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JANIO DE FREITAS
Gente desclassificada
É possível que esta disputa eleitoral sem teor e sem musculatura reflita um estado da população
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Na última reta, a campanha eleitoral
enfim exibe alguma agitação, com alvo
na disputa paulista e estilhaços na presidencial, mas como se quisesse fazer
um epílogo consagrador de sua peculiaridade: uma campanha mais longa
do que todas as anteriores e a única
sem uma só idéia em confronto. Quando as palavras vazias cederam lugar,
ocuparam-no desaforos adjetivosos,
que nem chegaram a ser acusações por
falta de substância. Por convenientes
cautelas, a nenhuma das partes interessou fazer mais do que a encenação
mambembe de sua alegada diferença,
incomprovável em tantos casos.
É possível que esta disputa eleitoral
sem teor e sem musculatura reflita um
estado da população, aturdida entre a
desagregação veloz de todos os costumes e o desconhecimento de possíveis
opções de futuro. Se, porém, a campanha não é tal reflexo, trata-se de uma
humilhação esmagadora imposta ao
eleitorado pela classe política, por intermédio das organizações inconfiáveis que são os partidos brasileiros. A
primeira hipótese é tentadora, mas a
segunda convive melhor com o desenrolar da realidade nas últimas décadas.
Acusações foram componente importante também nas disputas eleitorais pós-ditadura de Getúlio. Mas ao
lado do debate em torno das questões
mais relevantes em cada período. A
política para o petróleo, antes e depois
do monopólio; o aprimoramento do
processo eleitoral, a modernização
institucional, a dimensão das liberdades civis, modalidades de reforma
agrária, a reforma habitacional, as
prioridades da infra-estrutura do país,
e por aí afora. Era o Brasil em discussão, as opções postos diante do eleitorado. A ditadura militar retroagiu os
costumes políticos à idade da pedra -
em muitos sentidos bastante parecida
com o que poderia chamar-se, na história de Napoleão para cá, de idade militar.
A primeira campanha presidencial
da redemocratização, apesar de decidida com os recursos anti-éticos em
favor de Collor, buscou retomar o sentido de debate próprio das verdadeiras
campanhas presidenciais. Ulysses,
Covas, Brizola, Aureliano, e outros, vinham da cultura política anterior à ditadura, e a retomaram na medida das
circunstâncias. Na eleição seguinte,
debates e idéias foram substituídos
pela bandeira do Plano Real, e assim
novamente com Fernando Henrique
em 98. Em 2002, Serra calou suas
idéias, para não ser crítico de Fernando Henrique, enquanto Lula encenava
uma personagem adequada à grande
ansiedade de mudança. Se um não diz,
dois não debatem.
Outra novidade trazida pelas campanhas recentes é a do descompromisso entre as políticas do eleito e as
políticas que aparentou representar
para o eleitorado. Lula chegou ao extremo inimaginável, com evidente
questionamento dos seus valores morais. Mas o descumprimento de promessas e compromissos, compreensível em parte nos governos todos, já fora levado longe por Collor e por Fernando Henrique.
A margem de exercício da cidadania
que a classe política deixa à população
é, portanto, cada vez mais próxima dos
regimes militares. Apesar dos seus e
dos nossos pesares, o Judiciário é que
preserva o sentido de regime democrático. Para o demais, nós outros ficamos como cidadãos desclassificados:
cidadãos com a cidadania cassada pela
inutilidade.
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