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PF errou na investigação do dossiê, diz procurador-geral
Na opinião de Antonio Fernando Souza, indiciamento de Mercadante foi indevido
Em entrevista à Folha, ele afirma que discussão sobre poder de investigação dos procuradores é "surreal" e só beneficia "delinqüentes"
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ao se pronunciar sobre o caso do dossiê negociado por
emissários petistas contra tucanos, o procurador-geral da
República, Antonio Fernando
Souza, 58, dirá que o indiciamento do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) foi indevido.
O delegado de Polícia Federal Diógenes Curado indiciou
Mercadante sob a acusação de
ter praticado crime eleitoral.
Para Curado, Mercadante é
responsável solidário por supostas irregularidades na prestação de contas da campanha
ao governo de São Paulo. Souza
entende que somente o Supremo Tribunal Federal pode investigar e indiciar autoridades
com direito a foro especial.
Caberá ao procurador-geral
opinar, diante do STF, se deve
ou não haver abertura de inquérito para investigar parlamentares no caso do dossiê.
Em entrevista à Folha, ele
falou sobre a estrutura de análise de informação que ele está
montando para servir o Ministério Público Federal. Também
desqualificou a polêmica sobre
o poder de investigação dos
procuradores. "Essa discussão
é surreal e só tem um ganhador: o delinqüente."
FOLHA - O sr. já apreciou o inquérito sobre o dossiê?
ANTONIO FERNANDO SOUZA -
Quando eu tiver assinado embaixo, informo. Fizeram a
apreensão do dinheiro, e aí começaram a ver como iriam enquadrar na lei penal. Concentraram-se na origem do dinheiro. Ao final, como não deu para
identificar a origem do dinheiro, mas, ao ver do delegado
[Diógenes Curado], isso só poderia beneficiar o Mercadante,
concluiu que houve omissão de
receita na prestação de contas
do senador [relativa à eleição
para o governo de São Paulo].
Isso porque, examinada a
prestação, não constava o dinheiro para pagar o dossiê. Mas
o delegado não podia indiciar.
Não pode haver atividade investigatória da polícia contra
pessoa com prerrogativa de foro. O Supremo é que diz se deve
ou não haver investigação.
Para a polícia, indiciamento é
a afirmação de que encontrou
elementos suficientes de que
houve crime e de sua autoria.
Do ponto de vista técnico, está
equivocado. Independentemente do caminho que eu vá tomar, vou dizer que não poderia ter havido
indiciamento. E não é por desprezo ou diminuição da polícia.
No caso de Mercadante, houve indiciamento indevidamente. E isso não quer dizer que é
indevido porque não havia elementos, mas porque o delegado
não poderia fazer.
FOLHA - Qual sua análise sobre as
mudanças aprovadas pelo Congresso para a lei penal?
SOUZA - De maneira geral, a
ampliação de pena não resolve.
Mas, ao diferenciar concessão
de benefício para crimes hediondos em relação aos demais,
a medida restabeleceu a lógica:
se é justo que haja benefício para crime hediondo, não podem
ser os mesmos a que fazem jus
aqueles que não têm periculosidade. A criminalidade tem
que ser tratada como um problema social, não como uma
questão penal somente.
FOLHA - Mas a sociedade grita
mesmo quando há uma barbárie,
como o caso João Hélio.
SOUZA - Sim. Será que também
a proteção à vida não está sendo barateada às vezes? Uma seqüência de crimes contra a vida
se passa na periferia. Mas só
gera indignação quando aparece alguém que já tem projeção
maior no seio da sociedade. A
integridade física tem que ter a
mesma preocupação.
[A morte de João Hélio] é
uma coisa que estarrece, mas
todo dia há crimes horríveis na
periferia. Não estou minorando a gravidade. Tem que haver
indignação, porque aquilo poderia ter sido evitado até pelo
bandido, que poderia soltar [o
menino] e dizer "fica aí". É o
desprezo absoluto pela vida.
FOLHA - O sr. é a favor da redução
da maioridade penal?
