São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Auditoria do governo põe cúpula do Dnit sob suspeita

Relatórios dos Transportes vêem irregularidades em contratos dos últimos sete anos

Suspeita é que Gautama tenha levado um "extra" de R$ 4,5 milhões, além de ter assinado convênio para pontes que já existiam

Castelo Branco
Obra na BR-319, no Amazonas, tocada pela Gautama, responsável pelo asfaltamento nesse trecho


SILVIO NAVARRO
RANIER BRAGON

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Auditorias e relatórios internos do Ministério dos Transportes feitos após o estouro da Operação Navalha levantam suspeitas de que a cúpula do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) tenha feito, no mínimo, vista grossa ao esquema de fraudes em obras públicas tocadas pela construtora Gautama, do empresário Zuleido Veras, preso pela PF em 17 de maio.
Em meio a indícios de licitação fraudulenta, sobrepreço e prorrogações de contrato irregulares, há a suspeita de que a Gautama tenha levado um "extra" de R$ 4,5 milhões, sem justificativa, além de ter assinado convênio para erguer pontes que já existiam no Maranhão.
Os papéis obtidos pela Folha apontam para a existência de uma série de irregularidades nos contratos firmados nos últimos sete anos entre a Gautama e o Dnit. Os indícios de fraudes envolvem três grandes rodovias federais, as BRs 319 (Amazonas), 402 (Maranhão) e 242 (Bahia). A primeira delas foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento.
É a auditoria assinada pela Consultoria Jurídica do ministério no dia 29 de maio que relata o "presente" de R$ 4,5 milhões que teria sido dado à empreiteira de Zuleido em 2002, quando o contrato das obras da BR-319 foi transferido do extinto DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) para o Dnit, seu sucessor.
Segundo a perícia, a direção do Dnit ignorou um alerta interno para reduzir o contrato em R$ 4,5 milhões: de R$ 91,7 milhões para R$ 87,3 milhões. No documento, os auditores questionam: por que essa diferença jamais foi notada?
"A diferença não foi percebida por ninguém ao longo de todo o processo, o que acabou contaminando todos os reajustes e revisões feitos posteriormente", diz o laudo. O Dnit respondeu aos auditores: "Não foi encontrada no processo qualquer razão para não acatar a proposta de reduzir o valor em R$ 4,5 milhões. Deve ser investigado se ocorreu erro na lavratura ou se houve outro fato que precisa ser investigado."
Em outro trecho, ainda sobre a BR no Amazonas, os peritos perguntam "o que ocorreu com a diferença de R$ 2,4 milhões, que até o momento não foi explicada nos autos?". Referem-se a uma falha de prestação de contas no processo.
À época da cessão do contrato da BR-319, em dezembro de 2002, o ministro dos Transportes era João Henrique de Almeida e Souza, ex-deputado pelo PMDB. Posteriormente ele foi indicado por Eunício Oliveira (PMDB), então ministro das Comunicações, para presidir os Correios. Em 2005, a CPI dos Correios, que investigou o escândalo do mensalão, sugeriu o indiciamento de João Henrique por suspeita de improbidade administrativa.
"Se o extinto DNER ou o próprio Dnit tivessem avaliado de uma forma mais cuidadosa os atos praticados até aquele momento, a licitação deveria ter sido anulada", diz o relatório.
A partir de 2003, a pasta dos Transportes tornou-se cota do PR (então PL). O sucessor foi o atual prefeito de Uberaba (MG), Anderson Adauto. Hoje, o titular é Alfredo Nascimento, também do PR. Após o escândalo, ele cancelou os contratos.

Maranhão
O contrato para a construção de pontes que já existiam no Maranhão foi firmado no dia 29 de junho do ano passado, data limite para a assinaturas de convênios em ano eleitoral. Leva as assinaturas do diretor-geral do Dnit, Mauro Barbosa, do diretor de Infra-Estrutura, Hideraldo Caron, e do ex-governador do Estado José Reinaldo Tavares. Barbosa e Caron são citados nas escutas telefônicas do inquérito da PF. José Reinaldo chegou a ser preso na operação da PF.
Barbosa assumiu o cargo em 2005. Foi indicado pelo ex-líder do PR na Câmara Sandro Mabel (GO) e pelo ex-senador Maguito Vilela (PMDB-GO). Caron foi nomeado em 2003, indicado pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS).
O valor do convênio assinado era de R$ 170 milhões, sendo que R$ 153 milhões sairiam do caixa do Dnit. Após as denúncias, a perícia não só descobriu que quatro das sete pontes previstas já estavam erguidas, como encontrou algumas fora do traçado previsto no projeto da rodovia que se ligaria a elas.
Conforme relatório interno do Dnit, o engenheiro enviado para checar as obras afirma: "As pontes sobre os rios Formiga e Carrapato, segundo levantamento executado, foram construídas fora do traçado do projeto da rodovia". Na prática, estavam a uma distância de 300 e 100 metros do local previsto.
Cobrado pelos auditores, Caron respondeu que não sabia que as pontes já estavam de pé quando firmou o contrato, transferindo a responsabilidade para as autoridades do Maranhão, que não teriam alertado o Dnit quando da assinatura do convênio. Caron ressaltou que nenhum recurso foi repassado "nem será futuramente", concluindo não ver "nenhum prejuízo ao erário".
"Considerando a inexistência de supostas irregularidades graves na aprovação do convênio, entendemos pela desnecessidade de apuração de responsabilidade funcional", diz em sua resposta aos auditores.

Bahia
No Estado da Bahia, onde funcionava uma das sedes da Gautama, o contrato com a empreiteira previa inicialmente repasse de R$ 5,7 milhões para restauração da malha da BR-242. A auditoria reclama do sumiço de papéis referentes à licitação. Mas a falha mais grave detectada refere-se à prorrogação, em julho de 2005, de um contrato que havia expirado dois meses antes.
"O termo aditivo tem uma irregularidade incontornável, foi assinado quando já não mais vigia, e como não se prorroga o que não existe, temos que todos os pagamentos efetuados ao consórcio careceram de lastro contratual", diz o laudo da perícia. A conclusão dos auditores foi enfática: recomenda-se a apuração de responsabilidade.


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