São Paulo, domingo, 17 de agosto de 1997.



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PROJETO EDITORIAL 1997
3. Um jornalismo cada vez mais crítico e mais criticado

A evolução do jornalismo brasileiro na década de 80 culminou com o impeachment do presidente da República em 1992, no qual a imprensa teve papel determinante. Os telejornais ganharam desenvoltura informativa, firmou-se nos meios impressos o prestígio de um profissionalismo independente, submetido apenas às forças de mercado. A democracia adquiriu consistência, conforme as instituições mostravam que podiam funcionar. Os meios de comunicação passaram a refletir pressões crescentes de democratização do poder público, expressas em timbre moralizador, tanto mais intensas quanto mais o Estado se mostrava incapaz de atender expectativas mínimas da população, represadas havia muito.
Entrou em grande evidência um jornalismo baseado na investigação, nem sempre conscienciosa, de irregularidades na administração pública, divulgadas de forma categórica, às vezes bombástica. O impeachment ocupa entre nós posição análoga à do caso Watergate na evolução da imprensa norte-americana, seja no sentido de ter revitalizado a função político-institucional do jornalismo, seja no de revelar falhas que o próprio aumento da influência dos meios de comunicação tornou patentes.
Assim como cresceu a percepção crítica da imprensa em relação aos poderes instituídos, especialmente os de natureza pública, aumentou também a recepção crítica dos meios de comunicação por parte da sua base social, o público que consome a mercadoria-informação. O mal-estar que cerca a imprensa passou a se traduzir em três acusações predominantes: ela seria superficial, invasiva e pessimista.
Em vez de se voltar para o esclarecimento de processos complexos e contraditórios a imprensa opta -de acordo com a primeira crítica- por pinçar seus fragmentos mais estridentes, praticando simplificações que só aparentemente refletem uma disposição crítica, na verdade conivente com as estruturas que finge ignorar. Para o segundo tipo de acusação, no afã de obter revelações chocantes a imprensa atropela quaisquer limites, sobrepondo um suposto interesse público, cuja extensão ela mesma estabelece, aos direitos individuais de privacidade e reputação. Tangida pela competição à busca do "furo pelo furo", permeada por uma atmosfera de descrença reinante nas redações, a imprensa adota uma linha destrutiva -daí o seu alegado pessimismo.
Não se trata de acusações descabidas, ainda que generalizem exceções, tomando-as por regra. Subordinado a um regime de pressa que faz parte de sua utilidade pública, o jornalismo está sujeito a erros e distorções, raramente premeditados. É argumentável que alguma incidência deles seja o preço a pagar para que a sociedade possa usufruir de um valioso patrimônio público, a livre circulação de informações e idéias. Mesmo assim, está claro que uma resposta para os problemas do jornalismo contemporâneo terá de corresponder à sensibilidade de parcelas crescentes do público, que reclamam um emprego mais criterioso do poder de informar.
Os objetivos a compatibilizar nem sempre parecem congruentes. Como praticar um jornalismo mais interessante (pois há queixas também nessa direção) e ao mesmo tempo mais ponderado? Como manter e até ampliar o diapasão de crítica, sem ferir direitos nem utilizar métodos capciosos? Como aprofundar os enfoques sem perder a necessária vivacidade jornalística? Como evitar tanto o conformismo como a crítica pela crítica? Mais especificamente, essas questões deverão assumir forma prática com a nova legislação de imprensa, que provavelmente tornará mais ágeis e frequentes as punições nos casos em que prevalecer, em juízo, o entendimento de que houve negligência ou abuso.


  • Caos da informação exige jornalismo mais seletivo, qualificado e didático
  • 1. Um panorama de mudanças na economia, na política e nas idéias
  • 2. Investimentos, novas tecnologias e pressões de mercado
  • 4. Seleção de fatos e compreensão de seus nexos num texto mais livre
  • 5. Treinamento, reciclagem e combate sistemático a erros
  • 6. Crítica, pluralidade e apartidarismo num espaço em reformulação
  • Saiba o que diziam os textos anteriores



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