São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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País de FHC concentra renda; gasto social evita mais pobreza


Plano Real tira 10 milhões da pobreza, mas setor produtivo da economia continua a concentrar renda nos 10% mais ricos do país após 95, primeiro ano de FHC; alta dos gastos do INSS e da assistência social evita que número de pobres volte a crescer


MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A distribuição de renda não mudou nos anos FHC. A estabilização da moeda diminuiu a pobreza, mas a economia brasileira continuou a gerar injustiça social e concentra nas mãos de 10% da população metade de toda a riqueza produzida no país. Não fosse o aumento das transferências sociais, principalmente da Previdência Social, a economia do Real teria concentrado mais renda.
Estagnada ou crescendo, a economia continua a concentrar renda. "A tendência seria haver uma maior concentração, que só foi evitada pelo aumento das transferências de renda feitas pelo Estado", diz Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão do governo federal).
Delgado explica que, sem o aumento no número de benefícios do INSS e dos gastos de assistência social, a situação da população mais pobre seria hoje pior do que no início dos anos 90. A Previdência funcionou como uma espécie de amortecedor, já que o governo não adotou políticas organizadas de combate às desigualdades.
Uma das principais ferramentas para medir a desigualdade -o índice de Gini- mostra pouca mudança nos últimos dez anos. O indicador varia de 0, perfeita igualdade, a 1, caso de maior desigualdade possível.
Em 1990, o índice brasileiro era de 0,62, um dos maiores do mundo. Em 1993, havia caído para 0,60, para permanecer aí até o ano passado. São mais desiguais do que o Brasil apenas três países africanos muito pobres: Serra Leoa, República Centro-Africana e Suazilândia.
Um brasileiro do grupo dos 10% mais ricos ganha, em média, mais de 30 vezes o que recebe os que estão entre os 10% mais pobres. Essa relação, segundo o Ipea, não tem precedentes no mundo. Em apenas quatro países, incluindo o Brasil, ela é maior do que 20. Apenas no Brasil é maior do que 30.

País não tem política de redistribuição de renda
A concentração não surgiu durante o governo de FHC. Desde a década de 60, quando as primeiras estatísticas mostraram o alto grau de exclusão e de concentração de renda no Brasil, os economistas discutem o problema.
O debate sobre a desigualdade diz que o crescimento econômico ajuda a distribuir a renda, porque é mais fácil transferir renda de um grupo para outro se todos ganham ao menos um pouco. Mas não basta.
Investir apenas em educação também não resolve o problema. Aumentar a qualificação da população mais pobre ajuda a capacitá-la para conseguir postos de trabalho com melhores rendimentos, mas isso, na melhor das hipóteses, demora uma geração.
Segundo Paes de Barros, pesquisador do Ipea, apenas um terço da população mundial vive em países com renda per capita maior do que a do Brasil. Mais: 64% dos países para os quais há estatísticas têm renda per capita menor do que a brasileira. Ainda assim, em praticamente todos a concentração de renda é menor do que no Brasil.
Faltaria, portanto, uma política adequada e organizada de distribuição. O rendimento médio cresceu até meados de 1995, continuou crescendo até 1997, mas a taxas mais modestas, quando começou a cair.

Redução da pobreza não era meta do Real
Os níveis de pobreza diminuíram durante as duas gestões (1995/2002) de Fernando Henrique Cardoso. A estabilização da economia tirou da miséria cerca de 10 milhões de brasileiros que, em 1994, não ganhavam nem o suficiente para comprar itens mais básicos de sobrevivência.
Mas a redução da pobreza foi quase um efeito colateral do Plano Real, cujo objetivo era controlar a escalada inflacionária.
O primeiro efeito positivo da estabilização foi praticamente automático. Entre 1993 e 1995, estima Sonia Rocha, pesquisadora do Ipea, os brasileiros cujos rendimentos os colocam entre os 10% mais pobres da população viram sua renda dobrar.
Com a estabilização, a alta dos preços parou de corroer os salários da população que não tinha acesso aos instrumentos financeiros que protegiam os recursos da inflação.
Segundo Sonia, os trabalhadores também foram beneficiados pela queda dos preços, causada pela concorrência dos produtos estrangeiros -o Brasil estava abrindo sua economia- e pela redução dos preços agrícolas.
Em 1995, o salário mínimo chegou a R$ 100, uma alta de cerca de 40%. O aumento foi generalizado para todos os pensionistas da Previdência e, explica Marcelo Neri, pesquisador da FGV, também teve o efeito de ajudar a elevar os salários do setor informal.
O resultado foi que a proporção de pobres caiu de 41,7% da população em 93 para 33,5% em 99, último ano para o qual o IBGE tem dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
"Essa primeira fase foi a lua-de-mel do Plano Real", diz Neri. Mas os efeitos positivos da estabilização se esgotaram. Desde 1996, o número de pobres aumentou em 3 milhões. Entre 1996 e 1999, a renda dos brasileiros caiu 1,37%. Nas áreas rurais, o rendimento ficou praticamente estável (-0,01%), mas caiu 3,22% nas regiões metropolitanas.
"Tivemos os ajustes das privatizações, a reforma administrativa, o fechamento de postos de trabalho por causa da abertura", explica Neri. O resultado foi o empobrecimento das grandes cidades.
Culpa do Plano Real? Não, afirmam especialistas. O plano foi desenhado para acabar com a inflação e estabilizar a economia -não para distribuir renda ou diminuir a pobreza. Os ganhos obtidos foram, como diz Neri, um "efeito colateral" da estabilização, com o que concorda Rocha.



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