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São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003

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SAIA JUSTA

Assessoria do presidente procura evitar discurso longo do ditador

Lula teme ato antiamericano de Fidel

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nem a data de criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) nem o protecionismo dos países ricos a seus agricultores na OMC (Organização Mundial do Comércio). A maior preocupação da diplomacia brasileira hoje se chama Fidel Castro.
O ditador cubano propôs ao governo brasileiro receber Luiz Inácio Lula da Silva em Havana neste mês com um comício para "1 milhão de pessoas", segundo um auxiliar do presidente. A proposta assustou a equipe de Lula. A princípio, o presidente aceita, mas com duas condições.
A primeira é que o comício não se transforme num ato antiamericano, já que Lula passará por Cuba na sequência de uma viagem aos Estados Unidos. A segunda é mais prosaica, mas fundamental: que o discurso de Fidel não dure as três ou quatro horas habituais.
A Folha apurou que o embaixador do Brasil em Cuba, o ex-deputado federal Tilden Santiago, já foi acionado pelo Planalto para tratar da proposta de comício com as autoridades e mencionar particularmente a duração do discurso de Fidel.
Desde o início do ano, Cuba é tratada de forma cautelosa pela diplomacia brasileira e pelo PT, que tem laços históricos e afetivos com o regime castrista.
Lula e Fidel são amigos. O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, se exilou em Cuba quando foi perseguido pelo regime militar de 1964. Dirceu disse na posse que a geração brasileira que chegou ao poder era "devedora de Cuba" e que considera sua segunda pátria essa ilha caribenha de 12 milhões de habitantes.
Apesar disso, chegou a ser discutida no governo a conveniência de uma viagem a Cuba logo após a ida aos Estados Unidos, onde o presidente brasileiro abrirá a 58ª Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). No início do ano, Fidel ordenou uma onda de repressão com prisões e o fuzilamento de três dissidentes que sequestraram um barco para tentar fugir para os EUA, o que deixou o PT numa saia justa.

Gratidão
O governo ensaiou uma condenação das mortes, mas manteve intacta sua boa relação com Fidel. Apesar de estar ciente da possibilidade de se desgastar, Lula resolveu bancar a viagem.
O presidente brasileiro avalia que é uma demonstração de política externa independente e de gratidão a Fidel. Em 1995, um ano após Lula ter perdido uma eleição presidencial para o tucano Fernando Henrique Cardoso, Fidel, em visita ao Brasil, fez questão de ir a São Bernardo do Campo, no ABC paulista, abraçar Lula em sua casa. Aquele foi um ano duro para Lula.
Um auxiliar do presidente disse à Folha que ele acha até bom que Fidel reúna centenas de milhares de pessoas na praça da Revolução, palco tradicional de enormes comícios em Havana. No entanto, quer ter a certeza de que não embarcará numa encenação para hostilizar os Estados Unidos nem passar o constrangimento de ouvir Fidel discursar horas a fio. Do contrário, seria melhor um jantar daqueles de varar a noite.


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