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Multa a Lula é "pedagógica", diz Lewandowski
Novo presidente do TSE afirma que tribunal aumentou propositadamente rigor contra propaganda eleitoral antecipada
Segundo ministro, falta identidade aos partidos no Brasil e a democracia apenas avançará quando houver legendas mais ideológicas
FELIPE SELIGMAN
LUCAS FERRAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Prestes a assumir a presidência do TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), o ministro Ricardo
Lewandowski, 61, disse ontem
em entrevista à Folha que as
recentes multas aplicadas ao
presidente Lula por propaganda eleitoral antecipada em favor da pré-candidata petista,
Dilma Rousseff, têm um caráter "pedagógico" que continuará sendo adotado pelo tribunal.
O ministro, que assume o
TSE na próxima quinta-feira,
afirma que a democracia brasileira só avançará quando houver legendas mais "ideológicas"
e "programáticas", criticando a
falta de identidade dos partidos
brasileiros. Segundo Lewandowski, PT e PSDB são "muito
semelhantes".
Para ele, a política brasileira
não pode mais conviver com
práticas "arcaicas" como o caixa dois. A seguir, os trechos da
entrevista, concedida ontem
em seu gabinete no Supremo
Tribunal Federal.
FOLHA - Esta será uma eleição simbólica pelo fato de Lula não ser um
dos candidatos?
RICARDO LEWANDOWSKI - Não só
pela ausência do Lula, mas
também de FHC. Dois líderes
carismáticos, cada qual no seu
estilo. Agora temos dois candidatos que passaram pela gestão
pública, que evidentemente
não têm o mesmo carisma dos
anteriores. E talvez isso possibilite um debate centrado não
em torno de pessoas, mas em
ideias, projetos e programas.
FOLHA - O Brasil caminha para
uma polarização entre PT e PSDB?
LEWANDOWSKI - Até poderíamos caminhar para isso se esses dois partidos tivessem uma
identidade ideológica mais clara. Acho que o PT e o PSDB,
com seus partidos agregados,
se tornaram muito semelhantes. A democracia brasileira só
vai avançar quando tivermos
partidos ideológicos e programáticos e neste momento isso
não está ocorrendo.
FOLHA - Há algum partido com
uma bandeira claramente definida?
LEWANDOWSKI - Temos 27 partidos políticos, o que demonstra
uma certa inviabilidade de se
formar um consenso. São muitos partidos, um número inusitado. Se pegarmos os programas veremos que, com raras
exceções, não há grandes distinções entre eles. Isso dificulta
inclusive a identificação do
eleitor e leva à personalização
da política. Aqui no Brasil, o
eleitor não vota em projetos,
mas em pessoas.
FOLHA - Há um fenômeno novo de
sindicatos, igrejas ou até mesmo
facções criminosas tentando eleger
seus representantes. Não seria uma
nova forma de voto de cabresto?
LEWANDOWSKI - Não diria voto
de cabresto, mas reflete um fenômeno em que os partidos são
menos ideológicos e programáticos. A representação política
não se dá por partidos, mas por
bancadas que representam categorias, corporações. Vejo isso
com preocupação.
FOLHA - O caixa dois faz parte da
cultura política brasileira?
LEWANDOWSKI - Tem que mudar. Não se justifica mais essas
práticas arcaicas.Como pegar
isso? É como faz a Receita Federal no que chama de sinais
exteriores de riqueza. O político declara que gastou "x", mas
aparece com uma campanha
multimilionária.
FOLHA - O presidente Lula disse no
inicio do ano que sua principal obrigação como presidente, neste ano,
era eleger Dilma sua sucessora. Não
é preocupante?
LEWANDOWSKI - Quando não há
uma intenção personalista, um
continuísmo pelo continuísmo,
mas uma continuidade para finalizar um determinado programa de governo, isso não é
ilegítimo. Nem no Brasil, nem
no exterior.
FOLHA - A declaração não configuraria o uso da máquina pública em
prol de sua candidata?
LEWANDOWSKI - Vocês é que dizem. Não sei.
FOLHA - O sr. tem uma posição no
TSE mais moderada quanto à propaganda antecipada. Votou contra a
aplicação de multa ao presidente
Lula, por exemplo. Qual é o limite da
propaganda e um simples discurso?
LEWANDOWSKI - É bem verdade
que o TSE está se permitindo a
um maior subjetivismo. Estou
entendendo que o tribunal tem
papel pedagógico e está mandando um recado para que todos os candidatos se abstenham o mais possível de confundir a atividade pública com
a atividade eleitoral. O TSE
enrijeceu propositadamente e
agora será predominante.
FOLHA - Lula também criticou a decisão de ser multado ao dizer que
não é um juiz que dirá o que ele pode ou não pode fazer. Não é uma
afronta à Justiça?
LEWANDOWSKI - O presidente
veiculou um inconformismo
com a multa, que é veiculado
por qualquer parte que perca
uma demanda judicial. É claro
que, ao meu ver, alguém que
ocupe um cargo público deve
ser o mais comedido em suas
manifestações.
FOLHA - O TSE cassou recentemente diversos governadores. Esse mesmo rigor será adotado daqui pra
frente?
LEWANDOWSKI - Esse rigor vai se
aprofundar ainda mais. Havia
no passado uma certa tolerância em relação a determinados
comportamentos, mas pouco a
pouco o TSE foi se tornando
mais rigoroso em sua jurisprudência e eu imagino que essa
orientação vai coibir comportamentos abusivos. Acredito
também que aqueles que vierem a desaguar em nosso tribunal terão o mesmo desfecho.
FOLHA - Ou seja, as cassações de
governantes servem como aspecto
pedagógico também?
LEWANDOWSKI - Sem dúvida.
Tem um aspecto extraordinariamente pedagógico. Inclusive
cito o exemplo do desfecho da
crise aqui no Distrito Federal.
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