|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Súmula que regula uso de algema é ignorada
Decisão do STF, que limitou a utilização a casos "excepcionais", não é aplicada no maior centro criminal da AL, o Fórum da Barra Funda
Policiais relatam que em
5 anos nunca viram um preso sem algema; para advogado, é "garantia de segurança"
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A aplicação da súmula das algemas, que limitou o uso do
instrumento a casos "excepcionais", é ignorada no maior centro criminal da América Latina,
o Fórum da Barra Funda, em
São Paulo, onde circulam cerca
de 1.100 presos por mês, invariavelmente todos algemados.
Quando aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, em
agosto de 2008, a súmula definiu o caráter "excepcional" no
emprego das algemas e vinculou todos os juízes do país a esse entendimento.
Essa excepcionalidade, porém, passa longe do dia a dia do
Fórum da Barra Funda. A Folha percorreu os corredores do
prédio e constatou que os presos, de calça bege, camiseta
branca, chinelos e algemas nos
pulsos, circulam escoltados por
policiais em meio aos 2.500 visitantes diários.
"Se no maior fórum da América Latina ninguém cumpre,
imagine no resto do país. Essa
súmula não existe de fato no
país, onde os pobres continuam sendo algemados indiscriminadamente. A aplicação
da súmula, infelizmente, é feita
a partir de critérios de discriminação socioeconômica", diz
o juiz Sérgio Mazina Martins,
presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Para o juiz, a súmula só foi
aprovada porque ricos foram
presos. "Há séculos as algemas
vinham sendo usadas para conduzir os presos. Mas, quando
alguns ricos são presos e algemados, alguns se insurgem e o
Supremo edita a súmula."
A súmula foi editada 36 dias
depois de a Polícia Federal ter
deflagrado a Operação Satiagraha, que prendeu e algemou
o banqueiro Daniel Dantas, o
ex-prefeito paulistano Celso
Pitta (morto em novembro) e o
investidor Naji Nahas. À época,
os ministros da corte criticaram o que chamaram de "espetacularização das prisões".
A súmula diz que o uso de algemas deve ser limitado a casos
de resistência, de "fundado receio de fuga" ou de perigo à integridade física do preso e de
outras pessoas. A "excepcionalidade" do seu uso deve ser registrada por escrito, sob pena
de a autoridade ser responsabilizada e o processo ser anulado.
Realidade
Para o juiz federal Ricardo de
Castro Nascimento, presidente
da Ajufesp (Associação dos Juízes Federais de São Paulo e de
Mato Grosso do Sul), a norma
das algemas, ao contrário da
maioria das súmulas do Supremo, dá espaço para a interpretação individual do juiz. "É preciso avaliar as condições e reais
necessidades de seu uso e a realidade de cada fórum do país."
Exemplo disso foi o que ocorreu na Comarca de Petrópolis
(RJ). Em novembro, um preso
recorreu ao Supremo dizendo
que, durante a audiência em
que foi acusado pelo crime de
furto, lhe foi negada a possibilidade de ficar sem as algemas.
Ao rejeitar o pedido do preso
de anulação do processo, o STF
levou em consideração o fato
de o fórum de Petrópolis operar com poucos policiais.
Desde a edição da súmula, esse foi um dos 28 casos que chegaram ao Supremo com reclamação sobre o uso de algemas.
Na maior parte dos pedidos, os
autores disseram ter sido algemados de forma abusiva e sem
justificativa por escrito no processo. Dos 17 pedidos já julgados, todos foram negados.
No cotidiano do Fórum da
Barra Funda, a súmula é praticamente desconhecida.
Dois policiais militares que
conversaram com a reportagem, sob a condição de terem
suas identidades preservadas,
disseram nunca ter ouvido falar sobre a norma. Afirmaram
que, em cinco anos, nunca viram um preso sem algemas.
O advogado Wanderley
Francisco Cardoso, que acompanhou uma audiência ao lado
do cliente algemado, diz nunca
ter invocado a súmula. "As algemas são uma garantia de segurança. Acabei de sair de uma
audiência em que meu cliente
foi condenado a 18 anos de prisão por sequestro-relâmpago e
roubo. Você nunca sabe como a
pessoa pode reagir."
O STF informou que a súmula nunca proibiu as algemas,
apenas regulou o seu uso. Informou que seu emprego deve
ser decidido pelo juiz e explicado por escrito, sob risco de o
processo ser anulado.
Texto Anterior: Texto de 2ª Conferência Nacional da Cultura traz ataques à mídia Próximo Texto: Toda Mídia - Nelson de Sá Índice
|