SOUZA - Não tenho cientificamente uma posição que me diga: "Após os 16 anos, deve responder". Isso é juízo político. A
redução impedirá a prática dos
crimes? Vai gerar conseqüências na execução das medidas.
Mas os mecanismos de ressocialização vão mudar? Ou só
vamos tirar a pessoa com 16
anos do ambiente que se pretende sócio-educativo para colocar na cadeia? Se for só para
isso, não vejo utilidade.
FOLHA - A primeira denúncia do
mensalão vai completar um ano em
maio. E a próxima etapa?
SOUZA - Sobre parte daqueles
fatos, o Ministério Público teve
uma atuação muito grande na
análise de documentos, o que
resultou na denúncia. O inquérito está sendo desmembrado
-para tirar dos autos o que
tem relação com os já denunciados- e a polícia continua fazendo diligências. Também
não concluiu o inquérito que se
refere o episódio do Marcos
Valério em relação ao senador
Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
FOLHA - Como o sr. avalia a reeleição de deputados acusados?
SOUZA - A vida social é mais
abrangente do que os mecanismos restritos da área judiciária. A opinião pública tomou
conhecimento dos fatos, embora ainda não haja decisão judicial. Vamos punir o eleitor?
Num regime democrático, a
vida social se forma assim, com
o voto. Não considero que seja
uma absolvição da sociedade.
FOLHA - Esses escândalos indicam
que a corrupção aumentou?
SOUZA - Para fazer essa análise, eu teria que ter dados confiáveis, e não tenho. Uma coisa
é certa: está se fazendo muita
apuração. O Estado sempre é
objeto de atuação de delinqüentes, porque é um gigante.
Toda empresa grande tem
problemas. Não que corrupção
deva ser tolerada, mas ela existe porque existe.
FOLHA - E os mecanismos existentes são eficientes para isso?
SOUZA - No papel, são. O problema é saber se estão funcionando a contento. A Polícia Federal consegue dar conta de todas as demandas? Não, senão
os inquéritos terminariam em
30, 50 dias. Isso não é crítica à
polícia. Há uma demanda talvez maior do que a capacidade
operacional dela. O Ministério
Público às vezes demora pra fazer a denúncia? Demora, se há
uma fila de processos grandes.
FOLHA - Por isso foi editada, em dezembro, uma portaria para promover o trabalho conjunto?
SOUZA - Eu, o ministro Márcio
[Thomaz Bastos, da Justiça], o
delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da PF, figura excepcional, procuramos eliminar
tudo que pudesse criar qualquer ruído entre as instituições. Em um ou outro episódio,
há divergências até por razões
pessoais. São coisas inevitáveis.
FOLHA - Por que o sr. criou uma assessoria de análise de dados para o
Ministério Público?
SOUZA - Certo tipo de delinqüência não tem nenhum tipo
de sofisticação. Mas essa delinqüência mais grave, refinada,
como a financeira, é mais difícil
de identificar. Requer análise
de dados bancários, telefônicos
e fiscais. É necessária uma assessoria capaz de extrair informações para justificar uma
conduta do Ministério Público.
FOLHA - Então, o Ministério Público
está se preparando para atuar mais
em investigações, apesar de isso ter
sido questionado no STF.
SOUZA - Essa discussão é surreal, sem utilidade. Não tenho
nenhuma dúvida de que a polícia é a instituição que o Estado
mantém para fazer investigações. A nossa divergência só é
quanto à interpretação que se
quer dar ao artigo 144 da Constituição Federal, buscando interpretá-lo no sentido de que,
dentro do Estado brasileiro, a
única instituição que pode investigar, no plano federal, é a
Polícia Federal. Isso atenta até
contra o interesse público.
Ao afirmar que cabe exclusivamente à PF a função de polícia judiciária da União, o propósito da Constituição é excluir, de tal atribuição, as demais polícias do país. O inquérito é um dos instrumentos para se realizar uma investigação,
mas não o único. O Banco Central e a Receita Federal investigam. Essa discussão só tem um
ganhador: o delinqüente.
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