São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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Multa a Lula é "pedagógica", diz Lewandowski

Novo presidente do TSE afirma que tribunal aumentou propositadamente rigor contra propaganda eleitoral antecipada

Segundo ministro, falta identidade aos partidos no Brasil e a democracia apenas avançará quando houver legendas mais ideológicas

FELIPE SELIGMAN
LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Prestes a assumir a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o ministro Ricardo Lewandowski, 61, disse ontem em entrevista à Folha que as recentes multas aplicadas ao presidente Lula por propaganda eleitoral antecipada em favor da pré-candidata petista, Dilma Rousseff, têm um caráter "pedagógico" que continuará sendo adotado pelo tribunal.
O ministro, que assume o TSE na próxima quinta-feira, afirma que a democracia brasileira só avançará quando houver legendas mais "ideológicas" e "programáticas", criticando a falta de identidade dos partidos brasileiros. Segundo Lewandowski, PT e PSDB são "muito semelhantes".
Para ele, a política brasileira não pode mais conviver com práticas "arcaicas" como o caixa dois. A seguir, os trechos da entrevista, concedida ontem em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal.

 

FOLHA - Esta será uma eleição simbólica pelo fato de Lula não ser um dos candidatos?
RICARDO LEWANDOWSKI -
Não só pela ausência do Lula, mas também de FHC. Dois líderes carismáticos, cada qual no seu estilo. Agora temos dois candidatos que passaram pela gestão pública, que evidentemente não têm o mesmo carisma dos anteriores. E talvez isso possibilite um debate centrado não em torno de pessoas, mas em ideias, projetos e programas.

FOLHA - O Brasil caminha para uma polarização entre PT e PSDB?
LEWANDOWSKI -
Até poderíamos caminhar para isso se esses dois partidos tivessem uma identidade ideológica mais clara. Acho que o PT e o PSDB, com seus partidos agregados, se tornaram muito semelhantes. A democracia brasileira só vai avançar quando tivermos partidos ideológicos e programáticos e neste momento isso não está ocorrendo.

FOLHA - Há algum partido com uma bandeira claramente definida?
LEWANDOWSKI -
Temos 27 partidos políticos, o que demonstra uma certa inviabilidade de se formar um consenso. São muitos partidos, um número inusitado. Se pegarmos os programas veremos que, com raras exceções, não há grandes distinções entre eles. Isso dificulta inclusive a identificação do eleitor e leva à personalização da política. Aqui no Brasil, o eleitor não vota em projetos, mas em pessoas.

FOLHA - Há um fenômeno novo de sindicatos, igrejas ou até mesmo facções criminosas tentando eleger seus representantes. Não seria uma nova forma de voto de cabresto?
LEWANDOWSKI -
Não diria voto de cabresto, mas reflete um fenômeno em que os partidos são menos ideológicos e programáticos. A representação política não se dá por partidos, mas por bancadas que representam categorias, corporações. Vejo isso com preocupação.

FOLHA - O caixa dois faz parte da cultura política brasileira?
LEWANDOWSKI -
Tem que mudar. Não se justifica mais essas práticas arcaicas.Como pegar isso? É como faz a Receita Federal no que chama de sinais exteriores de riqueza. O político declara que gastou "x", mas aparece com uma campanha multimilionária.

FOLHA - O presidente Lula disse no inicio do ano que sua principal obrigação como presidente, neste ano, era eleger Dilma sua sucessora. Não é preocupante?
LEWANDOWSKI -
Quando não há uma intenção personalista, um continuísmo pelo continuísmo, mas uma continuidade para finalizar um determinado programa de governo, isso não é ilegítimo. Nem no Brasil, nem no exterior.

FOLHA - A declaração não configuraria o uso da máquina pública em prol de sua candidata?
LEWANDOWSKI -
Vocês é que dizem. Não sei.

FOLHA - O sr. tem uma posição no TSE mais moderada quanto à propaganda antecipada. Votou contra a aplicação de multa ao presidente Lula, por exemplo. Qual é o limite da propaganda e um simples discurso?
LEWANDOWSKI -
É bem verdade que o TSE está se permitindo a um maior subjetivismo. Estou entendendo que o tribunal tem papel pedagógico e está mandando um recado para que todos os candidatos se abstenham o mais possível de confundir a atividade pública com a atividade eleitoral. O TSE enrijeceu propositadamente e agora será predominante.

FOLHA - Lula também criticou a decisão de ser multado ao dizer que não é um juiz que dirá o que ele pode ou não pode fazer. Não é uma afronta à Justiça?
LEWANDOWSKI -
O presidente veiculou um inconformismo com a multa, que é veiculado por qualquer parte que perca uma demanda judicial. É claro que, ao meu ver, alguém que ocupe um cargo público deve ser o mais comedido em suas manifestações.

FOLHA - O TSE cassou recentemente diversos governadores. Esse mesmo rigor será adotado daqui pra frente?
LEWANDOWSKI -
Esse rigor vai se aprofundar ainda mais. Havia no passado uma certa tolerância em relação a determinados comportamentos, mas pouco a pouco o TSE foi se tornando mais rigoroso em sua jurisprudência e eu imagino que essa orientação vai coibir comportamentos abusivos. Acredito também que aqueles que vierem a desaguar em nosso tribunal terão o mesmo desfecho.

FOLHA - Ou seja, as cassações de governantes servem como aspecto pedagógico também?
LEWANDOWSKI -
Sem dúvida. Tem um aspecto extraordinariamente pedagógico. Inclusive cito o exemplo do desfecho da crise aqui no Distrito Federal.


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