RASANTES A Record e, de passagem, a Globo noticiaram que "moradores de um conjunto atearam fogo num ônibus em represália à morte de um rapaz de 22 anos que, segundo os vizinhos, era trabalhador e foi morto por engano". Em uma "situação tensa", os manifestantes escreveram no asfalto "assassinos de farda" e "reportagem já". E "o helicóptero Águia da PM sobrevoou a região para afastar os moradores".

Dividir
Na submanchete da Folha Online, no meio da tarde, "PSDB e PFL querem dividir com o Planalto a responsabilidade pela violência". Seria uma "reação à possível ofensiva do PT contra Geraldo Alckmin".
Hoje FHC, Aécio Neves e Tasso Jereissati voltam a tratar da estratégia eleitoral -em Nova York, segundo o Globo Online.

Nacional
A Globo News chegou a ensaiar uma responsabilização do Planalto -com avaliações como "o problema é nacional" e, no momento de maior crítica:
- A segurança pública não é prioridade no governo Lula, assim como educação e saúde.
Mas o dia avançou e o alvo mudou, junto com o noticiário, para o Palácio dos Bandeirantes.

Teorias
A blogosfera tucana foi além do Planalto. O E-Agora começou dizendo que um ano atrás "o MST estava treinando bandidos do PCC". Depois, acresceu:
- Faz tempo que a imprensa denuncia a ligação das Farc com o crime organizado no Brasil.

Sem interação
Registre-se que a blogosfera brasiliense se viu atônita diante do caos, especulando, quando muito, sobre efeitos eleitorais. Apesar dos esforços do portal Terra, também o "jornalismo cidadão" pouco ou nada rendeu.
Sobrou a blogosfera internacional, com milhares de posts -como registrou o blog de mídia de Tiago Dória no portal iG.
@ - nelsondesa@folhasp.com.br

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