São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Para Comissão de Anistia, reação do Exército é "natural"

Órgão do Ministério da Justiça foi criticado por militares depois de conceder a patente de coronel a Carlos Lamarca

Mesmo considerando que algumas indenizações são altas, Paulo Abrão disse que "o valor nunca pagará o preço de nenhuma tortura"

FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, disse anteontem que "era natural" a reação de integrantes do Exército à decisão de conceder a patente de coronel a Carlos Lamarca.
Mesmo considerando que algumas indenizações concedidas são altas demais, ele disse que "o valor nunca pagará o preço de nenhuma tortura".
"Era natural e esperada essa reação. Por isso, a Comissão de Anistia pensou muito, muito mesmo, para poder avaliar o caso Lamarca", disse Abrão.
Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Abrão disse ter presenciado, em seu primeiro julgamento no cargo, a forma como a "turbulência do regime militar ainda mexe com os brios daqueles que participaram ativamente daquele período, independente do lado em que estivessem inseridos".
A decisão da última quarta-feira gerou reações por parte de generais do Exército. O próprio comandante Enzo Martins Peri ligou para o ministro da Defesa, Waldir Pires, segundo a Folha apurou, pedindo interferência junto ao ministro da Justiça, Tarso Genro.
No dia seguinte, em uma palestra de Peri na sede do Clube Militar, no centro do Rio de Janeiro, Lamarca foi chamado de "desertor" e "autor de uma série de crimes".
O general-de-exército Luiz Cesário da Silveira Filho, comandante militar do Leste (responsável pelas tropas no Rio, Minas e no Espirito Santo), foi o mais enfático: "Tudo o que é falta grave que pode ser cometida esse assassino cometeu. E está sendo premiado aí! É lamentável, lamentável".
Paulo Abrão defendeu, entretanto, o papel da Comissão e afirmou que a decisão do caso Lamarca foi "eminentemente técnica". "Não fizemos nenhum juízo de valor em relação à militância do Lamarca. Nós simplesmente verificamos concretamente o fato deste requerente", afirmou.
"A ditadura produziu para ele algum prejuízo material? A justiça disse que sim. Ele, enquanto desertor pode ser anistiado? A justiça também disse sim", explicou, referindo-se a uma decisão da Justiça Federal de São Paulo de 1993, referendada pelo Superior Tribunal de justiça, em 2002.
"Nós asseguramos, portanto, a promoção dele a coronel de acordo com a decisão que a Justiça brasileira já tinha tomado", completou.
Para Abrão, o Brasil teria três opções para tratar do tema da anistia no final do regime ditatorial. Segundo ele, dois deles seriam extremos: o revanchismo contra os militares e, por outro lado, o simples esquecimento da questão. "O Brasil, entretanto, escolheu um caminho intermediário, criando uma lei que trata de indenizações", afirmou Abrão.
Criada em agosto de 2001, a Comissão de Anistia já analisou 29.079 pedidos, 55% deles, de acordo com dados da própria comissão, foram considerados procedentes.
De acordo com o ex-presidente Marcelo Lavenère, que ocupou o cargo durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 85% das indenizações deferidas pela comissão já foram pagas. Se todos os beneficiados tivessem recebido as indenizações, o Estado teria gasto um total de R$ 2,3 bilhões nos seis anos da existência do órgão.
Para Lavenère, o alto valor representa o prejuízo que a ditadura trouxe. "A culpa não é da comissão, não é do país, mas daquele regime que vigorou durante duas décadas", disse o ex-presidente da comissão.


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