São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Por que não falas?


O silêncio fugidio do governo Lula é quase tão ofensivo quanto a arbitrariedade do governo Zapatero


A FIRMEZA que o governo brasileiro demonstra, e ainda ontem reafirmou-a em Washington, na recusa a admitir "ações preventivas ou antiterroristas" em território estrangeiro, como querem os governos dos Estados Unidos e da Colômbia, está faltando para responder, sem acovardamentos, à incorreção e às violações do governo espanhol em relação ao Brasil.
A represália de barrar aqui meia dúzia de espanhóis, contra os maus-tratos a que número incalculado de brasileiros já foi submetido ao chegar a Madri, não tem sentido como resposta e, como ato de governo, é apenas farsa. Para iludir a expectativa de providências governamentais contra injustiças e transgressões espanholas.
Ninguém sabe hoje o que é necessário a um brasileiro para ser admitido ao maravilhoso reino de Espanha, ainda que só para embarcar logo com destino a outro país. Na sucessão de exigências, quando o brasileiro vai atendendo a todas, os espanhóis já chegaram até à recusa de uma carta de convite para hospedagem, mandada por parentes moradores em Madri, por não conter a aprovação, autenticação, ou lá o que fosse, da delegacia policial do respectivo bairro. Dessa maneira, toda barração é possível. E o que se segue é imprevisível, tanto pode ser o confinamento com 30 outros em uma pequena sala e um só banheiro, como ficar dez dias em uma espécie de galpão. Em qualquer caso, sem acesso à bagagem sequer para mudar a roupa.
A secretária de Estado para Iberoamérica, dessa Espanha que não é mais a de Franco, mas a do "socialista" José Rodrigues Zapatero, diz que "os governos de Espanha e Brasil são muito amigos, temos muita simpatia um pelo outro, e por isso nossa intenção é normalizar a qualidade dos nossos intercâmbios". Doña Trinidad Jiménez não precisaria usar de hipocrisia tão inábil. Não é o caso de simpatias, nem os dois governos e seus governados precisam delas. Trata-se de algo muito mais sério: é de leis internacionais que se trata. É dos princípios e formalidades que regulam as relações dos dois países e de seus povos. Fixadas em tratados internacionais e, ainda, por acordos bilaterais.
Essas leis, acordos, tratados, princípios e formalidades o governo Zapatero está violando. E o faz sob o argumento falso de que aplica as regras da União Européia: as exigências da Espanha vão a extremos só seus, e o tratamento que se segue é mais uma transgressão do governo Zapatero, esta aos fundamentos humanitários da Constituição da União Européia.
O ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, disse ontem em Washington, onde se reúne a OEA (Organização dos Estados Americanos), que "o terrorismo não pode servir de pretexto para a violação das leis internacionais". É o que precisaria ser dito ao governo Zapatero desde o seu primeiro excesso: o direito e a necessidade de barrar pretendentes à permanência ilegal e suspeitos de finalidades ilícitas não podem servir de pretexto, sob pena de violar acordos e internacionais, para o veto indiscriminado à entrada e para o tratamento franquista aos barrados com ou seu motivo.
A atitude do Brasil de barrar espanhóis insuspeitos e em condições de entrada tem, a ampará-la, o precedente do governo espanhol. Mas, por isso mesmo, macula sua razão, em vez de cobrar à altura que seja respeitada. A passividade e o silêncio fugidio do governo Lula são quase tão ofensivos para os brasileiros quanto o são a arbitrariedade e o autoritarismo do governo Zapatero.


Texto Anterior: Bolsa Família cresce e alcança 1,7 mi de potenciais eleitores
Próximo Texto: Só expandir programa não basta, dizem especialistas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.