São Paulo, domingo, 17 de outubro de 2004

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ELIO GASPARI

"Defender o mercado" significa "tungar a choldra"

Toda vez que um empresário ou burocrata diz que uma providência é necessária para preservar investimentos ou por motivos estratégicos, a patuléia pode ter certeza: lá vem facada.
Há dois grupos de preservadores por aí. O primeiro está no setor aéreo. Como até as pedras sabem, duas empresas estão com um pé na cova. A Varig e a Vasp devem cerca de R$ 8,5 bilhões. A TAM, se for deixada em paz, vive. Desde o final do governo FFHH, tenta-se uma operação de resgate da Varig, levando-a para o ho$pital do BNDES.
A partir de 2001 começou a operar a Gol. Voa na hora, cobra barato, não pega dinheiro do governo e dá lucro (R$ 113 milhões em 2003). É considerada uma das empresas aéreas com melhor rentabilidade no mundo. Os aerotecas civis e militares tratam-na como um estorvo.
Num país capitalista, quebrariam as empresas quebradas e sobreviveriam as empresas lucrativas. Tenta-se fazer o contrário. Costura-se no eixo Ministério da Defesa-BNDES um plano de reorganização do setor aéreo, suspendendo-se por dois anos a vigência da legislação contra a formação de cartéis. Ou seja, para salvar empresas quebradas vai-se enfiar a Gol (se ela quiser) num panelão de privilégios essencialmente destinado a lesar a escumalha. Caso raro de colocação da maçã boa na barrica das podres.
O segundo grupo de conservacionistas está no setor de comunicações. Diante da intenção da Anatel de abrir a discussão para a entrada no Brasil de uma nova geração de celulares, o tabelionato chiou:
Francisco Padinha (Vivo) disse que a chegada ao Brasil da nova tecnologia "pode ser prejudicial ao desenvolvimento harmonioso do mercado".
Luis Eduardo Falco (Oi): "É preciso que haja retorno sobre o capital investido".
É provável que a nova geração de celulares seja uma solução em busca de um problema. Na Alemanha, virou mico. A argumentação dos doutores, contudo, é falsa como uma nota de três reais. Quem se harmoniza é acordeão. Mercado compete. Capital investido não é cachorro de estimação, que tem retorno prometido.
Quando se pensa que o governo está aí para vigiar esse olho gordo no bolso da choldra, dá-se que o repórter B. Piropo, numa palestra, condenou as restrições existentes à expansão do sistema de telefonia por meio da internet. Essa nova tecnologia assegura uma brutal redução tarifária. Ouviu o seguinte do representante da Anatel justificando a conduta da agência:
"Isso rouba mercado das operadoras e faz parte da missão da Anatel proteger os altos investimentos que elas fizeram no setor".
Aos contribuintes, uma banana. Na hora de cobrar tarifas aéreas caras, trata-se de preservar objetivos estratégicos do desenvolvimento nacional. Na hora da patuléia pagar menos por ligações telefônicas, fala-se em "roubar" mercado. A escumalha só pode entrar no filme no papel de roubada.
O encarregado de preservar investimentos de empresários é o Padre Eterno. Suas casas, espalhadas por todas as cidades do país, são de livre acesso, com bancadas para genuflexões e silêncio para preces. A grande exceção fica ao lado do convento de Santo Antônio, no Rio. Lá funciona a Igreja de Nossa Mãe do BNDES, gerida pela Irmandade do Espírito Santo do Planalto.

