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ENTREVISTA DA 2ª/ROBERTO LAVAGNA
Presidenciável argentino quer cooperação entre sul-americanos, sem Chávez
"Brasil erra ao se ver como ator internacional central"
EX-MINISTRO DA ECONOMIA de Néstor
Kirchner, Roberto Lavagna é agora um dos
principais candidatos opositores à mulher
do presidente argentino, Cristina Fernández de Kirchner, nas eleições de outubro. Tentando se
distanciar dos problemas da gestão atual, ele não poupa a política externa do país, qualificando a proximidade com Chávez de "erro grave" e afirmando que
Brasil e Argentina "dissimulam" a relação bilateral.
RODRIGO RÖTZSCH
DE BUENOS AIRES
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida
pelo candidato da coalizão Uma
Nação Avançada, que disputa a
Presidência da Argentina, em
Buenos Aires.
FOLHA - O sr. não teme que sua
passagem pelo governo torne mais
difícil para a população vê-lo como
opositor?
LAVAGNA - Provavelmente. Por
isso nós não nos apresentamos
como oposição, mas como uma
alternativa, melhor que o governo, cuja idéia é fazer um
programa para o futuro.
FOLHA - O sr. se define como peronista, mas está aliado ao radicalismo e enfrenta a candidata do peronismo. É mais um efeito da crise os
partidos estarem mais fracos?
LAVAGNA - Efetivamente. Em
2001 as pessoas saíram às ruas
pedindo que se fossem todos os
políticos e partidos. Isso não
ocorre mais da mesma forma,
mas no fundo há um divórcio
entre os partidos e a sociedade,
o que leva a essa fragmentação.
FOLHA - O que crê ser necessário,
que surja um novo partido ou se restaurem os tradicionais?
LAVAGNA - Essa é a grande diferença entre o governo e nós. O
governo tem o objetivo de terminar com o peronismo e o radicalismo e começar um modelo ao estilo do que foi o PRI mexicano, quando havia um partido de pseudo-esquerda no governo e um partido de direita
que dependia, financeiramente, do governo. O governo era
direita e esquerda simultaneamente e não havia democracia.
Já nós pensamos que o radicalismo e o peronismo deram
ao país coisas tremendamente
positivas. Também é certo que
nos últimos anos cometeram
muitos erros, mas esses são os
partidos reais da Argentina. É
preciso recuperá-los.
FOLHA - Sua resistência foi um
grande entrave a que houvesse uma
só candidatura da oposição. Por que
essa resistência?
LAVAGNA - Porque o que une
essa oposição é o contra. Eles
não têm nenhuma idéia sobre o
futuro da Argentina. E não se
constrói um país indo contra o
governo, mas com uma visão
positiva de onde se quer ir.
FOLHA - Todas as pesquisas apontam que Cristina será eleita no primeiro turno...
LAVAGNA - Esqueça as pesquisas. Na Argentina os pesquisadores, em vez de usarem as pesquisas para sondar a opinião
pública, utilizam-nas para induzir a opinião pública.
FOLHA - Em Córdoba, o segundo
colocado na eleição para governador, Luis Juez, diz que houve fraude.
O sr. pediu novas eleições...
LAVAGNA - Antes de mais nada,
que se faça a recontagem, voto a
voto. Porque houve um "operativo" muito forte.
FOLHA - O sr. teme que possa haver
fraude nas eleições de outubro?
LAVAGNA - Em Córdoba houve;
o mesmo pode ocorrer na eleição nacional. Mas precisamos
tratar de evitá-lo a tempo.
FOLHA - Se Cristina ganhar a eleição, acredita que haverá alguma
mudança no governo?
LAVAGNA - Por que haveria mudanças se os erros mais graves,
que foram cometidos no ano
passado, foram várias leis defendidas pela senadora [como a
reforma do Conselho de Magistratura, que aumentou o controle do governo sobre os juízes]? Por que tenho de pensar que a senadora, que disse estar
de acordo inclusive com a intervenção política do Indec, o
órgão que cuida das estatísticas, promoveria mudanças?
FOLHA - Quão grave é para a economia do país que os índices do Indec não sejam confiáveis?
LAVAGNA - É muito grave. Um
instituto de estatísticas deve
dar dados concretos e objetivos. É como um exame médico.
Quando o médico nos pede um
exame é porque necessita de
dados objetivos que lhe permitam fazer um diagnóstico. Mas,
se o exame é falsificado, seguramente o diagnóstico e as soluções vão ser incorretos.
FOLHA - Se a inflação realmente é
muito mais alta do que diz o governo, como freá-la?
LAVAGNA - É preciso fazer um
programa antiinflacionário.
Quando eu ainda estava no ministério, em 2005, anunciei um
fundo anticrise e uma política
de promoção de investimentos
e de emprego, medidas que aumentam o superávit fiscal e a
oferta. Nenhuma dessas coisas
o governo fez depois que eu saí.
FOLHA - A política econômica mudou muito após sua saída?
LAVAGNA - Não é mais a mesma
política. Há maior intervenção
do Estado na economia, controles de preço, um forte aumento do gasto em subsídios.
FOLHA - Mas os resultados da economia são apontados como o principal ponto favorável ao governo.
LAVAGNA - Claro, porque o governo tem hoje 2% de superávit
fiscal, que é um pouco menos
da metade daquele que nós deixamos. Mas, comparado ao tradicional na Argentina, continua sendo muito, porque antes do nosso programa econômico,
sempre, durante 60 anos, houve déficit. Mas na economia
não importa a foto, importa o
filme. E a dinâmica é a forte
erosão do superávit.
