São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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MOVIMENTO SEM TERRA, 25 ANOS

MST perde adeptos e recursos e procura identidade sob Lula

Para especialistas, expansão do Bolsa Família ajudou a esvaziar o movimento, já que a principal razão para adesão é econômica

ONGs ligadas aos sem-terra, que tiveram R$ 39,9 mi de 2003 até 2006, perderam verba em 2008; acadêmicos veem importância histórica


Sérgio Lima
Mãos de Agenor Vieira, apelidado de parafuso, personagem do livro "Pioneiros do MST"

DA REPORTAGEM LOCAL

Após a chegada do PT ao poder em 2002, o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) mantém sua importância histórica, mas perdeu adeptos, receitas e, ao comemorar seu aniversário de 25 anos neste mês, busca novas formas de se adaptar ao Brasil da era Lula.
É o que apontam dados levantados pela Folha que coincidem com a opiniões de especialistas sobre o tema da reforma agrária no país e no mundo.
O número de famílias invasoras caiu de 65.552, em 2003 -primeiro ano do governo Lula-, para 49.158, em 2007. O de novas famílias acampadas foi de 59.082 para 6.299-menos 89,34%. No período, a ocorrência de invasões oscilou de 391 para 364, afirma a CPT (Comissão da Pastoral da Terra).
"O pessoal, tendo pequenas ajudas, como a do Bolsa Família, não vai se inscrever nos batalhões de luta pela terra", diz dom Tomás Balduino, bispo de Goiás e conselheiro da CPT. De 2003 a 2008, o número de inscrições no Bolsa Família saltou de 3,5 milhões para 11 milhões.
Uma pesquisa feita pelo Datafolha com membros do MST em 1996 já demonstrava que a principal razão para a entrada no movimento era econômica.
Para 62% dos entrevistados, a vantagem atribuída ao assentamento era "independência financeira", sendo citados como exemplos "deixar de ser empregado", "poder negociar a própria produção" e "lucros com a venda da produção". Os principais problemas sobre os assentamentos eram "falta de infraestrutura" (22%), "falta de ajuda do governo" (19%) e "falta de recursos" (10%).
A despeito do momento de transição, o geógrafo da USP Ariovaldo Umbelino diz que o MST ainda é importante. "Com ele, a luta pela reforma agrária ganhou sua dimensão política e passou a se fazer nos fóruns políticos do país. A história dos primeiros anos mostrou a setores da sociedade que só através da luta é que se conseguiria a reforma agrária no Brasil", diz.
Umbelino também vê uma retração do MST e diz que ele passa por uma mudança de discurso, ao colocar a "luta contra o agronegócio" como principal bandeira. "Lula não cumpriu todas as metas [da reforma agrária], menos de 30% da meta foi atingida. O que fica demonstrado nos primeiros anos do governo Lula é que ele fez a opção pelo agronegócio."
O professor da Unesp Bernardo Fernandes afirma que "o papel atual [do MST] é seguir lutando para o desenvolvimento a partir dos paradigmas que defendem o campo como lugar de vida, onde as pessoas possam produzir alimentos saudáveis, recuperando ambientes degradados pela produção monocultora de grande escala."
Para frei Sérgio Görgen, militante desde a criação do MST, o foco do movimento no agronegócio resulta de uma mudança no perfil de seus participantes. "Hoje o MST mexe com um número significativo de produtores agrícolas e as questões dessa cadeia produtiva estão no movimento". Görgen diz que isso traz a preocupação com empresas transnacionais, como as que "controlam as sementes e insumos", e com questões produtivas mundiais.
Apesar das novas bandeiras do MST, o apoio popular não é expressivo no Brasil. Uma pesquisa feita em 2008 pelo Ibope a pedido da mineradora Vale do Rio Doce, um dos alvos dos sem-terra, mostrou que apenas 31% dos entrevistados diziam confiar no movimento, contra 65% que diziam não confiar.
A desconfiança aumentava quanto maior a escolaridade. Entre os que tinham estudado até a quarta série do ensino fundamental, a confiança era de 35%, e a desconfiança, de 60%. Entre aqueles com ensino superior, a confiança era de 19%, e a desconfiança, de 75%.
Zander Navarro, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul diz que o MST "perdeu a razão de ser". "Seria inevitável que a industrialização e a urbanização reduzissem, fortemente, a demanda social por terra em nosso país. É o que ocorre atualmente. Mas há o lado político, ou seja, o formato organizacional autoritário."
O professor, no entanto, diz que as invasões são um "instrumento de pressão histórico de trabalhadores rurais sem terra, em todo o mundo" e que as realizadas pelo MST são, em geral, pacíficas e não produzem danos materiais consideráveis.

Financiamento
O governo Lula repassou apenas R$ 1,4 milhão às principais entidades ligadas ao MST em 2008, segundo dados do Siafi. O número é muito diferente daquele registrado no primeiro mandato do petista. Entre 2003 e 2006, foram R$ 39,9 milhões repassados às três principais ONGs ligadas ao MST. No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), foram R$ 9,6 milhões.
Historicamente, as ONGs Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil) e Iterra (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) são apontadas como as que têm maiores ligações com o MST.
O movimento, porém, diz que nunca recebeu dinheiro de nenhum governo e que se sustenta com "a ajuda dos próprios trabalhadores acampados e assentados, com a solidariedade da sociedade brasileira e com o apoio solidário de entidades e comitês de amigos no exterior, que acreditam nas experiências do MST". (FERNANDO BARROS DE MELLO, JOSÉ ALBERTO BOMBIG e ANA FLOR)


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