O fantasma de Ghiggia assombra o PT

Há um forte cheiro de 16 de julho de 1950 no ar da nação petista. Ela comemorou os resultados do primeiro turno como antecipação de uma inexorável conquista eleitoral. Às 15h40 do fatídico 16 de julho, a seleção brasileira desceu o túnel do Maracanã e foi para o vestiário com o gosto de uma inexorável conquista da Copa do Mundo. Vinha de goleadas (7 a 1 na Suécia e 6 a 1 na Espanha), jogava para o empate e terminara a primeira metade do jogo em 0 a 0, com os uruguaios trancados na defesa.
Como dissera o "Diário Carioca": "Não é possível esconder o fato indiscutível. O futebol mundial tem um novo senhor: chama-se Brasil o novo astro-rei do futebol. Amanhã, 200 mil pessoas assistirão à sua consagração".
Faltavam 12 minutos para o fim da partida e o placar estava em 1 a 1. O ponta-direita Alcides Ghiggia (pronuncia-se Guidjia) bateu o zagueiro Bigode. O goleiro Barbosa achou que ele ia centrar. Deu-se o Pearl Harbour da história nacional.
O PT pode ter festejado a vitória do primeiro turno como um time de futebol mambembe que comemora o fim do primeiro tempo.
A seleção de 1950 era de profissionais. Não houve comemoração no vestiário. Resta saber quem será escalado para os papéis de Bode-Bigode e Bode-Barbosa.
Serviço: Todas as informações sobre esse triste dia estão no livro "Anatomia de uma Derrota", de Paulo Perdigão. São 206 páginas com os noventa minutos do jogo. É um clássico do jornalismo brasileiro.

Golpe velho

A marquetagem do Planalto está empurrando goela abaixo do Banco Central uma nova mudança das cédulas do real. Sairia a bicharada e entrariam vultos históricos.
Seria uma repetição do golpe publicitário do lançamento das moedas, no semestre eleitoral de 1998.

A Halliburton leva

Em junho do ano passado a empreiteira americana Halliburton informou ao mercado que sua pendência com a Petrobras por conta do atraso na entrega de duas encomendas, no valor de US$ 2,5 bilhões, seria encaminhada a uma corte internacional de arbitragem. A empresa avisou também que cobrava US$ 375 milhões à estatal.
A Petrobras apresentou uma versão oposta. Seu presidente, José Eduardo Dutra, assegurou que "o acordo assinado com a Halliburton inclui, explicitamente, o nosso pleito de US$ 380 milhões resultante, principalmente, dos atrasos".
Se o presidente de uma empresa americana se esquece de mencionar aos seus acionistas uma pendência de US$ 380 milhões, corre um forte risco de passar algum tempo na cadeia.
Agora a Petrobras anunciou um "acordo preliminar", cujas cifras não são conhecidas. Dos US$ 380 milhões que Dutra garantia estar cobrando, nem uma palavra. Quem acreditou na Halliburton pode ter feito melhor negócio do que quem acreditou em José Eduardo Dutra.
Essas disputas eram comuns no mandarinato do doutor Joel Rennó, que presidiu a Petrobras entre 1992 e 1999.

A diplomacia da desintegração

Balanço da política externa de Lula, para quem "nossa prioridade é a integração com os vizinhos sul-americanos":
Apesar de o companheiro ter dito em maio de 2003 que "Brasil e Argentina vivem o melhor momento de suas relações", elas estão no seu ponto mais baixo dos últimos 20 anos. Lula e Néstor Kirchner se dão tão bem como os generais Ernesto Geisel e Juan Perón.
O Brasil disputa a Diretoria Geral da Organização Mundial do Comércio. Há um candidato uruguaio inscrito no páreo. Faz outros 20 anos que o governo brasileiro não batia de frente com uma candidatura sul-americana à direção de uma organização multilateral.
As relações de Lula com o presidente mexicano Vicente Fox são frias, com o chileno Ricardo Lagos são um pouco melhores. Com o venezuelano Hugo Chávez são boas. Ótimas, com Fidel Castro.
O chanceler Celso Amorim inscreveu o embaixador Luiz Felipe de Seixas Correa na disputa pela OMC, entre outros motivos, para diluir a possibilidade, ainda que remota, da escolha de outro brasileiro, o ex-chanceler Celso Lafer.
Não há prova de que uma política externa destinada a desintegrar Celso Lafer venha integrar a América Latina.
Deixando de lado a qualidade da gestão (e das maldades) de Lafer no Itamaraty, os quibungos de Amorim bombardeiam-no mundo afora com grosserias que não aconteceram nem mesmo durante os dias difíceis de 1964, quando uma facção da casa prevaleceu sobre outra, com a ajuda do Ministério do Exército. Questão de modos.

