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FOLCLORE POLÍTICO
O bagaço
PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO
Nos anos 50, Barretos, a terra
do peão boiadeiro, era também terra de política muito esquentada.
Basta dizer que um dos seus
prefeitos tinha o apelido de "Fecha a Roda". Qualquer desavença
e ele se engalfinhava com um adversário em plena praça pública.
O povo fechava a roda para ver a
pancadaria.
Pois bem, chegaram ao Palácio
do Governo boas notícias a respeito da eleição para prefeito em
Barretos.
O candidato apoiado pelo governador aparecia como grande
favorito, muito à frente de seu
principal adversário, um fazendeirão endinheirado e já com
bastante idade.
Com o fim de participar do comício final do candidato favorito
e selar sua vitória, duas figuras do
primeiro escalão do governo voaram para Barretos.
Logo ao chegar, foram levados
para o ponto de concentração de
uma enorme passeata que deveria caminhar pelas ruas da cidade e desembocar na praça do comício. A passeata era encabeçada
por duas filas de crianças com
bandeirinhas e flores. Na "comissão de frente", o candidato saudava o povo, ladeado pelos figurões da capital. Atrás, a banda e,
atrás de tudo, o povão.
Adentraram pela praça triunfalmente e, logo em seguida, começou o falatório. Tudo corria
normalmente quando um dos
oradores, num arroubo de entusiasmo, perguntou à multidão: "E
vocês acham que podemos entregar Barretos a esse bagaço?". A
alusão à avançada idade do candidato oponente provocou risos e
prolongados aplausos. Foi o bastante para que todos os oradores
passassem a escarnecer do "bagaço". Como que competindo por risos e aplausos, cada um deles
abordava diferentes aspectos risíveis da velhice.
Pra quê?
No dia seguinte, o velhinho, que
de bobo não tinha nada, mandou
fazer broches de lapela com um
pedacinho de bagaço de cana e os
dizeres: "Vote no Bagaço". Pegou.
A dose de caçoada em cima do
velho havia passado do limite,
provocando uma reversão no sentimento popular. No dia da eleição, todo mundo ostentava o tal
broche. O Bagaço ganhou de lavada.
Pois é, o povo se interessa por
ataques políticos e se diverte com
eles, mas repudia a humilhação
pública. Povo bom.
PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO, 72, ex-deputado federal pelo PT e membro da Assembléia Constituinte de 1988, escreve
às terças-feiras nesta seção
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