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ENTREVISTA DA 2ª
MICHAEL KLARE
Para especialista americano, demanda maior que oferta torna produto questão de segurança nacional
Disputa por petróleo leva a estado de guerra permanente
LUCIANA BRAFMAN
DA SUCURSAL DO RIO
Estudioso de causas e prevenções de guerras nos últimos 35
anos de sua vida, o cientista político americano Michael Klare, 62,
acredita que a competição por recursos como o petróleo é, atualmente, a maior fonte potencial de
conflitos mundiais.
Partindo de projeções em que o
crescimento da demanda por petróleo vai superar a oferta global,
Klare estima que o mundo vive "o
crepúsculo do petróleo", um momento de transição entre a abundância e a escassez.
A disputa pelo recurso que ainda resta, considerado essencial
em termos de segurança nacional,
levará a um estado de guerra permanente, caracterizado pela presença de grandes potências em regiões de instabilidade política, étnica e religiosa, diz o autor do livro "Blood and Oil" (Metropolitan Books), lançado em 2004.
No livro, Klare argumenta que,
por causa do declínio da extração
doméstica, países como os EUA
estão se tornando, de modo crescente, mais dependentes de petróleo importado. E mais e mais
desse petróleo tem vindo de áreas
instáveis cronicamente, como o
Oriente Médio, a região do mar
Cáspio, a África e determinadas
regiões da América Latina. Para
Klare, o resultado disso tudo é que
o mundo vai pagar um custo mais
alto em petróleo e em sangue.
Folha - Como o sr. analisa o momento atual do petróleo?
Michael Klare - Descrevo este
novo momento como o crepúsculo do petróleo, ou seja, uma transição entre uma era ensolarada,
de óleo abundante, e uma era da
escuridão, de escassez absoluta.
Nesta era do crepúsculo, o óleo
não vai desaparecer, mas se mostrará insuficiente para atender à
demanda global cada vez maior.
Assim, teremos, periodicamente,
momentos de escassez, preços altos e extrema vulnerabilidade a
choques de petróleo. Um exemplo é o dano agora do furacão Katrina. A disputa internacional por
petróleo também vai crescer.
Folha - Que fatos ou números justificam esse crepúsculo?
Klare - Estamos vendo um forte
aumento na procura por petróleo
-muita dessa demanda vinda de
China, Índia, Coréia do Sul, Brasil,
México e outras economias em
desenvolvimento. Ao mesmo
tempo, testemunhamos um forte
declínio na taxa de novas descobertas de campos de petróleo. No
passado, as grandes empresas do
setor descobriam mais óleo por
ano do que eram capazes de extrair, o que não acontece mais hoje em dia: estamos extraindo mais
óleo do que temos capacidade de
repor com novas descobertas. Há
também o fato de que algumas
novas regiões de petróleo -onde
um dia se acreditou serem muito
promissoras, como a área do mar
Cáspio- mostraram-se bastante
decepcionantes. Então, mesmo
que a extração mundial, hoje em
torno de 84 milhões de barris por
dia, cresça nos próximos anos, eu
não acredito que cresça o suficiente para satisfazer uma demanda projetada de 120 milhões
de barris por dia em 2025, conforme estimativas do Departamento
de Energia dos Estados Unidos.
Folha - Quando deve começar a
"era da escuridão"?
Klare - Isso depende, em alguma
medida, da situação na Arábia
Saudita e na Rússia. Se esses países, os dois maiores produtores
mundiais de petróleo, puderem
continuar a aumentar suas produções nos próximos anos -como seus presidentes insistem que
acontecerá- a "era da escuridão" vai provavelmente começar
por volta de 2020 ou 2025, quando
muitos dos grandes campos de
petróleo no mundo estarão esgotados. Entretanto, se a Arábia
Saudita e a Rússia não forem capazes de manter o aumento de
suas produções -como é previsto por muitos céticos-, essa era
começará mais cedo, talvez ainda
no meio da próxima década.
Folha - A quanto chegará o preço
do barril de petróleo até lá?
Klare - Acredito que os preços
atingirão U$100 o barril no caso
de diversas catástrofes ocorrerem
simultaneamente -por exemplo, outro grande furacão no Golfo do México e reviravoltas internas no Irã ou na Arábia Saudita.
