São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 2005

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FUNCIONALISMO

Em decisão polêmica, tribunal autoriza incorporação de gratificações a salários de servidores federais em cargos de confiança

Decisão do TCU pode ter impacto de R$ 2 bi

SILVANA DE FREITAS
RUBENS VALENTE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Uma polêmica decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) abriu espaço para o pagamento de mais de R$ 2 bilhões em vantagens salariais para servidores que ocupam cargos em comissão, segundo estimativa do Ministério Público que atua no tribunal.
A decisão, tomada na última terça-feira e que serve como orientação aos órgãos públicos, foi duramente atacada pelo ministro-revisor do processo, Walton Alencar Rodrigues. "A adoção do entendimento do relator, que considero absolutamente ilegal, causará imenso impacto orçamentário nos gastos públicos com pessoal", escreveu o ministro, ao contestar o parecer do relator, Lincoln Magalhães da Rocha.
Por quatro votos a três, os ministros do TCU autorizaram a incorporação de gratificações a salários de servidores da gestão federal que ocupavam cargo de confiança -direção, chefia ou assessoramento- entre janeiro de 1998 e setembro de 2001.
Em um exemplo hipotético, um consultor legislativo da Câmara que tenha ocupado cargo de confiança entre 1998 e 2001 e receba R$ 16 mil passará a ter salário em torno de R$ 20 mil mensais e ganhará uma bolada de mais de R$ 200 mil de parcelas atrasadas.
Sindicatos de servidores haviam recorrido contra uma decisão anterior do tribunal que vedara a incorporação. As entidades alegam que uma medida provisória de 2001 revalidou a incorporação, extinta em 1998 por outra MP.

Impacto
O procurador-geral no TCU, Lucas Furtado, contestou no tribunal a legalidade das incorporações, mas foi derrotado. Os R$ 2 bilhões estimados pelo Ministério Público referem-se ao pagamento das parcelas atrasadas dessa gratificação ao longo dos 45 meses.
O inteiro impacto da decisão na folha de pagamento do funcionalismo da União ainda é desconhecido. Conforme estudo do Ministério do Planejamento a pedido do procurador-geral no TCU, só o Executivo gastará pelo menos R$ 600 milhões com o pagamento dos atrasados. Para Furtado, porém, o valor está subestimado.
A decisão do TCU representa o estopim de uma nova farra salarial, principalmente nos Poderes Legislativo e Judiciário, cujos gastos estão menos sujeitos ao controle da área econômica.
O governo ainda pode tentar derrubar a medida no Supremo Tribunal Federal com um recurso da Advocacia Geral da União.
O pronunciamento do TCU estava sendo aguardado por tribunais que já tinham determinado a incorporação, mas não tinham iniciado o pagamento, e por outros órgãos, como a Câmara, que queriam aval para conceder o benefício a seus assessores. O Ministério Público da União também tem interesse nela.
A polêmica é em torno da interpretação de leis e medidas provisórias que tratam do fim da incorporação de gratificações chamadas "quintos" e supostas brechas criadas pela legislação. Até 1997, o servidor em cargo de confiança podia incorporar a seu salário 20% da gratificação que recebia por exercê-la. Eles conseguiram prorrogar essas incorporações até 1998 e agora lutam para estendê-las a 2001. Cabe aos tribunais e ao TCU interpretar a legislação.
Além da recente decisão do TCU, tramita no Congresso um projeto de lei de aumento salarial do Judiciário que beneficia principalmente os comissionados e que terá um impacto de R$ 4,6 bilhões se concedido de uma só vez.
É prática comum nos tribunais a nomeação de amigos e parentes para cargos de confiança. Os tribunais têm até 13 de fevereiro para cumprir resolução do Conselho Nacional de Justiça que proibiu o nepotismo no Judiciário.

Batalha
A batalha dos assessores pela incorporação é antiga. Ela começou na Justiça do Trabalho em 2002. Na época, o Tribunal Superior do Trabalho e alguns tribunais regionais autorizaram o aumento disfarçado. No TST, ela beneficiou metade dos 1.800 funcionários.
O ato administrativo do TST liberando as incorporações foi contestado tanto no TCU como no STF. O Supremo proibiu o pagamento, e o TCU inicialmente rejeitou a interpretação da legislação que o validava.
Há um ano, o Superior Tribunal de Justiça seguiu o exemplo do TST e liberou a incorporação das gratificações a toda a Justiça Federal. Nunca foi informado à imprensa o impacto global na folha de pagamento. Nesta semana, os ministros do TCU aceitaram um recurso de sindicatos contra a sua decisão anterior e a reviram. A Folha apurou que o recuo é resultado de forte pressão dos servidores interessados na verba. Muitos são assessores das autoridades que têm o poder de decisão, o que facilita o convencimento.


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