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São Paulo, domingo, 18 de maio de 2003

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MODOS DE PENSAR

"Não somos conselheiros do rei", diz cientista política; grupo deve manter reuniões com Dulci e outros ministros

Intelectuais se reúnem para "aconselhar" Lula

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a poder contar, desde o último dia 6, com uma espécie de "conselho" informal de intelectuais para "refletir e propor" idéias sobre o governo, ainda que críticas. Terão encontros regulares entre si e devem tê-los também com ministros de Lula.
Cerca de 20 acadêmicos simpatizantes ou ligados ao PT retomaram naquela terça-feira a realização de encontros que boa parte do grupo mantinha com dirigentes do partido durante a campanha de Lula à Presidência. Dessa vez a reunião foi com o secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, em uma casa no bairro do Pacaembu, em São Paulo.
Entre eles, estão os professores da USP Paul Singer (economia), a cientista política Maria Victoria Benevides (faculdade de educação), Renato Janine Ribeiro (filosofia), Marilena Chauí (filosofia), o advogado Fábio Konder Comparato (direito), o advogado Dalmo Dallari (direito) e também a psicanalista Maria Rita Kehl.
Outra reunião com o ministro Dulci está marcada para o fim do mês e, segundo Marilena Chauí, estariam sendo agendados encontros com outros ministros. A assessoria da Secretaria Geral confirma as informações. Segundo a assessoria, do mesmo modo que Dulci procurou esse grupo, falará também com intelectuais de outros Estados.
"Não somos conselheiros do rei", afirma a cientista política Maria Victoria Benevides. "Não temos a pretensão de aconselhar o governo. Temos a pretensão de discutir. O interesse deles [governo] é ir e conversar com formadores de opinião, estejam ou não concordando com eles. Nós gostamos muito de poder falar cara a cara com um ministro, mas não temos a pretensão de que vamos aconselhar. Vamos dar a nossa opinião. Eles aceitarão ou não. Não temos mandato nenhum."

Retiradas
Alguns antigos integrantes do grupo que se reunia durante a campanha, diz Benevides, não puderam participar da reunião do dia 6 justamente por estarem no governo, como, ela cita, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, e o porta-voz André Singer.
Outros usaram a mesma frase de Benevides -"não sou conselheiro do rei"- para explicar o motivo pelo qual não se reuniriam -como de fato não o fizeram- com o secretário-geral do presidente Lula.
"Acho que foram retiradas muito honestas. Gente que se retirou com a maior honestidade, com a maior gentileza com os colegas e dizendo 'olha, não me sinto à vontade'", disse Benevides.
Entre os que não compareceram, a cientista política cita o professor de filosofia da USP Paulo Arantes. "Saiu o Paulo Arantes, por exemplo. Ele falou com muita franqueza, sempre muito educado e gentil. Gostamos muito, é assim que se faz. Ele acha... Eu não concordo. Nós não somos conselheiros do rei de jeito nenhum." A Folha não conseguiu falar com Arantes.
Benevides descreve assim os integrantes do grupo: "São intelectuais que sempre estiveram ao lado do PT e da candidatura Lula. E que portanto têm um compromisso na medida das suas competências, que é pensar o Brasil, refletir sobre um projeto de desenvolvimento para o Brasil, refletir sobre propostas de mudança etc. Mas refletir e propor não é a mesma coisa que aconselhar".
O trabalho do grupo original no ano passado, ela afirma, era "acompanhar a campanha como intelectuais, todos nós muito ligados ao PT desde a fundação, opinando sobre os programas, sobre a imprensa, dando sugestões".
Entre os que se reuniram no início do mês, Marilena Chauí e Renato Janine Ribeiro não faziam parte do grupo original.
Da primeira reunião, Chauí diz trazer a convicção de que a mudança de rumos da política econômica acontecerá. Para fazê-la, ela diz, Lula foi eleito. "É isso que vem vindo. Ela virá", afirmou.
"O ministro [Dulci] enfatizou o fato de que o governo ia entrar numa segunda fase. O período chamado de transição está chegando ao fim."
Ela elogiou o fato de o atual governo procurar um contato maior com a sociedade. "Uma das características contínuas de governos brasileiros é fazer de Brasília uma ilha de fantasia", disse.
Maria Victoria Benevides descreveu o procedimento dos assessores de Luiz Dulci e do ministro durante o encontro em São Paulo: "Tomaram nota de absolutamente tudo e responderam a tudo que foi perguntado".
Para Renato Janine Ribeiro, o encontro demonstra "empenho do PT de não perder contato com uma de suas bases tradicionais".
Questionado se o encontro não poderia servir para o governo tentar neutralizar o aparecimento de críticas, Ribeiro disse não ter tido essa impressão.
"Mas evidentemente que quando você abre diálogo você conquista um capital de simpatia. Às vezes ser ouvido vale mais do que ser atendido."
O filósofo afirmou ter dito na reunião que Lula está demorando a adotar uma agenda de esquerda.


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