Mas os preços altos vão levar a
uma recessão mundial, reduzindo, assim, a demanda por óleo e
fazendo os preços caírem novamente. O ponto-chave é que nesta
nova era, a produção será tão limitada que qualquer interrupção,
como a do Katrina, produzirá
imediatamente uma alta.
Folha - Por que o sr. pensa que as
guerras pelo controle do petróleo
serão uma característica desta e
das próximas décadas?
Klare - Primeiro, por causa da
crescente competição entre Estados Unidos, China, Japão e outros
grandes consumidores pelo acesso ao que sobrará de áreas produtoras no mundo. Para promover
seus interesses, esses países, especialmente os EUA e a China, estão
se preparando para forjar laços
militares com países produtores e
fornecer armas modernas -os
EUA com o Kuait e a Arábia Saudita, e a China com o Irã e o Sudão. Isso, naturalmente, leva a
uma tensão crescente nessas regiões. Ao mesmo tempo, muitos
dos países produtores estão divididos por conflitos étnicos, religiosos e políticos. Há, portanto,
um perigo porque as grandes potências vão entrar em conflitos locais, transformando-os em conflitos maiores e, possivelmente, levando a uma intervenção de diversas grandes potências, seja de
forma direta ou indireta.
Folha - Mas na história da humanidade sempre houve guerras
-por comida, metais preciosos,
recursos energéticos. Por que o sr.
acredita que desta vez haverá um
estado de guerra permanente?
Klare - Para começar, não há
mais novos continentes para descobrir e pilhar -nós agora estamos extraindo recursos de cada
canto do planeta. Quando essas
ofertas se esgotarem, não haverá
qualquer outro lugar para se apoderar. Ao mesmo tempo, por causa da globalização, mais e mais
países estão competindo pelo
acesso a essa oferta remanescente
de petróleo e a demanda está crescendo. Finalmente, as maiores
potências têm a tendência de "securitizar" recursos vitais -isto é,
retratá-los como sendo essenciais
para a segurança nacional. Dessa
forma, legitimam o uso de forças
militares para sua procura e proteção. Isso foi feito explicitamente
no caso do petróleo durante a
"Doutrina Carter", em janeiro de
1980, quando o então presidente
Jimmy Carter declarou que o Golfo Pérsico era essencial para a segurança dos Estados Unidos e,
por isso, usaríamos "quaisquer
meios necessários, incluindo a
força militar" para assegurar um
fluxo seguro ao país.
Folha - Que fatos recentes comprovam sua teoria?
Klare - O Congresso americano
vetou neste ano a compra da
Unocal [companhia de petróleo
com base na Califórnia] com argumentos de segurança nacional,
alegando que a aquisição de uma
companhia americana pela China
diminuiria a produção doméstica
dos Estados Unidos. Ao mesmo
tempo, China e Rússia ficaram
mais firmes no propósito de diminuir a influência americana em
áreas produtoras da Ásia Central
e do mar Cáspio. Um encontro recente da Shanghai Cooperation
Organization, que é fortemente
influenciada por Moscou e Pequim, conclamou as nações da
Ásia Central a expulsar as bases
militares americanas lá instaladas. Poucas semanas depois, o
Uzbequistão pediu que os Estados Unidos removessem a base de
seu território.
Folha - O estado de guerra será
caracterizado por vários focos regionais ou por uma grande guerra
mundial envolvendo a maioria dos
países?
Klare - Isso é muito difícil de
prever. O cenário mais provável é
o de várias pequenas guerras, mas
a história nos mostra que pequenas guerras podem detonar grandes guerras quando as maiores
potências se envolvem em conflitos locais, como ocorreu nos Balcãs antes da Primeira Grande
Guerra. Minha grande preocupação é que isso ocorra novamente
no futuro, principalmente no
Golfo Pérsico ou na região do mar
Cáspio. Os conflitos vão começar
justamente nas áreas onde os interesses das grandes potências se
interponham a áreas de instabilidade regional. O cenário mais
propenso seria a bacia do mar
Cáspio, onde os interesses vitais
das potências se interpõem a um
caldeirão fervente de disputas políticas, étnicas e religiosas.
Folha - As estratégias militares
serão mais importantes do que as
questões econômicas?
Klare - As questões econômicas
vão permanecer dominantes no
curto prazo, mas as estratégias
militares podem vir a se tornar
mais importantes à medida que a
oferta global de óleo diminua e
permaneça, entre as principais
potências, a briga pelo controle
do petróleo remanescente.
