|
Texto Anterior | Índice
Para Comissão de Anistia, reação do Exército é "natural"
Órgão do Ministério da Justiça foi criticado por militares depois de conceder a patente de coronel a Carlos Lamarca
Mesmo considerando que algumas indenizações são altas, Paulo Abrão disse que "o valor nunca pagará o preço de nenhuma tortura"
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O presidente da Comissão de
Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, disse anteontem que "era natural" a reação
de integrantes do Exército à decisão de conceder a patente de
coronel a Carlos Lamarca.
Mesmo considerando que algumas indenizações concedidas são altas demais, ele disse
que "o valor nunca pagará o
preço de nenhuma tortura".
"Era natural e esperada essa
reação. Por isso, a Comissão de
Anistia pensou muito, muito
mesmo, para poder avaliar o caso Lamarca", disse Abrão.
Professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, Abrão disse
ter presenciado, em seu primeiro julgamento no cargo, a
forma como a "turbulência do
regime militar ainda mexe com
os brios daqueles que participaram ativamente daquele período, independente do lado em
que estivessem inseridos".
A decisão da última quarta-feira gerou reações por parte de
generais do Exército. O próprio
comandante Enzo Martins Peri
ligou para o ministro da Defesa,
Waldir Pires, segundo a Folha
apurou, pedindo interferência
junto ao ministro da Justiça,
Tarso Genro.
No dia seguinte, em uma palestra de Peri na sede do Clube
Militar, no centro do Rio de Janeiro, Lamarca foi chamado de
"desertor" e "autor de uma série de crimes".
O general-de-exército Luiz
Cesário da Silveira Filho, comandante militar do Leste
(responsável pelas tropas no
Rio, Minas e no Espirito Santo), foi o mais enfático: "Tudo o
que é falta grave que pode ser
cometida esse assassino cometeu. E está sendo premiado aí!
É lamentável, lamentável".
Paulo Abrão defendeu, entretanto, o papel da Comissão e
afirmou que a decisão do caso
Lamarca foi "eminentemente
técnica". "Não fizemos nenhum juízo de valor em relação
à militância do Lamarca. Nós
simplesmente verificamos
concretamente o fato deste requerente", afirmou.
"A ditadura produziu para
ele algum prejuízo material? A
justiça disse que sim. Ele, enquanto desertor pode ser anistiado? A justiça também disse
sim", explicou, referindo-se a
uma decisão da Justiça Federal
de São Paulo de 1993, referendada pelo Superior Tribunal de
justiça, em 2002.
"Nós asseguramos, portanto,
a promoção dele a coronel de
acordo com a decisão que a
Justiça brasileira já tinha tomado", completou.
Para Abrão, o Brasil teria três
opções para tratar do tema da
anistia no final do regime ditatorial. Segundo ele, dois deles
seriam extremos: o revanchismo contra os militares e, por
outro lado, o simples esquecimento da questão. "O Brasil,
entretanto, escolheu um caminho intermediário, criando
uma lei que trata de indenizações", afirmou Abrão.
Criada em agosto de 2001, a
Comissão de Anistia já analisou 29.079 pedidos, 55% deles,
de acordo com dados da própria comissão, foram considerados procedentes.
De acordo com o ex-presidente Marcelo Lavenère, que
ocupou o cargo durante o primeiro mandato do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, 85%
das indenizações deferidas pela comissão já foram pagas. Se
todos os beneficiados tivessem
recebido as indenizações, o Estado teria gasto um total de R$
2,3 bilhões nos seis anos da
existência do órgão.
Para Lavenère, o alto valor
representa o prejuízo que a ditadura trouxe. "A culpa não é
da comissão, não é do país, mas
daquele regime que vigorou
durante duas décadas", disse o
ex-presidente da comissão.
Texto Anterior: Assembléia está com pauta lotada Índice
|