São Paulo, sábado, 17 de outubro de 1998

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VIAGEM PRESIDENCIAL
Entrevista foi dada antes de o escritor ganhar o Nobel
FHC lança livro em Portugal no qual critica Saramago


CLÓVIS ROSSI
enviado especial ao Porto

É uma infeliz coincidência: o presidente Fernando Henrique Cardoso participa hoje, no Porto, de lançamento de livro em que critica o escritor português José Saramago, no exato momento em que este, recém-escolhido Prêmio Nobel de Literatura, está sendo virtualmente canonizado no país que hospeda FHC.
O livro ("O mundo em português - um diálogo") é uma entrevista feita pelo ex-presidente de Portugal Mário Soares com o mandatário brasileiro.
FHC ataca Saramago por ter assinado manifesto de condenação ao governo brasileiro pelo massacre de trabalhadores sem terra em Eldorado de Carajás, em 96.
A entrevista-livro é anterior à premiação de Saramago, militante de carteirinha do PCP (Partido Comunista Português).
Mas FHC chega a Portugal com a premiação já anunciada, na mesma semana, aliás, em que o próprio Saramago retornou pela primeira vez a seu país (ele vive em Lanzarote, Espanha), após se tornar Nobel de Literatura.
Por isso mesmo, o escritor está recebendo ecumênica consagração, que vai do mundo oficial (hoje controlado pelo Partido Socialista, antigo adversário dos comunistas) ao seu PCP.
O presidente Jorge Sampaio (socialista como o primeiro-ministro António Guterres) concedeu a Saramago a mais alta condecoração portuguesa, antes reservada exclusivamente a chefes de Estado/governo.
A cidade do Porto, onde Saramago está desde ontem, também lhe deu a sua principal comenda, embora os estatutos mandem que ela seja atribuída apenas a quem tem ligações com a cidade.
Para reforçar a infeliz coincidência, o lançamento do livro de Mário Soares será no mesmíssimo local (Fundação Engenheiro António de Almeida) em que Saramago participou ontem de debate.
A chegada de FHC ao Porto estava prevista para as 22h50 de ontem (19h50 em Brasília).
Ele participa, hoje e amanhã, da 8ª Cúpula Ibero-americana, um encontro anual dos chefes de Estado/governo dos 21 países ibero-americanos (Espanha, Portugal e 19 ex-colônias dos dois países).
O tema da cúpula é "Os desafios da globalização e a integração regional", escolhido com antecedência, mas perfeitamente adequado para o momento de crise financeira global.
A "Declaração do Porto", a ser emitida amanhã, dirá que "é urgente a adoção de medidas mais eficazes por parte da comunidade internacional, em especial os países-membros do G-7 (os sete mais ricos do mundo) e os organismos financeiros, que propiciem a estabilidade dos mercados".
O texto pedirá também a adequação do sistema financeiro internacional, "com o fim de evitar que as dificuldades que afetam a uns se transformem em uma crise de todos, pondo em perigo os benefícios derivados das profundas transformações estruturais adotadas por nossos países".
Mas o documento dirá, igualmente, que os processos de integração regional podem ser um abrigo, ao menos relativo, contra a turbulência global.
Acaba sendo um elogio indireto ao Mercosul (o conglomerado Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), prioridade absoluta da Chancelaria brasileira.



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