Eremildo, o idiota, acredita em rankings

Eremildo é um idiota e acredita em todos os rankings que lê. Aprendeu na semana passada que a competitividade brasileira caiu. O país saiu do 54º lugar para o 57º numa lista onde o Botsuana fica em 45º lugar, duas posições acima da Itália. Palavra do World Economic Forum, aquela agência que organiza o pacote Disney-para-Bilionários em Davos, na Suíça.
Interessado em conhecer o renascimento da antiga Bechuanalandia, o idiota cancelou suas férias em Florença e comprou um pacote para Gaborone. Mesmo sendo um cretino, ele sabe que a Aids tornou negativa a taxa de crescimento demográfico do capitalismo local. Com 30% da população adulta infectada, o Botsuana é o segundo colocado no ranking do HIV. O idiota suspeita que o modelo do Botsuana tenha influenciado o prefeito Cesar Maia quando disse que o crescimento das favelas do Rio se deve à alta fertilidade das mulheres das comunidades pobres.
Outro ranking, de fevereiro, informou que num grupo de 41 países, a capacidade de empreendimento da sociedade brasileira perdeu para a de Uganda, que ficou entre as melhores do mundo. Coisa de gente fina, com o co-patrocínio da London Business School.
O idiota passou um mês em Kampala, conhecendo o empreendedorismo local. Soube que os tempos do general Idi Amin (300 mil mortos) e do civil Milton Obote (100 mil mortos) ficaram para trás. Desde 1987, o progresso de Uganda é prejudicado pela ação do Exército da Resistência de Senhor, uma espécie de Khmer Vermelho cristão e negro. Essa organização é acusada de ter recrutado a força alguns milhares de crianças. Os meninos viraram soldados, as meninas, criadas ou escravas sexuais. Essa tropa luta contra as Forças de Defesa do Povo de Uganda, que por sua vez também seqüestram crianças e operam nos moldes de um esquadrão da morte.
Eremildo planeja organizar um grupo de $ábio$ patrocinadores de listas para uma grande excursão ao Botsuana e a Uganda. Oferecerá lugares gratuitos aos nativos do Brasil que acreditam em rankings, sobretudo aqueles que desqualificam o país onde vivem.

Olho na soja

Se o governo começar a discutir amanhã um plano de socorro para a lavoura do Centro-Oeste (leia-se soja), é possível que se reduza o impacto da crise provocada pela baixa dos preços internacionais, pela alta dos fertilizantes e pela ferrugem. A soja da próxima safra está valendo menos do que o custo do plantio. Isso, sem falar nos juros.
Há grandes fazendeiros de Mato Grosso procurando compradores para suas terras.
Muita propaganda e pouco trabalho, os males da lavoura são.

Plantão policial

Tem magano pagando gordas contas de butique em dinheiro. Parece coisa de malandro. É lance de otário. As boas casas do ramo têm câmeras voltadas na direção das caixas. Destinam-se a filmar os tipos convencionais de assaltantes. Acabam gravando cenas que muita gente boa não gostaria de ver mudando de mão.

Asteróide Ciro

O político cearense Ciro Gomes pode tentar disputar o governo do Rio, mas deverá passar primeiro por cima do cadáver de alguns petistas do Estado. Dada a inanição do PT fluminense, isso pode até ser fácil.
É uma turma que lembra o resultado da última intervenção da cúpula do partido sobre a base estadual.
Misturaram-se os objetivos do comissário José Dirceu, em nome do PT Federal, e as ambições das falanges de Benedita da Silva: deu Anthony Garotinho.


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