São Paulo, sábado, 18 de março de 2006

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ PALOCCI NA MIRA

Ex-funcionário agora afirma que viu ministro na "casa do lobby" "muitas vezes"

Motorista diz ter levado dinheiro para ministério

José Cruz - 08.mar.06/Agência Senado
Francisco Chagas da Costa no depoimento à CPI dos Bingos em que disse ter visto Palocci "três vezes, mais ou menos' na "casa do lobby'


LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Estimulado pelo depoimento do caseiro Francenildo dos Santos Costa à CPI dos Bingos, o motorista Francisco Chagas da Costa, 56, resolveu contar, segundo diz, tudo o que viu e ouviu durante os onze meses em que trabalhou para a "república de Ribeirão", formada por ex-assessores do ministro Antonio Palocci (Fazenda) na Prefeitura de Ribeirão Preto (SP).
O motorista confirma que levou um envelope de dinheiro para Ademirson Ariovaldo da Silva, assessor especial de Palocci na Fazenda, no estacionamento do ministério. A entrega, afirma, foi uma ordem de Vladimir Poleto, ex-assessor de Palocci. Segundo Francenildo, havia de R$ 5 mil a R$ 7 mil no envelope. Francisco disse não saber precisar o valor.
Francisco diz também ter visto o ministro "muitas vezes" na casa do Lago Sul alugada por Poleto. A casa foi descrita pelo advogado Rogério Buratti, outro integrante da "república de Ribeirão", como uma central de encontros de lobistas e empresários com negócios de interesse no governo Lula.
Em depoimento à CPI dos Bingos na semana passada, em que envolveu Palocci na "casa do lobby", Francisco disse tê-lo visto lá "três vezes, mais ou menos".
Assim como Francenildo, o motorista diz que Palocci chegava à casa sempre num Peugeot prata de Ralf Barquete, outro ex-assessor de Palocci. Porém, ao contrário do caseiro, disse nunca ter visto Palocci dirigindo o carro.
Os depoimentos contradizem o ministro, que tem afirmado não ter mantido contato com seus ex-assessores de Ribeirão.
Maranhense, Francisco diz que não mente por ser um homem "honesto" e porque "sua religião [é evangélico] não permite".
Francisco trabalhou para a "república de Ribeirão" de março de 2003 a janeiro de 2004. Contou que conheceu Poleto, Buratti e Ralf Barquete, morto em 2004, por meio do empresário Roberto Kurzweil, dono do Omega que, segundo reportagem da revista "Veja", teria sido utilizado em 2002 para transportar dólares vindos de Cuba para o PT.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.
 

Folha - Como o sr. passou a trabalhar para Poleto e Buratti?
Francisco Chagas da Costa -
O início dessa história foi com o senhor Roberto Carlos Kurzweil, o primeiro que eu conheci desse povo [...]. Eles alugavam o carro lá [uma locadora de automóveis]. Eu era motorista fixo da locadora já de muito tempo, eu fui servi-los, Roberto Carlos e Ralf Barquete. Depois deles é que eu passei a conhecer o resto da turma: Vladimir Poleto, Buratti, Ademirson, o irmão do Ralf, o Rui Barquete.

Folha - Como era sua rotina de trabalho com eles?
Francisco -
Primeiro, no aeroporto. Do aeroporto para a casa, da casa às vezes para o hotel Blue Tree, do hotel para restaurante.

Folha - O senhor alguma vez transportou o Ademirson juntamente com eles?
Francisco -
Sempre. Muitas vezes transportei.

Folha - Para a casa também?
Francisco -
Para a casa também. Muitas vezes.

Folha - Sobre o que eles costumavam conversar com o Ademirson quando estavam no carro?
Francisco -
Falavam muito a respeito de mulher, sobre festas.

Folha - Quando eles falavam sobre o ministro Palocci, referiam-se a ele como "o chefe"?
Francisco -
O chefe.

Folha - Sobre o que conversavam quando se referiam ao "chefe"?
Francisco -
Falavam que "o chefe vai hoje na casa". Falavam que tinha que organizar. O Vladimir [Poleto] gostava muito de falar que tinha que acionar a casa, "porque o chefe vai hoje".