FOLHA - Como a crise dos mercados encontra a Argentina?
LAVAGNA - Se as políticas forem
corrigidas, a Argentina estará
em condições de superar qualquer situação crítica. Se não forem corrigidas, provavelmente
em algum ponto vamos nos
complicar novamente.
FOLHA - O sr. pede agora que Kirchner demita o ministro do Planejamento, Julio de Vido, que seria o responsável maior pela corrupção. Mas
ele foi seu colega de gabinete. O que
mudou desde então?
LAVAGNA - Antes de pedir a renúncia de fulano ou sicrano, é
preciso mudar o sistema. É preciso eliminar os poderes extraordinários para manejar o
Orçamento, coisa que eu havia
feito em 2005, mas reimplantaram em 2006. Há uma estrutura que beneficia a corrupção e
se expandiu no ano passado.
FOLHA - Sua sucessora, Felisa Miceli, era uma pessoa próxima ao sr. O
que pensa do episódio do dinheiro
achado no banheiro do ministério?
LAVAGNA - Que decida a Justiça. Ao longo do último ano, à
medida em que se foi concentrando toda a ação do governo
em um só objetivo, que é a continuidade, começaram a ocorrer muito todas essas coisas.
FOLHA - Cristina Kirchner disse que
a Argentina precisa voltar a estar no
mundo. O governo Kirchner tirou a
Argentina do mundo?
LAVAGNA - Claro que sim. A Argentina hoje tem relações formais com muitos países; reais,
só com Hugo Chávez na Venezuela e com o governo da Espanha, por meio da Repsol-YPF.
Com o resto, são puramente
formais. Em particular com o
Brasil -de um lado e do outro
dissimulam, nada mais.
FOLHA - O que o sr. mudaria da relação com o Brasil?
LAVAGNA - Os sócios estratégicos da Argentina são Brasil,
Chile, Uruguai e Paraguai. Com
esses sócios, trabalha-se no
mundo. Porque nossos países,
sozinhos, não bastam. O Brasil
pensa que sim, mas o tempo lhe
mostrará que não.
A Argentina saiu do mundo,
efetivamente, a partir da Cúpula das Américas em 2005. Isso
foi duas semanas antes de que
eu deixasse o governo e me
convenceu da sua perda de rumo. Ali houve conflito com todos os países. Porque o comportamento da Argentina, muito impulsionado por Chávez,
foi um comportamento para tirá-la do mundo.
FOLHA - E a volta ao mundo passa
pelo Mercosul? O Mercosul deve ser
fortalecido?
LAVAGNA - Totalmente. Esse é
um ponto central.
FOLHA - A Venezuela deve fazer
parte desse fortalecimento?
LAVAGNA - Com a agenda do
Mercosul, sim. Com a agenda
de Chávez, não. Se a agenda do
Mercosul vai ser a agenda de
Chávez, o melhor que podemos
recomendar é que os Congressos do Paraguai e do Brasil não
ratifiquem o tratado.
FOLHA - O que pensa da relação de
Kirchner e Chávez?
LAVAGNA - É um dos erros mais
graves de política exterior que a
Argentina já cometeu.
FOLHA - E o escândalo da mala passa por essa relação?
LAVAGNA - Sim, claro. Esse tipo
de situação, em que as relações
dos Estados são postas em
mãos de negócios mistos, públicos e privados, termina sempre mal. Como vai terminar
mal a relação com a Espanha se
não lhe tirarem das mãos da
Repsol-YPF e puserem nas
mãos da Chancelaria.
FOLHA - O sr. fez algumas críticas à
posição do Brasil. São críticas ao país
ou ao presidente Lula?
LAVAGNA - Creio que há uma
tendência por parte do Brasil
de se pensar como um ator internacional central. É um ator
importante, que hoje tem um
peso político e econômico
maior que o da Argentina, mas
não acredito que, fora do grupo
dos 20 na OMC, o Brasil possa
ter peso nas negociações internacionais.
FOLHA - O que pensa do governo
do presidente Lula?
LAVAGNA - Sobre isso quem deve opinar são os brasileiros.
FOLHA - O que deve ser feito para
recompor a relação Argentina-EUA?
LAVAGNA - Devem-se fortalecer
os processos de unidade na
América Latina. Chávez, com
uma verborragia muito pró-latino-americana, divide a América Latina. De um lado ficaram
México, Brasil, Chile e Uruguai;
do outro, Venezuela, Bolívia e
Argentina. Não é dividindo a
América Latina que nos faremos entender melhor pelas potências do Primeiro Mundo.
É preciso recolocar a Argentina no mundo, abrindo conversações sérias e francas com
os presidentes do Brasil, do
Uruguai, do Chile; discutir que
coisas se podem fazer junto nos
fóruns internacionais.
FOLHA - O governo argentino nega
que haja uma crise energética. Há
uma crise energética na Argentina?
LAVAGNA - Claro que há. A melhor prova é que se inverteram
os papéis. Antigamente a Argentina vendia energia ao Brasil, agora lhe compra. Isso é um
problema de gestão. Há quem
creia que governar é fazer discursos e anúncios, mas governar é fazer as coisas.
FOLHA - Que pensa da política de
direitos humanos de Kirchner?
LAVAGNA - É correta na essência, mas Kirchner se equivoca
ao usar politicamente o tema.
FOLHA - O que pensa da relação do
governo Kirchner com a imprensa?
LAVAGNA - É muito ruim. Faz
parte da deterioração institucional: pressões sobre os juízes,
os governadores, o Congresso,
a imprensa. É necessário voltar
a buscar um caminho mais democrático, revogando todas as
leis aprovadas no ano passado.
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