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Desgaste da Câmara ajuda Lula, diz analista
Leôncio Martins Rodrigues avalia que reajuste de 91% só não piora tanto a imagem do Congresso porque ela já é muito ruim
Ex-professor titular da USP e da Unicamp afirma que um Legislativo deslegitimado favorece o presidente, que pode apelar à população
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
O cientista político Leôncio
Martins Rodrigues, 72, avalia
que o reajuste de 91% no salário
dos deputados federais vai piorar a imagem do Congresso, o
que não favorece o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, pois
abala a credibilidade do poder
encarregado de fiscalizá-lo.
Segundo ele, como a percepção da população sobre os congressistas já é bastante ruim, o
desgaste não será significativo.
Pesquisa Datafolha publicada
ontem indica que 36% reprovam o desempenho do Congresso. Professor titular aposentado da USP e da Unicamp,
Leôncio Martins Rodrigues é
autor do recém-publicado
"Mudanças na Classe Política
Brasileira".
FOLHA - Nenhum deputado, individualmente falando, pode ser responsabilizado por esse aumento
nos salários dos parlamentares. É
possível dizer que o custo político individual para cada um é pequeno?
LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES-
Acho que de modo geral é muito pequeno e praticamente nulo para os deputados que se elegem com uma base clientelística. Seus eleitores ligam pouco
para isso. Os deputados que
têm um eleitorado mais ideológico são mais prejudicados.
FOLHA - É difícil culpar um deputado em particular pelo aumento. Mas
em termos coletivos, para o Congresso como um todo, essa decisão
é prejudicial. O sr. acha que ela afeta
muito a credibilidade do Congresso?
LEÔNCIO - O Congresso já é visto de maneira muito negativa
pela maior parte dos eleitores.
Uma decisão como essa ajuda a
piorar a imagem, mas não
transforma um Congresso considerado "bom" num Congresso "ruim", porque a visão já é negativa para a maior parte do
eleitorado. Os políticos e partidos não são atores que recebem
apreciação positiva do eleitorado em comparação com outras
instituições também em outros
países. A avaliação é baixa em
toda parte, por várias razões: os
eleitores acham que os políticos não falam a verdade, os políticos mentem, os políticos enganam, os políticos traem
ideais. Nos países subdesenvolvidos, a avaliação é ainda pior.
Voltando ao Brasil. Esse aumento vai vigorar no ano que
vem, mas as eleições estão marcadas para daqui a quatro anos:
o eleitor acaba esquecendo se
ele votou pelo aumento ou não.
FOLHA - O fato de o Legislativo e de
os partidos terem uma credibilidade
baixa favorece o Executivo?
LEÔNCIO - Sim. Vamos nos concentrar na Presidência. Se houver um presidente muito popular, como Lula, isso o favorece.
No sistema presidencialista
sempre existe a tentação de
"apelar diretamente às massas". Um Legislativo deslegitimado favorece o presidente.
FOLHA - Tomando os dados de seu
livro "Mudanças na Classe Política
Brasileira", vemos que a soma de
empresários e profissionais liberais
na Câmara supera 65% dos deputados. Esses setores são os que concentram a riqueza social. A diferença
entre um salário mínimo e o salário
de um deputado não reproduz apenas uma concentração de renda que
já existe na sociedade civil?
LEÔNCIO - Mesmo em países
com uma desigualdade social
menor, os políticos se dão vantagens de natureza variada, o
que é natural, senão ninguém
concorreria ao cargo. A atração
não é apenas financeira, é simbólica -o poder e vantagens
que vêm embutidas no poder.
Quanto mais atrasado uma região ou país, maior a tendência
para a desigualdade. Veja os salários altíssimos que a alta burocracia se dá no Nordeste.
FOLHA - Seria possível dizer que o
Parlamento é o lugar estrutural da
elite? E quem chega lá acaba sendo
convertido em elite?
LEÔNCIO - Isso é verdade. Mas
não é correto dizer que o Legislativo é apenas um instrumento da burguesia, como dizia Lênin, porque houve uma universalização do sufrágio. Depois de
um certo tempo é quase fatal
que pessoas originárias das
classes baixas, dos trabalhadores, cheguem ao Parlamento
com o crescimento do poder
sindical e dos partidos social-democratas. Os sindicatos são
vias de ascensão para a entrada
no sistema político. Na Inglaterra alguns líderes sindicais se
tornaram primeiros-ministros.
FOLHA - No Brasil...
LEÔNCIO - No Brasil temos um
presidente. A extensão do sufrágio abre caminho para a ascensão de obreiros. Os setores de esquerda que acusavam o
Parlamento de ser um órgão da
burguesia viviam numa época
em que o sufrágio era restrito
-as mulheres não votavam, só
votavam maiores de 21 anos, só
votava quem tinha certa renda,
certo nível de escolaridade.
Agora não, o voto é universal.
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