São Paulo, segunda-feira, 17 de setembro de 2007

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ENTREVISTA DA 2ª/ROBERTO LAVAGNA

Presidenciável argentino quer cooperação entre sul-americanos, sem Chávez

"Brasil erra ao se ver como ator internacional central"

EX-MINISTRO DA ECONOMIA de Néstor Kirchner, Roberto Lavagna é agora um dos principais candidatos opositores à mulher do presidente argentino, Cristina Fernández de Kirchner, nas eleições de outubro. Tentando se distanciar dos problemas da gestão atual, ele não poupa a política externa do país, qualificando a proximidade com Chávez de "erro grave" e afirmando que Brasil e Argentina "dissimulam" a relação bilateral.

RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida pelo candidato da coalizão Uma Nação Avançada, que disputa a Presidência da Argentina, em Buenos Aires.

FOLHA - O sr. não teme que sua passagem pelo governo torne mais difícil para a população vê-lo como opositor?
LAVAGNA
- Provavelmente. Por isso nós não nos apresentamos como oposição, mas como uma alternativa, melhor que o governo, cuja idéia é fazer um programa para o futuro.

FOLHA - O sr. se define como peronista, mas está aliado ao radicalismo e enfrenta a candidata do peronismo. É mais um efeito da crise os partidos estarem mais fracos?
LAVAGNA
- Efetivamente. Em 2001 as pessoas saíram às ruas pedindo que se fossem todos os políticos e partidos. Isso não ocorre mais da mesma forma, mas no fundo há um divórcio entre os partidos e a sociedade, o que leva a essa fragmentação.

FOLHA - O que crê ser necessário, que surja um novo partido ou se restaurem os tradicionais?
LAVAGNA
- Essa é a grande diferença entre o governo e nós. O governo tem o objetivo de terminar com o peronismo e o radicalismo e começar um modelo ao estilo do que foi o PRI mexicano, quando havia um partido de pseudo-esquerda no governo e um partido de direita que dependia, financeiramente, do governo. O governo era direita e esquerda simultaneamente e não havia democracia. Já nós pensamos que o radicalismo e o peronismo deram ao país coisas tremendamente positivas. Também é certo que nos últimos anos cometeram muitos erros, mas esses são os partidos reais da Argentina. É preciso recuperá-los.

FOLHA - Sua resistência foi um grande entrave a que houvesse uma só candidatura da oposição. Por que essa resistência?
LAVAGNA
- Porque o que une essa oposição é o contra. Eles não têm nenhuma idéia sobre o futuro da Argentina. E não se constrói um país indo contra o governo, mas com uma visão positiva de onde se quer ir.

FOLHA - Todas as pesquisas apontam que Cristina será eleita no primeiro turno...
LAVAGNA
- Esqueça as pesquisas. Na Argentina os pesquisadores, em vez de usarem as pesquisas para sondar a opinião pública, utilizam-nas para induzir a opinião pública.

FOLHA - Em Córdoba, o segundo colocado na eleição para governador, Luis Juez, diz que houve fraude. O sr. pediu novas eleições...
LAVAGNA
- Antes de mais nada, que se faça a recontagem, voto a voto. Porque houve um "operativo" muito forte.

FOLHA - O sr. teme que possa haver fraude nas eleições de outubro?
LAVAGNA
- Em Córdoba houve; o mesmo pode ocorrer na eleição nacional. Mas precisamos tratar de evitá-lo a tempo.

FOLHA - Se Cristina ganhar a eleição, acredita que haverá alguma mudança no governo?
LAVAGNA
- Por que haveria mudanças se os erros mais graves, que foram cometidos no ano passado, foram várias leis defendidas pela senadora [como a reforma do Conselho de Magistratura, que aumentou o controle do governo sobre os juízes]? Por que tenho de pensar que a senadora, que disse estar de acordo inclusive com a intervenção política do Indec, o órgão que cuida das estatísticas, promoveria mudanças?

FOLHA - Quão grave é para a economia do país que os índices do Indec não sejam confiáveis?
LAVAGNA
- É muito grave. Um instituto de estatísticas deve dar dados concretos e objetivos. É como um exame médico. Quando o médico nos pede um exame é porque necessita de dados objetivos que lhe permitam fazer um diagnóstico. Mas, se o exame é falsificado, seguramente o diagnóstico e as soluções vão ser incorretos.

FOLHA - Se a inflação realmente é muito mais alta do que diz o governo, como freá-la?
LAVAGNA
- É preciso fazer um programa antiinflacionário. Quando eu ainda estava no ministério, em 2005, anunciei um fundo anticrise e uma política de promoção de investimentos e de emprego, medidas que aumentam o superávit fiscal e a oferta. Nenhuma dessas coisas o governo fez depois que eu saí.

FOLHA - A política econômica mudou muito após sua saída?
LAVAGNA
- Não é mais a mesma política. Há maior intervenção do Estado na economia, controles de preço, um forte aumento do gasto em subsídios.

FOLHA - Mas os resultados da economia são apontados como o principal ponto favorável ao governo.
LAVAGNA
- Claro, porque o governo tem hoje 2% de superávit fiscal, que é um pouco menos da metade daquele que nós deixamos. Mas, comparado ao tradicional na Argentina, continua sendo muito, porque antes do nosso programa econômico, sempre, durante 60 anos, houve déficit. Mas na economia não importa a foto, importa o filme. E a dinâmica é a forte erosão do superávit.

