São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 2006

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JANIO DE FREITAS

Ciranda de crimes

A ferocidade mortífera da reação policial e a cobertura que lhe dão as autoridades governamentais de São Paulo põem a população paulista sob o risco que mais conviria evitar: os revides dos revides, uma ciranda em que a retração de um lado leva à ofensiva do outro, que se exaure e passa a ser o atacado até chegar sua nova ocasião. É a mecânica própria dos conflitos em que os choques não levam à eliminação de uma das partes. Mecanismo cujo estudo foi fundamental na formulação da doutrina autêntica da guerrilha.
Um componente comum, nos comentários de colunistas e de muitos dos entrevistados, foi de que as autoridades governamentais e a polícia deviam uma reação rigorosa e dura porque o PCC investiu contra o Estado. Duvido muito de que alguém no PCC, como nas associações do gênero, tenha idéia do que é Estado, quanto mais de que o combata. Mas vá lá: o cerne da gravidade está na ação contra o Estado.
No mesmo caso, então, ficam as chamadas autoridades que permitem ou praticam as mortes a granel, com dezenas de vítimas qualificadas, oficialmente, apenas como suspeitas. Ou o governador e seus secretários não têm autoridade para proibir e reprimir o morticínio não provocado pelo direito de defesa ou estão comprometidos com o desregramento policial.
Será útil por muito tempo este trecho de resposta franca do major-PM-SP Sergio Olímpio Gomes em entrevista a Germano Oliveira, do "Globo": "Prefiro acreditar que as autoridades não tenham acordo com os bandidos. Se fizeram, não vão poder cumprir, porque os 90 mil PMs e os 40 mil policiais civis nas ruas não vão respeitar. Ainda não esquecemos as 29 mortes. (...) Vai morrer uma média de dez a 15 bandidos por dia em São Paulo a partir de agora".
Ninguém deve esquecer as 29 mortes, muito menos os policiais. Mas também não deve esquecer casos exemplares como o do cabeleireiro Lindomar da Silva, que fechou o seu salão para dispensar os colegas apreensivos, e foi morto na calçada por três tiros que testemunhas atribuem a PMs. Ou a morte de Aparecida da Silva, morta dentro de sua casa invadida por ser ela a mãe de um preso do PCC.
As autoridades paulistas saíram do aturdimento para outra maneira de continuarem à margem do que lhes cabe. E, por ora, não há motivo para crer que a nova atitude seja menos imprópria que a anterior.

O alheio
José Serra continua em Nova York. Em quatro para cinco dias de aflições no Estado que quer governar, não teve nem ao menos uma palavra de solidariedade aos paulistas. Parece inexplicável, mas talvez não seja.


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