São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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ELIO GASPARI

A praça da soberania de Niemeyer


Arquiteta condena o plano de construção de um memorial e de um monumento diante da Esplanada de Brasília

UM ARTIGO intitulado "Niemeyer e Brasília: Criador versus Criatura", da professora Sylvia Ficher, publicado na revista MDC, recomenda que o esboço do arquiteto para a construção da praça da Soberania passe por mais debate e menos celebração.
Ela condena os sucessivos acréscimos feitos por Niemeyer à monumentalidade arquitetônica da cidade, a começar pelo Panteão da Pátria, inaugurado em 1986: "predinho sem graça e sem uso, verdadeira câmara escura". A nova ideia de Niemeyer é a construção do Memorial dos Presidentes, um pavilhão curvo de dois andares e, segundo Ficher, um "unicórnio" ou "chifre de concreto" de 100 metros de altura. A professora não gosta da ideia da celebração oficialista do Memorial dos Presidentes, mas sua principal crítica relaciona-se com a interferência do prédio e do "chifre" na perspectiva monumental que vai da estação rodoviária ao Congresso.
A ideia da praça da Soberania derivou da necessidade de construção de um estacionamento subterrâneo na ponta da Esplanada, mas uma coisa nada tem a ver com a outra. Há 50 anos, acreditava-se que havia algum simbolismo deixando-se a vista do Congresso livre para a choldra que desembarcasse na rodoviária. Agora, o Memorial dos Presidentes funcionará como um tapume de concreto escondendo o Parlamento. Não deixa de ser um novo simbolismo.
A lei determina que Oscar Niemeyer, e só ele, pode mexer na arquitetura pública da capital, do toldo do Itamaraty à churrasqueira do Alvorada. Tudo bem, até porque quando a ditadura militar resolveu afastá-lo, produziu um monstruoso terminal no aeroporto da cidade. Daí a se transformar qualquer novidade em celebração, vai uma distância. Quando Lucio Costa e Niemeyer projetaram a cidade poderiam ter previsto um Memorial dos Presidentes exatamente onde ele quer colocá-lo agora. Não o fizeram.
Sylvia Ficher está longe de ser uma plantonista da crítica a Niemeyer. Pelo contrário, é coautora do livrinho "Guiarquitetura Brasília", publicado com o copatrocínio da Unesco. Ela explica: "O eixo cerimonial de Brasília não é simplesmente uma relíquia de uma era descartada ou o símbolo de uma utopia frustrada. Na verdade, é tão crucial para os valores de sua era quanto as pirâmides o foram para as civilizações do passado. Adulterar essa visão representa uma tragédia cultural, mesmo que as mudanças tenham sido orientadas pela mão do criador".
A discussão em torno da praça da Soberania pode ser fatiada. Uma coisa é o projeto do Memorial com seu unicórnio. Outra é a localização. É uma temeridade discutir projetos de arquitetura assinados por Niemeyer, mas não se lhe pode atribuir o dom da onisciência. Outro dia ele escreveu um artigo informando que teve nas mãos e folheou "uma obra fantástica do historiador inglês Simon Sebag Montefiore, sobre a juventude de Stálin (...) reabilitando a figura do grande líder soviético, tão deturpada e injustamente combatida pelo mundo capitalista".
Montefiore, autor do fenomenal "A Corte do Czar Vermelho", pesquisou durante dez anos em 23 cidades de nove países e teve acesso inédito a arquivos georgianos, onde o Generalíssimo viveu a infância e a adolescência. "O Jovem Stálin" segue uma visão menos radical do que a de Isaac Deutscher em sua clássica biografia de Josef Djugashvili. Ele foi um charmeur, sabia ser divertido, tinha gosto pelo cinema e conhecimentos literários. Isso não tem a ver com reabilitação. No quarto parágrafo da introdução do novo livro, Montefiore informa: "As atividades e os crimes de Stálin antes da revolução foram muito maiores do que sabíamos". Josef tinha 22 anos quando chegou ao Cáucaso, lançando-se "numa vida de banditismo, extorsão e agitação".
Eis a conclusão do historiador a respeito de um personagem que, em certos aspectos pessoais, o cativou: "Um megalomaníaco paranoico, mestre anormal da miséria humana numa escala só comparável à da Alemanha hitlerista".


O artigo de Ficher e o de Niemeyer -este publicado na Folha e intitulado "Quando a verdade se impõe"- estão na internet.

LULA 2.0
Lula está aborrecido com o tempo que corre entre a hora em que decide fazer uma coisa e o momento em que essa coisa acontece na economia real. O aborrecimento tem estragado o seu humor no palácio. Uma informação para piorá-lo: em 1933, Franklin Roosevelt almoçou com Harry Hopkins, seu principal assessor para assuntos sociais, e ouviu dele um plano para criar um programa de emprego capaz de absorver 4 milhões de desempregados. O presidente topou. Entre o fim do almoço e a chegada de US$ 65 bilhões (em dinheiro de hoje) à caixa do programa passaram-se 40 dias. Hopkins respondia a quem pedia tempo: "As pessoas não comem a longo prazo, comem todo dia".

TRÊS EM NADA
Nosso Guia não tem política externa que faça nexo, mas tem três chanceleres. Um é o titular Celso Amorim. O outro é o assessor especial Marco Aurélio Garcia. Agora, correndo por baixo, entrou o ministro do sei-lá-o-quê Roberto Mangabeira Unger. O professor foi a Washington e encontrou-se com um assessor do presidente eleito Barack Obama, cujo nome não revelou. Dessa conversa resultou uma preciosa informação: "Obama decidiu não se encontrar oficialmente com nenhum representante de outro país antes da posse".
Dias depois Obama reuniu-se com o presidente mexicano Felipe Calderón, com direito a fotografias. Desse jeito o governo Lula não é apenas "o mais corrupto de nossa história nacional" (nas palavras de Mangabeira). É também o mais estabanado.

GM COME ABELHA
O vice-presidente da GM brasileira, José Carlos Pinheiro Neto, não come mel, come abelha. Seus trabalhadores que estão com medo de ir para o olho da rua, e ele diz: "Quem garante emprego é o mercado". Tem toda razão, mas também é o mercado quem garante balanço. Em novembro, quando as contas da GM fizeram água, seu patrão, Frederick Henderson, desceu em Washington pedindo um refresco de US$ 12 bilhões. Dizia que se a Viúva não ajudasse a empresa, ela iria à bancarrota. Em seguida, os barões da GM americana anunciaram que reduziriam seus salários para US$ 1 durante este ano. Mercado é como pimenta: nos olhos dos outros é refresco.

PT LIGHT
O tucanato paulista vai para a eleição de 2010 sem um poderoso aliado: a capacidade dos petistas de jogar suas campanhas em lances aloprados, como sucedeu com o comissariado do senador Aloizio Mercadante em 2006 e de Marta Suplicy em 2008. Os dois principais candidatos do PT são o deputado Antonio Palocci e o ministro da Educação, Fernando Haddad, duas pessoas cordiais.
ERRO
Como prontamente alertou o leitor Marcus Fidelis, de Goiânia, estava errada a atribuição ao juiz Hugo Black de uma frase que é de seu colega Louis Brandeis. Sua versão completa é a seguinte: "A luz do sol é o melhor dos detergentes; a luz elétrica é o melhor policial".
Brandeis foi juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos de 1916 a 1939. É dele outra frase, hoje corrente em quase todas as sociedades: "Nós podemos ter democracia, ou podemos ter muita riqueza concentrada nas mãos de poucos, mas não podemos ter as duas coisas".


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