Folha - Quais seriam as principais
mudanças na geopolítica mundial?
Klare - A ver. Mas eu acredito
que países mais dependentes do
petróleo importado, em especial
os Estados Unidos, Japão e China,
vão sofrer mais que os países com
capacidade de se libertarem dessa
dependência e de contarem mais
com fontes domésticas de energia. Também me preocupo que
muitos dos países produtores vão
sofrer com as brigas políticas internas a respeito da alocação das
receitas de petróleo -um perigo
especialmente grande na Nigéria,
no Azerbaijão, no Cazaquistão e
na Venezuela.
Folha - E o papel de organizações
como a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) vai
mudar?
Klare - A Opep vai continuar a
ter um papel importante porque
agrega os maiores produtores do
Oriente Médio, como Irã, Iraque,
Kuait e Arábia Saudita. Esse países estão situados sobre, aproximadamente, dois terços das reservas restantes do petróleo mundial. Mas se deve ter em mente
que a Opep não tem poder ilimitado para controlar a produção e
os preços: deve prover petróleo a
seus maiores consumidores em
quantidades suficientes e a preços
razoáveis, senão eles vão substituir o recurso e contar com outras
fontes de energia.
Folha - Como ficarão os países em
desenvolvimento, como China e Índia?
Klare - A China, obviamente,
tem um grande papel, porque é o
segundo maior consumidor de
petróleo mundial e está se tornando fortemente dependente de importados, assim como os Estados
Unidos. E, como já ressaltei, a
China está forjando laços militares com produtores estrangeiros e
se tornando mais ativa na tentativa de diminuir a influência americana em áreas estratégicas.
Folha - E o Brasil?
Klare - O que eu sei mais sobre o
Brasil é que o país é um líder no
desenvolvimento de fontes alternativas de energia, especialmente
o etanol. Na minha cabeça, essa é
a melhor saída que um país pode
adotar nesta nova era. Penso que
podemos aprender muito com o
Brasil.
Folha - Essas fontes alternativas
de energia são, então, solução para
que não haja crises e conflitos?
Klare - Até agora, não estão disponíveis numa escala suficientemente ampla para substituir o petróleo quando este ficar escasso. A
não ser que direcionemos muito
mais investimentos para essas alternativas, podemos esperar condições muito duras nos próximos
anos. Sob as circunstâncias atuais,
o conflito será inevitável.
Folha - E quanto às grandes empresas de petróleo? Vão desaparecer ou serão reestruturadas?
Klare - Minha aposta é que as inteligentes, como a BP, vão dar
mais e mais ênfase no desenvolvimento de fontes alternativas de
energia -eólica, gás natural, hidrogênio- e tentar manter sua
proeminência como gigantes da
energia. Acho que as empresas
que falharem na adoção dessa estratégia vão desaparecer no longo
prazo.
Folha - As pessoas, usuários finais
do petróleo, vão mudar seu modo
de vida, suas rotinas?
Klare - A humanidade vai, certamente, mudar seu modo de vida,
primeiramente por causa da pressão econômica. Por exemplo, a
venda das grandes carros, tipo caminhonetes, que bebem muita
gasolina, caiu muito nos Estados
Unidos nos últimos meses, por
causa da alta do preço da gasolina.
Deve-se destacar, porém, que a
transição será mais difícil para os
que têm menos meios de se adaptar. Como vimos em Nova Orleans depois do furacão Katrina,
os pobres têm menor capacidade
de adaptação a desastres e adversidades do que os mais ricos.
Folha - Se o sr. fosse um líder global, quais seriam suas medidas para prevenir a crise e as guerras?
Klare - A única solução é convencer os países que dependem
da importação de petróleo a reduzir seu consumo por meio de medidas de preservação e o desenvolvimento de combustíveis alternativos. Além disso, países que
têm muito petróleo, como a Nigéria, precisam aprender a alocar os
benefícios econômicos de um
modo justo, que evite guerras civis por causa das receitas advindas do petróleo.
Folha - O sr. se considera um pessimista?
Klare - Tenho confiança que os
homens serão capazes de criar
novas soluções para os significantes desafios que enfrentaremos.
Mas temo que não estamos nos
movendo suficientemente rápido
para desenvolver essas soluções.
Então, teremos que, primeiro,
passar por um período de grande
dificuldade.
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