FOLHA - Como a crise dos mercados encontra a Argentina?
LAVAGNA
- Se as políticas forem corrigidas, a Argentina estará em condições de superar qualquer situação crítica. Se não forem corrigidas, provavelmente em algum ponto vamos nos complicar novamente.

FOLHA - O sr. pede agora que Kirchner demita o ministro do Planejamento, Julio de Vido, que seria o responsável maior pela corrupção. Mas ele foi seu colega de gabinete. O que mudou desde então?
LAVAGNA
- Antes de pedir a renúncia de fulano ou sicrano, é preciso mudar o sistema. É preciso eliminar os poderes extraordinários para manejar o Orçamento, coisa que eu havia feito em 2005, mas reimplantaram em 2006. Há uma estrutura que beneficia a corrupção e se expandiu no ano passado.

FOLHA - Sua sucessora, Felisa Miceli, era uma pessoa próxima ao sr. O que pensa do episódio do dinheiro achado no banheiro do ministério?
LAVAGNA
- Que decida a Justiça. Ao longo do último ano, à medida em que se foi concentrando toda a ação do governo em um só objetivo, que é a continuidade, começaram a ocorrer muito todas essas coisas.

FOLHA - Cristina Kirchner disse que a Argentina precisa voltar a estar no mundo. O governo Kirchner tirou a Argentina do mundo?
LAVAGNA
- Claro que sim. A Argentina hoje tem relações formais com muitos países; reais, só com Hugo Chávez na Venezuela e com o governo da Espanha, por meio da Repsol-YPF. Com o resto, são puramente formais. Em particular com o Brasil -de um lado e do outro dissimulam, nada mais.

FOLHA - O que o sr. mudaria da relação com o Brasil?
LAVAGNA
- Os sócios estratégicos da Argentina são Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai. Com esses sócios, trabalha-se no mundo. Porque nossos países, sozinhos, não bastam. O Brasil pensa que sim, mas o tempo lhe mostrará que não. A Argentina saiu do mundo, efetivamente, a partir da Cúpula das Américas em 2005. Isso foi duas semanas antes de que eu deixasse o governo e me convenceu da sua perda de rumo. Ali houve conflito com todos os países. Porque o comportamento da Argentina, muito impulsionado por Chávez, foi um comportamento para tirá-la do mundo.

FOLHA - E a volta ao mundo passa pelo Mercosul? O Mercosul deve ser fortalecido?
LAVAGNA
- Totalmente. Esse é um ponto central.

FOLHA - A Venezuela deve fazer parte desse fortalecimento?
LAVAGNA
- Com a agenda do Mercosul, sim. Com a agenda de Chávez, não. Se a agenda do Mercosul vai ser a agenda de Chávez, o melhor que podemos recomendar é que os Congressos do Paraguai e do Brasil não ratifiquem o tratado.

FOLHA - O que pensa da relação de Kirchner e Chávez?
LAVAGNA
- É um dos erros mais graves de política exterior que a Argentina já cometeu.

FOLHA - E o escândalo da mala passa por essa relação?
LAVAGNA
- Sim, claro. Esse tipo de situação, em que as relações dos Estados são postas em mãos de negócios mistos, públicos e privados, termina sempre mal. Como vai terminar mal a relação com a Espanha se não lhe tirarem das mãos da Repsol-YPF e puserem nas mãos da Chancelaria.

FOLHA - O sr. fez algumas críticas à posição do Brasil. São críticas ao país ou ao presidente Lula?
LAVAGNA
- Creio que há uma tendência por parte do Brasil de se pensar como um ator internacional central. É um ator importante, que hoje tem um peso político e econômico maior que o da Argentina, mas não acredito que, fora do grupo dos 20 na OMC, o Brasil possa ter peso nas negociações internacionais.

FOLHA - O que pensa do governo do presidente Lula?
LAVAGNA
- Sobre isso quem deve opinar são os brasileiros.

FOLHA - O que deve ser feito para recompor a relação Argentina-EUA?
LAVAGNA
- Devem-se fortalecer os processos de unidade na América Latina. Chávez, com uma verborragia muito pró-latino-americana, divide a América Latina. De um lado ficaram México, Brasil, Chile e Uruguai; do outro, Venezuela, Bolívia e Argentina. Não é dividindo a América Latina que nos faremos entender melhor pelas potências do Primeiro Mundo. É preciso recolocar a Argentina no mundo, abrindo conversações sérias e francas com os presidentes do Brasil, do Uruguai, do Chile; discutir que coisas se podem fazer junto nos fóruns internacionais.

FOLHA - O governo argentino nega que haja uma crise energética. Há uma crise energética na Argentina?
LAVAGNA
- Claro que há. A melhor prova é que se inverteram os papéis. Antigamente a Argentina vendia energia ao Brasil, agora lhe compra. Isso é um problema de gestão. Há quem creia que governar é fazer discursos e anúncios, mas governar é fazer as coisas.

FOLHA - Que pensa da política de direitos humanos de Kirchner?
LAVAGNA
- É correta na essência, mas Kirchner se equivoca ao usar politicamente o tema.

FOLHA - O que pensa da relação do governo Kirchner com a imprensa?
LAVAGNA
- É muito ruim. Faz parte da deterioração institucional: pressões sobre os juízes, os governadores, o Congresso, a imprensa. É necessário voltar a buscar um caminho mais democrático, revogando todas as leis aprovadas no ano passado.

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