São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2006

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Gustavo Ioschpe

Esperança, só em 2010

ATÉ AGORA, o que consegui discernir desta confusa e improdutiva campanha à Presidência é que estamos condenados a mais mediocridade. Nenhum dos dois candidatos tem qualquer proposta que faça o país poder sonhar com o atingimento do desenvolvimento sustentado, rumo ao Primeiro Mundo.
Alckmin se vende como um bom gerente, fazedor de estradas, cortador de custos, moralizador etc. Seu mote é a eficiência. O gerenciamento eficiente é uma qualidade positiva. Mas, para que essa eficiência colha resultados, é preciso que o rumo para o qual aponta esteja certo.
E, a não ser que o tucano cometa novo estelionato eleitoral, não há nada em seu discurso e programa que permita supor uma inflexão de rumo. Continuaremos com essa política econômica equivocada, um Estado gigantesco, programas assistenciais que garantem a eternização da pobreza, escolas de péssima qualidade formando cidadãos despreparados e trabalhadores incompetentes. O Brasil precisa de mais do que um bom gerente. Precisa de um estadista.
O discurso de Lula é semelhante: o país está melhorando e ninguém melhor do que ele (já sem a "quadrilha", abandonada à própria sorte) para continuar os avanços. Faz-me sentir como o personagem de Jim Carrey em "The Truman Show": enquanto ele fala com a mulher sobre sua fantástica crise existencial, ela responde fazendo propaganda de café para as câmeras, sorriso estampado no rosto.
Quando o presidente diz que o país passa por seu melhor momento nos últimos 20 anos e que poderá crescer mais de 5% por ano sem que nenhuma reforma seja necessária (como disse ao "Globo" na semana passada), me pergunto se estamos no mesmo país. Ou se tudo não passa de uma pegadinha de TV. É exasperante.
Se os dois candidatos chegaram a esse consenso justamente em tudo que há de errado -política econômica, programas assistenciais, tamanho do Estado, a idéia de que educação se resolve com mais dinheiro-, fica óbvio que a culpa não é deles nem dos partidos, mas nossa. A sociedade é que se contenta com essa mediocridade e é refratária a qualquer mudança significativa.
As razões dessa acomodação são certamente muitas, historicamente entranhadas e de difícil mudança. Uma das causas mais aparentes, e talvez mais facilmente mudável, é o nosso provincianismo. Só podemos achar que tudo vai bem porque nos comparamos com nossa própria experiência. Se olhássemos para o mundo, notaríamos que algo vai muito mal, que estamos nos apequenando.
Basta acompanhar o que vêm fazendo o Chile, a China e a Índia para que comecemos a ver que um futuro melhor é possível. Com mudanças ousadas, mas pensadas; com evolução, não revolução. O primeiro passo é ter coragem e determinação, coisas que nos faltam. E, pelo visto, faltarão pelos próximos quatro anos.


GUSTAVO IOSCHPE é mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA)

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