Folha - Quando eles falavam em acionar a casa para o "chefe" era dia de semana, final de semana?
Francisco -
Variava muito. Final de semana, meio de semana.

Folha - Eles levavam "o chefe" freqüentemente à casa?
Francisco -
Quase toda semana.

Folha - O ministro, então, mantinha sempre contato com eles?
Francisco -
Com certeza, todos os dias.

Folha - Todos os dias?
Francisco -
Quando estavam aqui, né? O Buratti vinha por um dia só, né? Sempre quando vinha, tinha contato.

Folha - Sempre que o Buratti vinha a Brasília ele se encontrava com Palocci?
Francisco -
Quando não se encontravam, se falavam no telefone.

Folha - O sr. presenciou encontros de Palocci com Buratti?
Francisco -
As vezes em que se encontraram era na casa.

Folha - Quantas vezes eles se encontraram na casa?
Francisco -
Não sei, muitas vezes. Se eu falar dez vezes, quatro vezes, estou mentindo, né? Muitas vezes.

Folha - O sr. viu Palocci na casa?
Francisco -
Eu vi ele entrando na casa. Ele ia de carro.

Folha - Em que carro?
Francisco -
Um Peugeot prata, de propriedade do Ralf Barquete.

Folha - Ele que dirigia?
Francisco -
Não, ele nunca dirigiu aqui em Brasília. Quem dirigia sempre era o Ademirson. Muitas vezes o Ralf ou Rogério [Buratti].

Folha - Era comum eles transportarem dinheiro em pastas?
Francisco -
Sempre tinha dinheiro na pasta do Vladimir. Vladimir que era o chefe, ele que andava com dinheiro. Ele que fazia os pagamentos.

Folha - O sr. entregou dinheiro para alguém a pedido do Poleto?
Francisco -
Isso aí é uma coisa que eu não tinha relatado, mas eu me lembro. Nós fomos ao Ministério [da Fazenda] e tinha um envelope, acho que possivelmente seria dinheiro, que eu levei com o [caseiro] Nildo. Nildo levou, segurando, eu dirigindo, e levamos ao ministério. Chegando lá, eu liguei para doutor Ademirson, ele desceu e nós passamos para ele.

Folha - Havia bastante dinheiro no envelope?
Francisco -
É, bastante.

Folha - Era só dinheiro?
Francisco -
Só dinheiro.

Folha - Como foi o pedido do Poleto?
Francisco -
"Faz essa entrega para o Ademirson. Chegando lá, você liga para ele, dá um toque que ele desce."

Folha - O sr. ligou no celular dele?
Francisco -
Liguei no celular dele, aí ele veio na portaria.

Folha - Na portaria do ministério?
Francisco -
Do lado, onde ficam os carros dos visitantes.

Folha - O sr. fez outras entregas de dinheiro para o Ademirson?
Francisco -
Não, a única entrega de dinheiro foi essa no ministério.

Folha - Como eles entravam com Palocci na casa?
Francisco -
Chegavam no portão e interfonavam, mas já estava tudo avisado, né? Quando tocavam o interfone, já abriam o portão.

Folha - Francenildo disse que o ministro ia à noite, dirigindo sozinho o carro.
Francisco -
Ele sabia porque estava lá, era o caseiro. Eu não tenho como confirmar, eu não estava lá.

Folha - O sr. se lembra se eles mencionavam a palavra Gtech?
Francisco -
Eu vi, sempre essa palavra era comentada. Ralf, Rogério Buratti e Vladimir Poleto.

Folha - Sobre o que eles falavam quando se referiam à Gtech?
Francisco -
Vamos ter uma reunião com o pessoal da Gtech [...], mas não detalhavam [o assunto].

Folha - Voltando à entrega do dinheiro ao Ademirson, o Francenildo disse que era por volta de uns R$ 7 mil. Era esse valor?
Francisco -
Essa base, mais ou menos. Não contei, só vi os pacotes dentro do envelope.


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